Enquanto Tarcísio de Freitas, Cláudio Castro e Ratinho Jr. operam para ampliar o diálogo com o presidente Lula sem romper com o bolsonarismo; Jorginho Melo e Antonio Denarium se aproximam de pautas ultraconservadoras

Porto Velho, RO
 - Em busca de protagonismo no campo da direita, governadores que pediram votos para o ex-presidente Jair Bolsonaro têm se equilibrado sobre condições quase inconciliáveis: aliam a busca por um tom moderado com acenos à extrema-direita em suas gestões.

Enquanto Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Cláudio Castro (PL-RJ) e Ratinho Jr. (PSD-PR) operam para ampliar o diálogo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sem romper com o bolsonarismo, Jorginho Melo (PL-SC) e Antonio Denarium (PP-RR) se aproximam de pautas da base ultraconservadora — e veem aliados flertarem, respectivamente, com o golpismo e o garimpo. Já Romeu Zema (Novo-MG) resgatou o antipetismo de sua eleição em 2018.

O que une os políticos desse campo é a defesa de uma agenda liberal na economia, que enfrenta resistência da gestão Lula. Tarcísio, Castro e Ratinho, por exemplo, articulam com o governo federal, nesta ordem, concessões no Porto de Santos, no aeroporto internacional Tom Jobim e no modelo dos pedágios do Paraná. Aliados admitem, portanto, que a dependência de verbas federais impõe dificuldades a uma oposição mais contundente.

Em São Paulo, Tarcísio procura trilhar um caminho próprio e imprimir estilo técnico, mas a relação com a base bolsonarista é considerada abalada. Ele foi criticado ao se encontrar com Lula em Brasília e por sancionar lei para acesso gratuito na rede pública do estado, pelo SUS, à canabis medicinal.

Alternativas para 2026


Tarcísio também tem enquadrado bolsonaristas e emitido sinais para que evitem polêmicas, segundo pessoas próximas. 

O secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, recuou em declarações sobre o fim do programa de câmeras corporais nas fardas de policiais militares após o governador desautorizá-lo. 

De acordo com o relato de um auxiliar, o Tarcísio também pediu que a secretária de Políticas para a Mulher, Sonaira Fernandes, tome cuidado com postagens nas redes que inflamem a militância extremista.

Para dirimir as rusgas com os radicais, um aliado de Tarcísio com cargo no governo vem se incumbindo de atender comunicadores e lideranças da direita para esclarecer os atos do governador. O malabarismo entre a moderação e o radicalismo é apontado pela oposição. 

Próximo de Lula, o deputado estadual Emídio de Souza (PT) afirma que a presença de Gilberto Kassab, presidente do PSD, na Secretaria de Governo “puxa o governador mais para o lado da política”:

— Não acho que ele (Tarcísio) vai ser um cara dentro da loucura que é o bolsonarismo, mas vai ter que ceder muito a ela.

Diferentemente de Tarcísio, que ainda pode ter um segundo mandato, o reeleito Zema é apontado na direita como um potencial sucessor de Bolsonaro em 2026, em caso de inelegibilidade do ex-presidente — ele enfrenta um cerco judicial desde os atos golpistas de 8 de janeiro. No mês passado, Zema condenou os ataques, mas sugeriu, sem provas, que Lula fez “vista grossa” diante do vandalismo para se vitimizar.

O vice-governador de Minas, Mateus Simões (Novo), afirma que o estado busca a construção de uma relação “pacífica” com Lula.

— Não é questão de se apresentar como alternativa (a Lula), mas de se manter fiel ao projeto do Zema. Todas as vezes que o governador tiver oportunidade de estar com o presidente, ele estará.

Se o entorno de Zema adota um tom institucional nas relações com o governo federal, o governador do Rio, Cláudio Castro, busca cada vez mais aproximação com Lula. Recentemente, num evento capitaneado pelo prefeito Eduardo Paes (PSD), conversou ao pé do ouvido com o presidente. Ao discursar, pediu união ao petista:

— O que importa é que temos maturidade, presidente Lula. Juntos, temos a missão de trabalhar para esse povo — disse Castro, que entrou em rota de colisão com bolsonaristas do PL, numa disputa pelo controle da sigla no Rio.

Castro considerou migrar para o PP ou para siglas da base de Lula, como União Brasil e PSD. Por ora, desistiu, mas, segundo um integrante do governo, a tendência é que saia no futuro.

