Presidente francês disse 'não estar feliz' com as mudanças, que aumentam em dois anos a idade mínima para a aposentadoria; protestos são legítimos, afirmou ele, mas violência não

O presidente da França, Emmanuel Macron, rompeu seu silêncio sobre a manobra constitucional da qual lançou mão para aprovar sua controversa reforma constitucional sem a aprovação da Assembleia Nacional. O chefe do Eliseu disse que "não está feliz" de fazer as mudanças, mas que não há "soluções milagrosas", comparando os protestos contra a medida aos ataques golpistas em Brasília no dia 8 de janeiro e no Capitólio americano em 2021.

O presidente estava há dias sob pressão para se pronunciar após lançar mão, na semana passada, da prerrogativa que o permite aprovar leis sem o aval dos parlamentares, e seu governo sobreviver a duas moções de desconfiança na segunda. Em tom inabalável e pouco apologético, respondeu a perguntas dos jornalistas Marie-Sophie Lacarrau, do canal TF1, e Julian Bugier, da rede France 2, por mais de meia-hora.

— Nós devemos ouvir a ira das pessoas, eu não estou feliz de fazer esta reforma, preferia não tê-la feito. Poderia ter feito como muitos outros antes de mim e não me importar. Eu lamento que não soubemos explicar a necessidade desta reforma — disse ele sobre a iniciativa, cujo ponto-chave é aumentar progressivamente a idade mínima da aposentadoria dos 62 para os 64 anos a partir de 2030. — Quando eu comecei a trabalhar aqui, havia 10 milhões de aposentados. Hoje há 17 milhões, em breve haverá 20 milhões.

Desde que o projeto foi lançado em janeiro, os protestos são recorrentes pelo país — eram majoritariamente pacíficos, até a primeira-ministra Élisabeth Borne anunciar que o Palácio do Eliseu recorreria ao Artigo 49.3 da Constituição para atuar por decreto. Desde então, há vários registros de embates entre manifestantes e policiais, com uso de gás lacrimogêneo, canhões d'água e balas de borracha. Há ainda greve geral convocada para quinta-feira.

Na terça-feira, segundo a imprensa francesa, o presidente havia dito à integrantes do seu Gabinete e aliados que a "multidão" nas ruas "não tinha legitimidade", afirmando que os parlamentares eleitos eram os representantes do povo. Questionado se acha as manifestações ilegítimas, ele respondeu que sua declaração foi mal compreendida:

— Há legitimidade para os sindicatos quando protestam contra a reforma e eu os respeito. Estão defendendo seu ponto de vista e é algo garantido pela Constituição — afirmou. — Mas no momento em que nossa democracia está vivendo, quando grupos usam violência extrema para atacar representantes populares (...) e recorrem à violência sem qualquer ordem porque estão infelizes, não é mais uma República.

O presidente referia-se a atos como saques a escritórios de parlamentares, quebra de janelas, pichações e e-mails com ameaças à vida relatados por alguns parlamentares. Indagado por Lacarrau se o tom de suas palavras acalmaria os ânimos no país, ele respondeu que seu discurso "esclarece as coisas":

— Quando os Estados Unidos lidavam com o que aconteceu no Capitólio, quando aconteceu o que aconteceu no Brasil, quando houve violência extrema na Alemanha ou na Holanda no passado eu digo "nós respeitamos, ouvimos, tentamos seguir em frente pelo país (...), mas não podemos aceitar facções ou desordem.

Diferentemente das cenas vistas em Brasília e Washington, os manifestantes não invadiram prédios dos Três Poderes insuflados por líderes derrotados nas urnas. De acordo com pesquisas da semana passada, dois em cada três franceses são contra sua reforma da Previdência, que também antecipa para 2027 a exigência de contribuição por 43 anos — e não 42, como atualmente — para que o trabalhador tenha direito à pensão integral.

'Sem soluções milagrosas'

Reeleito no ano passado para mais cinco anos à frente do Eliseu sob a promessa de mudança, Macron viu sua popularidade despencar quatro pontos nos últimos meses para 28%, segundo uma pesquisa do instituto Ifop, publicada pelo Journal du Dimanche. É a menor taxa desde a crise dos coletes amarelos, em 2018, quando milhares de pessoas tomaram as ruas contra o aumento dos combustíveis.

Segundo o presidente, "não há soluções milagrosas para equilibrar" a Previdência, afirmando que outras alternativas como abaixar as aposentadorias, aumentar os impostos — "apesar de já termos alguns dos maiores" — ou tirar verbas de outras prioridades como educação seriam ainda piores. O projeto atualmente está sob análise do Conselho Constitucional, com implementação suspensa até que haja uma conclusão sobre sua viabilidade.

Pela lei francesa, o órgão tem um mês para avaliar o projeto de lei, mas o governo pode pedir urgência, o que limita o prazo para oito dias. A oposição também pediu para que o órgão considere realizar um referendo para levar a decisão sobre a iniciativa a voto popular, mas o processo demanda o apoio de um quinto dos parlamentares da Assembleia Nacional e do Senado — ao menos 185 pessoas — além do endosso de um décimo do eleitorado, com assinaturas que devem ser coletadas ao longo de nove meses.

O pedido enviado ao Conselho foi assinado por cerca de 250 parlamentares, em sua maioria de esquerda, de ambas as Casas. Se o pedido cumprir os critérios, a implementação da medida ficara bloqueada por ao menos nove meses. Macron disse que é necessário esperar a decisão do órgão, mas sua expectativa é de que a reforma "entre em vigor antes do fim do ano".

Reeleito no ano passado para mais cinco anos à frente do Eliseu sob a promessa de mudança, Macron viu sua popularidade despencar quatro pontos nos últimos meses para 28%, segundo uma pesquisa do instituto Ifop, publicada pelo Journal du Dimanche. É a menor taxa desde a crise dos coletes amarelos, em 2018, quando milhares de pessoas tomaram as ruas contra o aumento dos combustíveis.


Fonte: O GLOBO