Em 40 dias da nova legislatura, deputados estaduais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Bahia apresentam propostas defendidas por esquerda e direita

A polarização entre direita e esquerda que deu o tom nas eleições presidenciais do ano passado se reflete nas Assembleias Legislativas estaduais pelo país. 

Levantamento do GLOBO nos 40 primeiros dias da nova legislatura aponta que parte dos projetos apresentados defende pautas da direita — como escola sem partido, fim de passaporte sanitário e restrições à linguagem de gênero — e da esquerda: proibição da contratação, por parte do poder público, de pessoas ou empresas envolvidas com os atos golpistas de 8 de janeiro em Brasília; criação do Dia da Democracia; e fim da arquitetura hostil, que impede o acesso da população de rua a espaços públicos.

Somente na Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj), dos 197 projetos apresentados no início da legislatura, pelo menos 14 tratam de temas ligados a pautas defendidas pela direita e pela esquerda. Também há exemplos no Legislativo de São Paulo, Minas Gerais e Bahia. 

O número no Rio só não é maior que o total de projetos ligados à segurança pública, total de 33, dos quais 16 com propostas de combate à violência contra a mulher.

Entre os projetos da Alerj com pautas defendidas pela direita, em especial bolsonaristas, está a proibição de instituições de ensino e bancas examinadoras de seleção de concursos, além de documentos oficiais e ações culturais, esportivas, sociais e publicitárias, que recebam verbas públicas, de uso de novas formas de flexão de gênero e de número. 

A proposta é dos deputados Índia Armelau e Alan Lopes, ambos do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro. Já o deputado Anderson de Moraes (PL), apresentou duas outras pautas bolsonaristas: proibição da “transição de gênero” a crianças e adolescentes; e uma que torna facultativa a apresentação, por parte dos pais, da comprovação da vacinação de crianças contra a Covid-19 nas cadernetas de imunização.

Em contraponto a pautas da direita, a bancada de deputados de partidos de esquerda protocolaram projetos que preveem a proibição da contratação pela administração pública estadual de pessoas que tenham planejado, executado e financiado os atos antidemocráticos de 8 de janeiro, conforme propõe a deputada Dani Monteiro (PSOL). 

Projeto de Elika Takimoto (PT) institui na data que ocorreram os atos golpistas o Dia da Democracia. Já Dani Balbi (PCdoB) apresentou propostas para a retirada de nomes de militares e do pai do ex-presidente Bolsonaro, Percy Geraldo Bolsonaro, de escolas estaduais.

Para a doutora pela Uerj e professora de pós-graduação em sociologia Mônica Rodrigues, a polarização da pauta da Alerj representa estratégias de sobrevivência, em especial do bolsonarismo, para manutenção de poder e, principalmente no caso da direita, tentar desviar a atenção de problemas como as prisões pós-atos golpistas.

— O Rio se tornou um estado importante para o bolsonarismo, é a base da família Bolsonaro. Muitos deputados serão candidatos a prefeito e o nome do ex-presidente ainda garante votos, mas a política é dinâmica e isso pode mudar, com a possibilidade de Bolsonaro se tornar inelegível pelo TSE. 

Não é à toa que já lançou o filho para a prefeitura do Rio, para garantir a continuidade da família no poder — afirma a pesquisadora. — A polarização na Assembleia é mais um reflexo de uma luta por sobrevivência política, de olho em 2024, do que uma adesão incondicional a Bolsonaro. Na Alerj, o conservadorismo fez maioria, mas a bancada de oposição também aumentou em quantidade e qualidade.

Pauta de costumes

Na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), projeto semelhante ao apresentado na Alerj proíbe não só a contratação de pessoas condenadas pelos atos golpistas de 8 de janeiro, mas também de empresas que financiaram atos terroristas. 

Também há propostas com focos que preveem restrições a ações de transição de gênero, defendidas pela direita, e, em contrapartida da esquerda, punições para práticas de esforços e terapia de conversão da orientação sexual.

— Em São Paulo a situação é diferente do Rio. Lá o governador é bolsonarista, e obteve apoio do PT para apoiar o candidato à presidência da Casa. A disputa ideológica segue, mas não inviabiliza acordos — analisa Mônica.

Já na Assembleia da Bahia, chama a atenção uma moção de repúdio ao “tratamento desumano” dispensado pela Polícia Federal às pessoas detidas no acampamento bolsonarista em frente ao Quartel General do Exército em Brasília.

Enquanto na Assembleia Legislativa mineira foi proposta uma manifestação de apoio à vereadora Maria Tereza Capra (PT) por ameaças de morte e pela cassação de seu mandato na Câmara de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina, após denunciar gesto nazista feito por bolsonaristas em frente a uma unidade do Exército.


Fonte: O GLOBO