Já 4,2 bilhões, aproximadamente metade da população mundial, não possuem instalações sanitárias adequadas.

A Organização das Nações Unidas inicia nesta quarta-feira a Conferência da ONU sobre a Água, o principal encontro sobre o tema em mais de uma década. Chefes de Estado e de governo, representantes de organizações e ativistas vão debater por três dias, em Nova York, propostas e soluções para alcançar objetivos e metas sobre o uso sustentável dos recursos hídricos — que cada vez mais motivam disputas geopolíticas ao redor do mundo.

A Conferência da ONU sobre a Água ocorre em Nova York entre 22 e 24 de março;

organizado pela Holanda e pelo Tadjiquistão, o encontro é considerado o maior a tratar sobre o tema em mais de uma década;

segundo a ONU, 2,2 bilhões de pessoas (27,5% da população do planeta) não têm acesso à água tratada e 4,2 bilhões (52,5%), a instalações sanitárias adequadas;

relação das mudanças climáticas com a escassez e o excesso de água em diferentes partes do mundo será colocado em pauta;

países devem apresentar posicionamentos geopolíticos para além das questões ambientais;
é esperada a apresentação de uma agenda conjunta com metas voluntárias para atingir objetivos de saneamento e serviços de água tratada.

O que é a Conferência da ONU sobre a Água?

O encontro em Nova York está sendo organizado em parceria pela Holanda e pelo Tajiquistão, países que convivem com desafios relacionados ao nível do mar com o aumento do aquecimento global e acesso a água potável, respectivamente.

A última conferência dessa dimensão sobre o tema, que não é coberto por nenhum tratado mundial nem é da competência de nenhuma agência especializada da ONU, ocorreu em 1997, em Mar del Plata, na Argentina.

— Ela é uma uma conferência que vem sendo gestada há uma década, porque está dentro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e também dentro da Agenda 2030 — disse ao GLOBO o professor de Relações Internacionais Roberto Georg Uebel, da Escola Superior de Marketing (ESPM) de Porto Alegre.

Quase 6,5 mil participantes são esperados nos mais de 500 eventos da conferência, incluindo 20 chefes de Estado e de governo, dezenas de ministros e centenas de representantes da sociedade civil e do mundo empresarial. 

Centenas de projetos já foram registrados no site da conferência: da construção de banheiros de baixo custo para milhões de pessoas em todo o mundo até uma irrigação agrícola aperfeiçoada na Austrália, passando pelo acesso à água potável em Fiji.

"A reunião de cúpula da água deve resultar em um programa de ação ambicioso sobre a água, que conceda o compromisso que merece", comentou o secretário-geral da ONU, António Guterres, em comunicado.

Por que o debate sobre a água importa?

De acordo com a ONU, 2,2 bilhões de pessoas não têm acesso à água tratada, enquanto 4,2 bilhões — aproximadamente metade da população mundial — não possuem instalações sanitárias adequadas. Todas as situações favorecem o surgimento de doenças.

O cenário é distante do projetado em 2015, como um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que previam a garantia do acesso generalizado a serviços de água e saneamento até 2030. Ao fim do encontro, os participantes vão apresentar uma agenda de ação com compromissos voluntários assumidos por atores como governos, instituições e comunidades para atingir a meta.

Qual é a relação da conferência sobre a água e as mudanças climáticas?

A conferência que começa nesta quarta guarda um paralelo direto com o fenômeno da mudança climática, provocado pela ação humana, que tem intensificado fenômenos extremos de escassez e abundância de água em diferentes partes do globo, como as secas e incêndios florestais na Califórnia e as enchentes mortais do último ano no Paquistão.

O encontro de cúpula também ocorre na esteira da divulgação de um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas, na segunda-feira, que compilou décadas de estudos sobre o aumento da temperatura média global, concluindo que ondas de calor, fome e doenças contagiosas podem cobrar um preço em milhões de vidas até o fim do século.

A mudança climática também atinge diretamente o ciclo hidrológico, que já vem sendo afetado individualmente pela ação humana.

— Estamos extraindo muita água do solo, contaminando a água restante. E agora há tanta água na atmosfera que está afetando nossas economias e nossa população devido às mudanças climáticas — afirmou Henk Ovink, representante especial para o tema da Holanda, disse à AFP.

Qual a repercussão geopolítica da discussão sobre água?

Embora a conferência da ONU tenha como foco alcançar um compromisso sobre o acesso à água potável e ao saneamento básico, a discussão sobre o tema também mexe com interesses nacionais ao redor do mundo.

— Em uma perspectiva geopolítica, o debate sobre água é um debate sobre um recurso de poder. Quando a comunidade internacional discute sobre água, não é apenas a água potável, mas também a água navegável e explorável [economicamente] — disse Uebel.

De acordo com o professor, rios e lagos passaram, ao longo da História, de acidentes geográficos que normalmente eram utilizados como marcos de fronteira, para recursos disputados entre países vizinhos. Na América do Sul, a autorização para a construção de indústrias de papel e celulose à margem do Rio Uruguai provocou uma disputa legal entre Argentina e Uruguai. 

Na África, a construção de uma usina hidrelétrica no curso do Rio Nilo causou uma crise diplomática entre a Etiópia e o Egito.

— A conferência deve discutir não apenas os impactos das mudanças climáticas na disponibilidade de água no mundo, mas também como isso pode causar mais tensões geopolíticas. Vai ser uma conferência importante para pensar questões ambientais, mas também questões geopolíticas e econômicas — concluiu Uebel. (Com a AFP)


Fonte: O GLOBO