Incerteza sobre estado de saúde e localização exata dos cativos em Gaza trava difícil negociação com o Hamas e aumenta pressão interna impulsionada por drama das famílias e divergências políticas

Ocultados pelo campo de batalha que a Faixa de Gaza se tornou há seis meses, os reféns capturados pelo Hamas durante o ataque de 7 de outubro se tornaram o principal obstáculo para que um cessar-fogo seja alcançado, em meio a dúvidas sobre o destino de cada um. À medida que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tenta equilibrar pressões da sociedade civil pelo retorno dos reféns e cobranças de alas de seu Gabinete sobre a negociação, o desgaste ficou ainda maior com a declaração do grupo palestino de que não teria condições de reunir cerca de 40 prisioneiros para serem incluídos em uma troca.

Fontes diplomáticas com conhecimento das negociações entre Israel e Hamas afirmaram que o lado palestino informou a mediadores, incluindo Catar e Egito, que não teria em sua posse 42 cativos vivos que atendam ao perfil estabelecido na proposta de cessar-fogo desenhada por Washington, que estava em discussão nesta quarta-feira, segundo duas fontes ouvidas pela CNN. A proposta dos EUA sinaliza a troca de cerca de 40 reféns (todas as mulheres, idosos e homens doentes) por centenas de prisioneiros palestinos em prisões israelenses. Prevê também a entrada diária de até 500 caminhões de ajuda alimentar e o retorno dos deslocados pela guerra às suas casas no norte de Gaza.

Embora o Hamas tivesse dito estar "analisando a proposta", em uma declaração que a Casa Branca classificou como "não muito encorajadora", o retrocesso parece ainda maior após a informação de que talvez o grupo terrorista não esteja em posse de todos os reféns — ou de que um número maior de pessoas esteja sem vida. Oficialmente, Israel confirma que 34 dos 136 reféns em Gaza estão mortos, mas uma estimativa extraoficial aponta que a letalidade pode chegar até metade do total.

O destino dos reféns é um fator que ganha peso no complexo jogo político travado em Israel à medida que o tempo passa. Com seis meses de cativeiro, e sem novas informações sobre a maioria desde o acordo para liberação de parte dos reféns, em novembro passado, fontes médicas afirmam que todos já sofreriam com algum tipo de sequela ou condição ligada ao tempo de sequestro, mesmo que não tivessem nenhuma condição prévia à captura.

Parentes de reféns sequestrados pelo Hamas fazem protesto em Tel Aviv — Foto: Jack Guez / AFP

— A situação é muito grave. Não sabemos exatamente quantas pessoas estão vivas, mas pelo menos 80 ou 90 pessoas estão com enfermidades — disse a ex-diplomata israelense Revital Poleg, voluntária na Bring Them Home Now, organização que vem auxiliando as famílias das vítimas e tenta manter o tema em evidência. — Há seis meses eles estão debaixo da terra. Não sabemos se a 20, 40 ou 60 metros de profundidade. Sem sol, sem ar livre e com comida limitada.

Em visita da reportagem do GLOBO à sede da organização em Tel Aviv, em março, a coordenação do movimento citou a informação dos médicos sobre como a privação de uma rotina normal teria afetado a saúde de todos os reféns. O dado foi mencionado no contexto de justificar a urgência para o resgate dos cativos.

— Há uma série de condições de saúde relacionadas a ficar tanto tempo em uma situação como a que estão sujeitos. Mesmo sem considerar possíveis infecções e as condições de higiene que eles estão sujeitos, há pessoas com doenças prévias que não estão tendo acesso a medicamentos de uso diário — disse o médico Avi Weissman, vice-diretor do Hospital Rambam, em Haifa, em entrevista ao GLOBO. — Também estamos extremamente preocupados com questões de saúde mental, com a falta de acesso à luz solar com possível repercussão na vitamina D, fome e desnutrição, além dos relatos de violência sexual.

O passar dos meses fez com que famílias de reféns, que inicialmente aderiram apenas aos atos em prol da libertação de seus entes queridos, passassem à militância contra o governo Netanyahu. Quando a guerra completou 6 meses, no último domingo, familiares com camisas da organização apartidária compareceram a protestos antigoverno, que pediam eleições antecipadas e a saída de Netanyahu.

Mesmo quem tem um posicionamento mais neutro politicamente encampa a pressão pela volta dos reféns a qualquer custo. Ruty Strum, mãe de Eitan e Iair Horn, capturados pelo Hamas durante a invasão do kibutz Nir'Oz, disse acreditar que o governo leva em conta o agravamento dos quadros de saúde dos civis no momento de negociar. Na opinião dela, já chegou a hora de aceitar os termos que forem para que retornem para casa.

— Creio que temos que pagar o preço que for, não importa quanto, para trazê-los todos de volta — disse Ruty, em entrevista ao GLOBO. — Eu acredito que o governo tem que aceitar a condição que for e trazer todos. Depois pensamos em como as coisas vão ficar. Por ora, temos que trazê-los para casa.

Ruty Strum, mãe de Iair e Eitan Horn, sequestrados pelo Hamas — Foto: Renato Vasconcelos/O GLOBO

Mas não é apenas a pressão social que confronta o primeiro-ministro. Ante o clamor pela libertação dos reféns, Netanyahu tenta uma difícil conciliação com a ala mais radical de extrema-direita de seu governo, liderada pelos ministros Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, que defendem abertamente uma postura linha-dura e de não negociação com o Hamas. Os dois ministros ameaçaram abandonar o governo caso Israel ceda ao grupo palestino, o que derrubaria o Gabinete chefiado pelo Likud.

Mas mesmo setores não vinculados ao lado mais extremista questionam a proposta atualmente em discussão, apontando que o aceite sobre uma devolução segmentada dos reféns criaria um cenário difícil para Israel, com uma próxima fase de negociações, incluindo homens e militares, com termos impossíveis de alcançar. De acordo com fontes consultadas pelo jornal israelense Haaretz, estes integrantes do Gabinete do guerra não ameaçam virar as costas para Netanyahu neste momento.

A fritura de Netanyahu começa a aumentar também no exterior. O presidente Joe Biden, dos EUA, país que é o maior aliado histórico de Israel, fez críticas frontais ao primeiro-ministro em uma entrevista à TV Univisión, afirmando que ele cometeu um erro na forma como lidou com o atentado. Ainda nos primeiros dias de guerra, Biden já havia dito para o premier não repetir os erros americanos nas guerras contra o terror. O presidente também disse que o ataque a um comboio humanitário, na semana passada, foi "ultrajante".

A incapacidade da pressão militar em resgatar reféns — apenas dois foram resgatados com vida por meio de operação direta, mas é difícil precisar o quanto as ações foram importantes para fazer o Hamas concordar com a primeira troca de prisioneiros em novembro — também motivou críticas na opinião pública ocidental. Em um artigo recente no New York Times, o colunista Bret Stephens criticou frontalmente os resultados militares alcançados por Israel, no texto intitulado "Netahyahu precisa sair".

"Onde se encontra Israel após seis meses de guerra? Não está em uma boa posição. Netanyahu e os seus generais continuam a insistir (...) que a vitória em Gaza está próxima, ao mesmo tempo que fornecem contagens de combatentes do Hamas mortos. Mas o Hamas não está derrotado e os soldados israelenses foram forçados a recapturar os mesmos locais — como o Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza — que deveriam ter sido limpos de terroristas meses atrás. Apenas um punhado de reféns foi resgatado e muitos dos que permanecem são considerados mortos", escreveu. (Com NYT e AFP)


Fonte: O GLOBO