Hoje, a seleção não tem direção, não tem técnico, não tem norte. Em 2024, começará do zero

Em dado momento de 2023, analistas europeus começaram a debater o jeito de jogar do Fluminense. Orgulhar-se da repercussão internacional de um time brasileiro pode parecer uma confissão - ou uma confirmação - da atual irrelevância global do futebol de clubes do país. Mas é também o sintoma de algo que o tricolor atingiu não apenas com títulos, porque tais debates antecederam a conquista da Libertadores. O Fluminense invertera, ao menos por um momento, a rota por onde trafegam as ideias no futebol atual.

O jogo está estruturado de tal forma que, da América do Sul para a Europa, viajam jogadores. O zagueiro Beraldo, cuja foto com a camisa do Paris Saint-Germain inundou as redes sociais nas primeiras horas de 2024, é o exemplo mais recente. O próprio Fluminense tenta vender André para fechar a conta de um ano esportivamente irretocável.

Da Europa para a América do Sul, viaja a influência. A concentração de dinheiro e de talentos fez das principais ligas europeias modelos de excelência. E o tipo de futebol praticado por lá passou a ser copiado num mundo conectado. Mais do que o Carioca ou a Libertadores, um dos maiores troféus do Fluminense de Fernando Diniz foi justamente inverter este fluxo. Uma ideia, um jeito de jogar cultivado aqui, viajou para lá.

Sob o ponto de vista da construção de um time, que teve momentos sublimes e períodos nem tão brilhantes, o Fluminense é a grande história do futebol brasileiro em 2023. Este foi também o ano de desempenhos individuais reluzentes, como os de Suárez, Hulk, Paulinho... No mais, fica a sensação de uma temporada em que o futebol de clubes do Brasil produziu mais desapontamentos do que grandes equipes. Enquanto a seleção brasileira jogou no lixo 12 meses. Um ano perdido.

O Palmeiras campeão brasileiro é produto da solidez do trabalho de Abel Ferreira e da capacidade de manter a espinha dorsal de um elenco. Mas, até outubro, discutia-se a carência de opções e as atuações abaixo do padrão habitual. O Flamengo viveu em permanente estado de crise, perdendo torneios em série em meio a um projeto esportivo cambaleante. 

O Botafogo viveu meses de sonho no primeiro turno do Brasileiro até derreter no returno. O Vasco achou o alívio a sete minutos do fim do campeonato. O Atlético-MG, junto a Flamengo e Palmeiras um dos favoritos de 2023, só foi achar alguma consistência na reta final.

Enquanto isso, a CBF fez a seleção regredir alguns anos em um. Foi dissolvida toda a estrutura em torno da equipe, passando por uma comissão técnica de dedicação exclusiva a um departamento voltado para cuidar da principal camisa do futebol mundial. Em dado momento, o Brasil quase viveu o embaraço de não ter um amistoso para jogar. Os resultados em campo, ruins, são a parte menos grave do processo.

O cúmulo do constrangimento estava guardado para os últimos dias de 2023. Após um ano com dois treinadores tampões, após seis jogos em que Fernando Diniz pagou com resultados a etapa amarga da busca pela implantação de seu modelo de jogo, o país ficou sabendo que a seleção atravessara uma transição para o nada. 

Afinal, Carlo Ancelotti, uma espécie de salvador em nome de quem a CBF decidiu sacrificar 18 meses de um ciclo entre Copas do Mundo, resolveu ficar no Real Madrid. É até justo argumentar que o afastamento de Ednaldo Rodrigues, pela via judicial, tenha causado a mudança de rota.

Mas é também justo pensar em como uma gestão centralizadora transformou a seleção brasileira em assunto de um homem só. Hoje, a seleção não tem direção, não tem técnico, não tem norte. Em 2024, começará do zero. O projeto para 2026 já está atrasado.


Fonte: O GLOBO