Antonio Ecarri se reuniu com Celso Amorim, assessor especial do presidente brasileiro, em Caracas

A situação dos 282 presos políticos venezuelanos, a deterioração da democracia e a gravíssima crise social e econômica do país foram os temas presentes nas reuniões que o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, manteve com dirigentes da oposição em sua recente viagem a Caracas.

Em entrevista ao GLOBO, os opositores Antonio Ecarri e Stalin González afirmaram que Lula é visto hoje como o único chefe de Estado latino-americano capaz de contribuir para que a Venezuela saia do atoleiro atual. Para eles, o Brasil pode ser um importante ator, especialmente nas esperadas eleições gerais de 2024.

— O recado que recebemos [de Amorim] é de que o Brasil quer ajudar a fortalecer a democracia na Venezuela e que tenhamos uma eleição legítima no ano que vem. Ficamos satisfeitos — aponta González, que integra o partido Um Novo Tempo, em referência à reeleição de Nicolás Maduro, em 2018, que não foi reconhecida por mais de 60 país por denúncias de irregularidades.

Segundo o dirigente venezuelano, “até agora, a região, embora tenha sido a mais prejudicada pela imigração de venezuelanos, esteve ausente na busca de uma solução. Os europeus se preocuparam e se envolveram mais do que os latino-americanos”.

Além de Lula, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, também mantém contatos com a oposição e tem se mostrado disposto a colaborar com um processo de normalização democrática no país.

— Falamos com Amorim sobre a necessidade de recuperar a divisão de poderes, liberar presos políticos e corrigir muitos outros erros cometidos por Maduro. O governo brasileiro sabe disso, essa foi a sensação que tive quando conversamos — acrescentou González.

Presos políticos

Antonio Ecarri, líder do movimento político Lápiz Venezuela, revelou que, durante outra reunião, falou com Amorim sobre a detenção arbitrária de Javier Tarazona há mais de 600 dias na famosa prisão de Helicoide, em Caracas, sob o comando do Serviço Bolivariano de Inteligência (Sebin).

Antes de ser preso, Tarazona, dirigente do movimento, denunciou a ação de guerrilheiros na divisa do país com a Colômbia, disse Gonzalo Himiob, da ONG Foro Penal, que registra 282 presos políticos atualmente na Venezuela.

Deste total, 151 são militares e 131 civis, e apenas 115 foram condenados pela Justiça, que, de acordo com a oposição, é absolutamente controlada pelo governo. Segundo a ONG, que diariamente recebe denúncias de torturas e detenções arbitrárias por motivos políticos, Tarazona foi acusado de traição à Pátria, mas ainda não condenado.

— Hoje temos 167 pessoas presas preventivamente e, em alguns casos, há mais de dois ou três anos — disse Himiob, afirmando que “os presos confessam crimes que não cometeram para serem libertados". — Não temos Estado de Direito [no país]. Houve avanços cosméticos, como a reforma do Código Penal, mas que não é respeitada.

Três pedidos

Ecarri, cujo movimento nasceu como uma ONG voltada à educação, também disse ter pedido três coisas a Amorim: “ajuda para implementar um programa de alimentação escolar, porque a desnutrição entre crianças é dramática; uma data para as eleições de 2024; e a reincorporação da Venezuela em organismos internacionais que trabalhem com educação e tecnologia”.

— O presidente Lula será indispensável para que a Venezuela esteja mais perto do Brasil, e mais longe da Nicarágua. Queremos a ajuda do Brasil para uma saída constitucional para a crise, uma saída eleitoral, com a participação de grandes massas populares — diz Ecarri, que representa um movimento político independente, crítico do governo, mas também da oposição liderada por dirigentes como Henrique Capriles e Leopoldo López.

Na visão do analista político Piero Trepiccione, subdiretor do Centro de Investigação e Ação Social dos Jesuítas na Venezuela, “hoje Maduro precisa recompor sua relação com a comunidade internacional, porque precisa de recursos para garantir um mínimo funcionamento do Estado. A oposição, por sua vez, precisa garantir condições mínimas de competitividade nas eleições de 2024”.

— Hoje o chavismo representa um terço do eleitorado, esse é seu teto. Se a oposição continuar dividida, com esses 30% poderá ganhar a eleição [já que na Venezuela não existe segundo turno] — explica o analista.

O governo Lula ficou satisfeito com a primeira visita de alto nível a Caracas, e surpreso pela disposição do governo Maduro de permitir encontros com a oposição. O Brasil quer, como pediram os representantes da oposição, ajudar que eleições sejam competitivas para todos, o que implicará, entre outras coisas, a suspensão de proibições para que dirigentes opositores sejam candidatos. Também será importante que Maduro aceite a presença de observadores internacionais.

Está previsto, ainda sem data, um encontro entre o presidente venezuelano e Lula este ano. Maduro será convidado para a cúpula de países amazônicos, que deve ser realizada em Belém, no começo de agosto. A expectativa do governo brasileiro é de que o presidente venezuelano, que tem evitado viagens pela região, confirme sua presença.


Fonte: O GLOBO