Governo decidiu amenizar o poder que teria na escolha de juízes e adiar para depois do recesso de abril votação de maior parte dos pontos de seu plano

Após semanas de protestos maciços, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, foi forçado a realizar mudanças em seu controverso plano de reforma judicial, que enfraquece a divisão entre os Três Poderes em um risco à ordem democrática. Manifestantes, no entanto, classificaram as alterações como uma "declaração de guerra" do governo mais à direita da História do país.

Após conversar por telefone com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que enfatizou as preocupações de aliados ocidentais, Netanyahu disse que adiaria o debate da maior parte dos projetos de lei que compõem a reforma. Entre elas, o veto à intervenção da Suprema Corte em nomeações judiciais e a possibilidade de o Legislativo derrubar veredictos.

O plano inicial era aprová-las até o dia 2 de abril, quando começa o recesso legislativo, mas agora só voltarão à mesa após o retorno no dia 30 do mês que vem. As exceções, no entanto, são as mudanças no sistema de seleção de juízes, um dos pontos mais rechaçados da iniciativa, que o governo continua a querer aprovar nas próximas semanas.

Atualmente, a comissão responsável por selecionar juízes têm nove membros, e igual representação de magistrados, políticos e advogados: são três juízes da Suprema Corte, dois representantes da ordem dos advogados, dois ministros do governo, e dois integrantes do Parlamento, sendo um deles geralmente de oposição. Para selecionar juízes da instância mais alta, é desde 2008 necessário o endosso de ao menos sete dos integrantes.

Argumentando que o formato dá Judiciário poder demais nas nomeações, o governo propôs em janeiro que o número de integrantes da comissão seja elevado para 11. Seriam três ministros do governo, três parlamentares, três integrantes da Suprema Corte e dois populares escolhidos pelo Ministério da Justiça, sendo um deles advogado. A escolha, na prática, caberia a quem estiver na frente do Executivo.

A emenda com a qual Netanyahu e seu partido Likud concordaram muda a composição para três ministros de governo, três parlamentares da coalizão, três juízes e dois parlamentares de oposição, de modo que a maioria do governo seria menos garantida. O placar pró-gestão praticamente garantido, ainda assim, seria seis a cinco.

A proposta também prevê que não mais que dois juízes da Suprema Corte podem ser nomeados em uma sessão da Knesset, o Legislativo israelense. Indicações que extrapolem a cota, detalha a medida, precisaram do sinal verde de um voto majoritário endossado por ao menos um juiz e um parlamentar de oposição.

'Tomada hostil'

Apresentada na Comissão de Justiça da Knesset, a emenda gerou objeções do próprio conselheiro jurídico do grupo, Gur Bligh, que alertou contra a maioria automática do governo. Segundo ele, o "conceito de freios e contrapesos é que haja um corpo para defender os direitos humanos:

— Em Israel, onde o governo emerge da Knesset e tem a maioria de seus membros, o tribunal é um grande freio à maioria da coalizão — disse ele. — Quando falamos de nomeações da coalizão, geralmente pensamos em termos de direita e esquerda, mas no fim, cada coalizão vai querer nomear juízes que lhes são convenientes.

Em um comunicado, o governo de coalizão descreveu a revisão como "estender a mão para qualquer um que genuinamente se importa com a unidade nacional e o desejo de chegar a um acordo". Em nota após uma reunião a portas fechadas, o governista Likud disse que votou por "uma lei que restaura o equilíbrio da comissão de seleção de juízes e anula a situação antidemocrática em que os juízes se autonomeiam".

Em um comunicado ao Haaretz, os líderes dos protestos rechaçaram a proposta, afirmando que o governo "decidiu dividir nossa nação e realizar uma tomada hostil da Suprema Corte":

"Essa não é uma proposta mais amena, mas uma declaração de guerra do governo israelense contra seu povo e a democracia israelense", diz a nota, afirmando que mudança seria "o primeiro capítulo na transformação de israel em uma ditadura" e uma "tentativa transparente de anestesiar o movimento de protestos".

Desafios à medida

Parlamentares opositores, por sua vez, anunciaram que levarão a medida, se aprovada, à Suprema Corte. O ex-premier e ex-ministro da Defesa Benny Gantz, do Partido Unidade Nacional, um dos mais críticos mais proeminentes de Netanyahu neste momento, disse que se a proposta for aprovada, não conversará mais com o governo uma solução negociada para a crise. Ele fez um apelo para que juristas retirem suas candidaturas para o tribunal mais alto do país caso o plano siga em frente.

— O governo está mentindo para o povo israelense. Essa é uma tomada hostil do nosso Judiciário por políticos sem escrúpulos — disse o líder da oposição Yair Lapid, que chefiava a coalizão governista que precedeu a atual ao lado de Gantz. — Isso vai simplesmente transformar nosso Judiciário em uma filial do Likud — completou ele.

A decisão de endossar a emenda, segundo a imprensa israelense, veio após o ultimato de um dos principais integrantes do Gabinete de Netanyahu, o ministro da Justiça Yoav Gallant, que disse que teria "dificuldade de continuar como ministro" se não houvesse mudanças na reforma. Ele foi criticado por parlamentares mais conservadores do Likud, mas o endosso à revisão em uma reunião na noite de segunda-feira foi grande, segundo a imprensa local.

Outro acontecimento determinante parece ter sido a ligação de Biden, horas antes do anúncio do recuo na segunda. No telefonema, o americano demonstrou "preocupação com a proposta de reforma e ressaltou a importância de valores democráticos".

"O presidente dos EUA liga para Netanyahu não para convidá-lo para a Casa Branca, mas para explicar o que significa democracia, até oferecendo ajuda para resolver o cenário interno", diz uma análise publicada pelo jornalista Yossi Verter no Haaretz. " Como se fôssemos um Iraque em desintegração pós-Saddam", completou ele, afirmando que isso que ocorre "quando poder é dado para uma extrema direita ultra extremista liderada por um político desenfreado, corrupto e enfraquecido".


Fonte: O GLOBO