Exportadores têm se queixado de que esperam até seis meses para receber de importadores argentinos. Até companhias com filiais no vizinho enfrentam problemas

A saída do Itaú Unibanco da Argentina, onde operava há mais de 40 anos, reflete os efeitos da crise do país vizinho — com inflação acima de 100%, falta de divisas e a recente instabilidade política — nas empresas estrangeiras. O Itaú se junta a outras multinacionais que deixaram a Argentina nos últimos anos, como a farmacêutica americana Eli Lilly, a empresa de entregas colombiana Glovo e a rede chilena de lojas de departamentos Falabella.

Os motivos, dizem analistas, são falta de previsibilidade, insegurança jurídica, inflação elevada, restrições às importações e dificuldades na transferência de moeda estrangeira para o exterior.

O Itaú informou ontem que vendeu a totalidade de sua operação na Argentina, onde estava desde 1979, para o Banco Macro por R$ 250 milhões. Em comunicado, o Itaú informa que manterá no país um escritório de representação.

Em fato relevante, o banco informou que reconhecerá perdas não recorrentes próximas a R$ 1,2 bilhão quando a transação for concluída.

A saída da Argentina ocorre às vésperas da eleição presidencial, que será em outubro, e em um cenário de inflação anual de 115% e desaceleração da economia.

A venda está sujeita à análise das autoridades reguladoras dos dois países.

Para João Augusto Salles, analista da Senso Investimentos e especialista em bancos, embora a operação do Itaú seja pequena na Argentina, ela tem um significado regional importante:

— Eu acho que o Itaú acaba perdendo. Um escritório de representação é pouco, até porque a operação é rentável para o banco. Em termos de estratégia de região geográfica, acho que não é bom. Poderia ter segurado um pouco mais para ver em qual direção do vento a economia argentina tende a soprar — explica o analista.

Ele lembra que o Itaú lida muito bem com economia recessiva e inflação alta:

Casa de câmbio na Argentina — Foto: bloomberg

— O problema são as incertezas políticas daquele país, com um candidato de extrema-direita crescendo na disputa presidencial.

Espera de mais de 90 dias

Para as empresas brasileiras que exportam para a Argentina, o maior problema é cambial. Sem reservas, o governo argentino vem criando barreiras à obtenção de dólares, inclusive para pagar exportações.

— Os calçadistas vêm tendo problemas, especialmente em função das dificuldades no acesso ao mercado de câmbio e do dilatado prazo para pagamento das importações, que chega a seis meses — diz o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira.

Ele observa que após a criação do imposto Pais (sigla de “Por uma Argentina Inclusiva e Solidária”) sobre produtos importados, em julho, a situação ficou mais complicada e já se reflete na redução das vendas aos argentinos.

O empresário argentino Ricardo G, que prefere não revelar o nome completo, tem uma empresa no Brasil e outra na Argentina, no setor de software. A unidade argentina venceu uma licitação para fornecer equipamentos a uma rede de fibra óptica, que foram produzidos e exportados pela empresa no Brasil.

Estava tudo certo, até que há cinco dias a autorização oficial para que a operação de importação fosse paga sumiu do sistema.

O empresário, que já entregou os equipamentos à companhia que fará a instalação e recebeu em pesos, não sabe quando poderá comprar os dólares no câmbio oficial para pagar sua empresa brasileira. Segundo ele, que morou 25 anos no Brasil e conhece bem as expressões locais, essa situação está se repetindo “com a torcida do Flamengo”.

— A autorização estava pronta, e estava previsto que teríamos acesso aos dólares para pagar à nossa empresa brasileira em 10 de setembro. Mas a autorização sumiu, e não sabemos se vai demorar uma semana, um mês ou um ano — queixou-se o empresário.

O diretor financeiro da Agrale, Leonardo Moroziuk, conta que a filial argentina está amargando mais de 90 dias para obter autorização para pagar fornecedores no Brasil, que já avisaram que estão no limite da tolerância.

— Somos uma empresa binacional e compramos 90% de nossos insumos no Brasil. Até julho, a demora para ter acesso a dólares para pagar nossos fornecedores brasileiros era de 90 dias, mas foi ampliada em mais 45 ou até 60 dias — diz Moroziuk, que é vice-presidente da Câmara de Comércio Indústria e Serviços Argentino-brasileira.

A Agrale, cuja sede é em Caxias do Sul, produz chassis na Argentina há 20 anos.

Pagamento à vista

Já Giovanni Cardoso, fundador e CEO da fabricante de eletroportáteis Mondial, conta que exporta ao país vizinho apenas 10% do que poderia:

— A Argentina é um mercado consumidor muito importante, com mais de 40 milhões de pessoas. Eles têm boa vontade, mas não têm divisas para pagar pelas importações — diz Cardoso. — Se a Argentina tivesse dólares, as exportações seriam feitas normalmente.

Outro empresário brasileiro, este do setor de eletrônicos, disse, sob a condição de anonimato, que o pouco que vende a Argentina é feito “à vista e de forma antecipada” justamente por conta das incertezas de pagamento.

Ele vê com bons olhos a declaração do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que pode ser criada uma linha no Banco do Brasil para permitir o pagamento em yuans para exportações brasileiras à Argentina.

Outros empresários brasileiros que operam na Argentina foram procurados pelo GLOBO, mas preferiram não opinar, para evitar, disseram, “mais problemas com o governo argentino”.


Fonte: O GLOBO