Oposição feita por moradores de condomínios de luxo e hotéis fez prefeitura suspender 220 novas casas em Maresias

Pelo menos 500 casas populares deixaram de ser construídas em São Sebastião nos últimos cinco anos, 400 delas devido à forte oposição feita por moradores de condomínios de luxo e hotéis que não queriam ter como vizinhos trabalhadores locais, muitos a serem retirados das áreas de risco. 

O restante está em compasso de espera desde agosto passado, aguardando que a prefeitura assine e autorize a construção de um conjunto habitacional do CDHU, empresa de habitação do governo do estado.

Em 2020, a associação de moradores, a Sociedade Amigos de Maresias (Somar), conseguiu que o prefeito Felipe Augusto (PSDB), que está em seu segundo mandato, cancelasse a construção de 220 moradias populares em Maresias, numa área perto do Canto da Praia, a 500 metros do mar e vizinha ao condomínio de luxo Angra1.

As casas seriam feitas em terras devolutas, que pertencem à própria Prefeitura. Oficialmente, a associação alegava falta de infraestrutura para aumentar a população do local, inclusive de tratamento de esgoto. Integrantes do grupo, porém, chegaram a sugerir que as casas populares fossem feitas no "sertão" de Maresias, a área que fica mais distante da praia e próxima à Serra do Mar.

A Somar chegou a convocar trabalhadores de Maresias para uma reunião. O então presidente da entidade foi claro: as casas poderiam até ser erguidas porque a licitação já havia sido feita, mas não seriam entregues porque a entidade iria colecionar irregularidades do empreendimento.

Dono de uma casa em Maresias, Fabio Wajngarten, então secretário da Secretaria de Comunicação do governo Jair Bolsonaro, esteve nessa reunião e disse que iria acompanhar pessoalmente o projeto no governo federal. As obras seriam financiadas pela Caixa Econômica Federal. Disse ainda que considerava prioritárias obras de tratamento de esgoto no local, não moradias, alegando que a falta de saneamento básico afetava a saúde de todos.

Procurada, a Somar não quis se manifestar. Eliseu Arantes, que presidia a associação na época, disse que a reunião tratou do problema de saneamento. Ele ainda negou que Wajngarten tenha sido contra a construção das casas, assim como a Somar.

— Ninguém foi contra as casas. Fomos contra construí-las sem saneamento, sendo que naquele ano estávamos com bandeira vermelha e praia imprópria — diz ele. — Como fazer um conjunto habitacional sem saneamento, no pé do morro, perto de uma cachoeira, em terreno de charco? — completa.

O Sistema de Esgotamento Sanitário Maresias está sendo feito com investimento de R$ 75 milhões, sendo R$ 30 milhões numa Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Ainda não está pronto, mas a obra já havia sido definida em 2019, meses antes do debate em torno das moradias populares.

Mesmo sendo em um bairro do centro, as outras 180 moradias em Topolândia, naufragaram junto com as de Maresias, pois faziam parte da mesma licitação.

O prefeito afirmou ao GLOBO que as casas populares não foram feitas "por pressão" da parcela rica, que tem casas de veraneio, hotéis e pousadas no município.

— Foi pressão dos moradores de áreas nobres. Em um dos documentos, eles alegam desvalorização imobiliária do bairro e transbordo de moradores, o que não é verdade. E teve também muita pressão de ordem empresarial em cima de órgãos de governo — afirmou Felipe Augusto, que nega omissão ou atraso da gestão municipal.

Esse movimento contra projetos que beneficiam a população de baixa renda têm nome: not in my backyard (em português, "não no meu quintal"). Na capital paulista, em 2010, em Higienópolis, os moradores se mobilizaram contra o projeto de instalação de uma estação de metrô no bairro, alegando que facilitaria a chegada de pessoas de fora e aumentaria a violência.

Felipe Augusto está desde 2017 à frente da Prefeitura de São Sebastião, em seu segundo mandato.

Não faltam exatamente recursos. São Sebastião está entre os 112 municípios de economia mais dinâmica do estado de São Paulo. Recebe royalties de petróleo, abriga um grande porto multiuso e o Terminal Marítimo Almirante Barroso (TEBAR), da Petrobras. Em 2019, ficou em oitavo lugar no item riqueza do Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), feito a pedido da Assembleia Legislativa do estado.

A dinâmica imobiliária, com a construção de condomínios de luxo, ajuda a atrair trabalhadores para o município. Muitos que vão trabalhar na construção civil permanecem prestando serviços a esses condomínios e à rede hoteleira e comercial.

Faltam, porém, moradias. Para se ter uma ideia, em Barra do Sahy, as casas perto da praia são vendidas entre R$ 1 milhão e R$ 13 milhões.

Na Vila do Sahy, onde se concentraram os mortos pelos deslizamentos de terra, havia pelo menos 160 moradias em risco. O local é um dos 71 assentamentos precários do município, onde moram 22 mil pessoas — ou cerca de 30% da população fixa. Destes, 53 estão na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Mar, área de proteção ambiental integral que ocupa 70% do território municipal e abriga inúmeras nascentes e cachoeiras.

Na Costa Sul, os assentamentos precários se formam na beira dos morros, justamente nas praias de condomínios de luxo. 

Um diagnóstico de São Sebastião, feito pelo Instituto Polis, assinala que o alto valor da terra urbanizada, devido à intensa especulação imobiliária, e a falta de investimentos em moradia popular levaram a população mais pobres a ocupar áreas rejeitadas pelo mercado imobiliário, os chamados sertões, incluindo áreas com restrições de ordem ambiental e de risco geológico", perto ou até dentro do parque. 

Hoje em dia, até mesmo os "sertões" foram ocupados por pousadas e residências de veraneio de famílias menos abastadas.

Cerca de 60% do território de São Sebastião foi ocupado por posses, seja de pobres ou ricos. Quase metade dos imóveis residenciais são de uso ocasional, de veraneio, ocupados por uma população flutuante. Mais de 75% deles estão na Costa Sul, a mais procurada pelos turistas e justamente onde os escorregamentos do fim de semana foram maiores e fizeram mais vítimas.

Um estudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas, para subsidiar o trabalho da Prefeitura de São Sebastião, apontou 52 locais de risco de deslizamento num total de 2,2 mil moradias. O Procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo, informou que o Grupo de Atuação Especial de Proteção ao Meio Ambiente (Gaema) ajuizou 42 ações civis públicas para que a Prefeitura atue nas áreas de risco.


Fonte: O GLOBO