Decisão já era esperada pelo mercado e perdura o aperto da política monetária sobre a economia

O Banco Central decidiu manter a taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) concluída nesta quarta-feira. Essa é a quinta manutenção da taxa nesse nível e ocorre após repetidas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aliados ao efeito dos juros sobre a atividade econômica. 

A votação desta quarta-feira foi unânime entre todos os oito diretores e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A decisão mantém a taxa no maior patamar desde 2016.

A decisão já era esperada pelos agentes financeiros. Tem pesado sobre as decisões do BC o aumento das expectativas de inflação, principalmente para o ano que vem, e a demora do governo Lula em apresentar o arcabouço fiscal que será determinante para o comportamento das contas públicas.

A inflação - medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) - acumula alta de 5,60% em 12 meses encerrados em fevereiro. Já a expectativa para este ano é de 5,95%, bem acima da meta de 3,25% e acima também do teto de 4,75%. Para 2024, a expectativa para o IPCA é de 4,11%, acima da meta de 3%, mas dentro do limite de tolerância de 4,5%.

Pelas projeções do mercado, até o fim do ano, haverá uma redução de 1 ponto percentual nos juros, de acordo com o Boletim Focus. Ou seja, a expectativa é que o ano termine com uma taxa de 12,75%.

Cenário

A decisão do Copom reflete incertezas tanto no cenário doméstico quanto no contexto externo. Em paralelo à pressão do governo Lula pela queda nos juros, o Ministério da Fazenda conclui a modelagem do novo regramento para as contas públicas - o chamado arcabouço fiscal.

A proposta pode traçar a perspectiva de gastos públicos e definir o grau de “sustentação” das contas do governo no longo prazo. Na prática, ajudaria na redução dos juros. O anúncio do arcabouço ficou para depois da viagem de Lula à China, com agenda entre 26 e 31 de março. 

Inicialmente, a Fazenda esperava divulgar a proposta antes da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), e lançar perspectiva para queda nos juros.

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, declarou nesta quarta-feira que o regramento para as contas públicas elaborado pela equipe econômica do governo Lula - o chamado arcabouço fiscal - levará à redução na taxa básica de juros em 45 dias.

Do lado externo, há forte tensão no sistema financeiro global, desencadeada após a quebra de bancos nos Estados Unidos (Silicon Valley Bank e o Signature Bank), e a crise no Credit Suisse (da Suíça). A turbulência gerou pressão nos bancos centrais sobre o papel da política monetária restritiva e os efeitos nas instituições financeiras.

No anúncio também desta quarta-feira, o Federal Reserve - BC americano - aumentou a taxa de juros em 0,25 pontos e reconheceu que a crise bancária terá impactos, especialmente com as condições de crédito mais restritivas.

Veja abaixo a íntegra do comunicado


Desde a reunião anterior do Comitê de Política Monetária (Copom), o ambiente externo se deteriorou. Os episódios envolvendo bancos nos EUA e na Europa elevaram a incerteza e a volatilidade dos mercados e requerem monitoramento. Em paralelo, dados recentes de atividade e inflação globais se mantêm resilientes e a política monetária nas economias centrais segue avançando em trajetória contracionista.

Em relação ao cenário doméstico, o conjunto dos indicadores mais recentes de atividade econômica segue corroborando o cenário de desaceleração esperado pelo Copom. A inflação ao consumidor, assim como suas diversas medidas de inflação subjacente, segue acima do intervalo compatível com o cumprimento da meta para a inflação. As expectativas de inflação para 2023 e 2024 apuradas pela pesquisa Focus se elevaram desde a reunião anterior do Copom e encontram-se em torno de 6,0% e 4,1%, respectivamente.

Na mesma linha, as projeções de inflação do Copom em seu cenário de referência* elevaram-se para 5,8% em 2023 e para 3,6% em 2024. As projeções para a inflação de preços administrados são de 10,2% em 2023 e 5,3% em 2024. 

O Comitê optou novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente, referente ao terceiro trimestre de 2024, cuja projeção de inflação acumulada em doze meses situa-se em 3,8%. 

Em cenário alternativo, no qual a taxa Selic é mantida constante ao longo de todo o horizonte relevante, as projeções de inflação situam-se em 5,7% para 2023, 3,3% para o terceiro trimestre de 2024 e 3,0% para 2024. O Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual.

O Comitê ressalta que, em seus cenários para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções. Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; (ii) a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública; e (iii) uma desancoragem maior, ou mais duradoura, das expectativas de inflação para prazos mais longos. 

Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma queda adicional dos preços das commodities internacionais em moeda local; (ii) uma desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada, em particular em função de condições adversas no sistema financeiro global; e (iii) uma desaceleração na concessão doméstica de crédito maior do que seria compatível com o atual estágio do ciclo de política monetária.

Por um lado, a recente reoneração dos combustíveis reduziu a incerteza dos resultados fiscais de curto prazo. Por outro lado, a conjuntura, marcada por alta volatilidade nos mercados financeiros e expectativas de inflação desancoradas em relação às metas em horizontes mais longos, demanda maior atenção na condução da política monetária. 

O Comitê avalia que a desancoragem das expectativas de longo prazo eleva o custo da desinflação necessária para atingir as metas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Nesse cenário, o Copom reafirma que conduzirá a política monetária necessária para o cumprimento das metas.

Considerando os cenários avaliados, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu manter a taxa básica de juros em 13,75% a.a. O Comitê entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante, que inclui os anos de 2023 e, em grau maior, de 2024. 

Sem prejuízo de seu objetivo fundamental de assegurar a estabilidade de preços, essa decisão também implica suavização das flutuações do nível de atividade econômica e fomento do pleno emprego.

Considerando a incerteza ao redor de seus cenários, o Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação. 

O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas, que mostrou deterioração adicional, especialmente em prazos mais longos. 

O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto de Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Diogo Abry Guillen, Fernanda Magalhães Rumenos Guardado, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso, Paulo Sérgio Neves de Souza e Renato Dias de Brito Gomes.


Fonte: O GLOBO