Na contramão de seus pares que caminham em direção ao centro, os governadores Antonio Denarium (RR) e Jorginho Mello (SC) transformaram suas gestões em trincheiras do bolsonarismo. Mesmo com a crise humanitária dos ianomâmis, Denarium não concorda com a responsabilização de garimpeiros e diz que trabalha para tirar a atividade da ilegalidade. 

No início do mês, parentes do governador foram alvo de busca da Polícia Federal por suspeita de envolvimento com garimpo. Denarium havia sancionado duas leis pró-garimpo que foram barradas no Supremo Tribunal Federal (STF).

Foco na base

Integrante ferrenho da tropa bolsonarista desde quando atuava como senador na CPI da Covid, Jorginho Melo sancionou no dia 10 o projeto que institui o Escola Sem Partido, cujo texto estabelece que crianças e adolescentes sejam instruídos sobre o direito de “aprender conteúdo politicamente neutro” e “livre de ideologias”. 

Educadores afirmam que a lei ataca a liberdade de cátedra do professor e pode criar um ambiente de perseguição em sala de aula. Em outro gesto, Jorginho ofereceu assistência jurídica a catarinenses presos nos atos golpistas em Brasília. A medida lhe rendeu uma investigação do Ministério Público Federal do estado por suspeita de improbidade administrativa.

Recentemente, ele nomeou o ex-presidente da Biblioteca Nacional no governo Bolsonaro, Rafael Nogueira, para a presidência da Fundação Catarinense de Cultura. Seguidor do ideólogo Olavo de Carvalho, Nogueira fez postagens associando o carnaval à transmissão de doenças sexualmente transmissíveis.

Para o cientista político Antonio Lavareda, o movimento político dos governadores bolsonaristas já aponta para as eleições de 2026:

— A variável que explica esse comportamento é a expectativa de alguns governadores (Tarcísio e Zema) de serem presidenciáveis. Eles acenam ao eleitorado bolsonarista, mas fazem um discreto voo ao centro para ampliar o eleitorado. Já Jorginho e Denarium estão em estados onde a votação de Bolsonaro foi absurda e querem manter esse eleitorado para reeleição ou para que façam eventual sucessor.

Outros governadores que concorreram alinhados a Bolsonaro, como Wilson Lima (União-AM) e Eduardo Riedel (PSDB-MS), também investem em canais com Lula. Riedel nomeou como chefe da Casa Civil o ex-deputado Eduardo Rocha (MDB), casado com a ministra do Planejamento, Simone Tebet. Lima tem feito reuniões com ministros indicados por seu partido.

Pautas estaduais dependem do Planalto

O esforço dos governadores alinhados ao ex-presidente Jair Bolsonaro em mostrar moderação não é à toa. A exemplo de todos os chefes dos Executivos, ele também dependem do governo federal para investimentos, sobretudo na área de infraestrutura e em pautas relacionadas à saúde, como a revisão da tabela do Sistema Único de Saúde (SUS). 

Há ainda uma série de demandas na área econômica, como a reforma tributária e a adesão ou renegociação do regime de recuperação fiscal. Os estados reivindicam ainda compensação das perdas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Bolsonaristas raiz ou de ocasião, esses governadores estão de olho na resolução de questões sensíveis e até emergenciais para os estados. 

Tarcísio de Freitas (Republicanos), por exemplo, que agora enfrenta um temporal devastador no litoral norte de São Paulo, precisa de auxílio federal para equipamentos, reconstrução das áreas afetadas pelas chuvas e assistência às vítimas e municípios atingidos. Outro pleito do ex-ministro é a privatização do Porto de Santos.

No Rio, o diálogo entre Cláudio Castro (PL) e o presidente Lula envolve o destino do Aeroporto do Galeão, cujo leilão da nova concessão foi paralisado no fim do ano passado, e a construção do gasoduto que pode conectar a Bacia de Santos a Itaguaí, na Baixada Fluminense. 

A obra provoca uma queda de braço com o governo de São Paulo, que já sinalizou ter preferência por uma rota que passe por Cubatão (SP).

Há também a continuidade aos investimentos na nova subida da Serra de Petrópolis e a conclusão da F118, ferrovia que liga o Porto do Açu, no Norte do estado, a Anchieta (ES).

Em Minas Gerais, Romeu Zema (PL) busca apoio de Lula em assuntos prioritários para os cofres estaduais, como o novo acordo com a Samarco para indenizações pelo desastre de Mariana, no qual os governos estadual e federal propuseram pagamentos de R$ 65 bilhões ao longo de 16 anos.


Fonte: O GLOBO