Nova onda sugere que regime conseguiu miniaturizar suas ogivas nucleares e tornou seus mísseis mais fáceis de lançar e mais difíceis de serem interceptados

Uma foto de uma ogiva nuclear divulgada pela mídia estatal da Coreia do Norte pretende enviar uma mensagem clara: o país obteve vários avanços significativos em seu arsenal nuclear, enquanto o mundo buscava em outro lugar. A Coreia do Norte afirma que a ogiva é menor do que qualquer coisa que já produziu. Se for real, poderia caber em mísseis que poderiam atingir a Coreia do Sul e o Japão.

A ogiva também poderia, segundo a propaganda do regime, ser acoplada em uma variedade de mísseis, como indica um cartaz da foto, o que poderia dar à Coreia do Norte mais opções de produção. Esses novos mísseis balísticos de curto alcance, para os quais a pequena ogiva foi projetada, são marcas registradas do esforço do líder norte-coreano, Kim Jong-un, para modernizar sua frota de mísseis.

Em uma melhoria perigosa, a Coreia do Norte usa agora combustível sólido em vez de líquido para alimentar os mísseis, o que também os torna mais fáceis de transportar, mais rápidos de lançar e mais difíceis de interceptar. O regime também afirma que uma ogiva menor lhe dará novas maneiras de realizar ataques nucleares — em um míssil de cruzeiro ou no que chama de “drone nuclear subaquático”.

Durante décadas, Washington, Seul e seus aliados tentaram negociações e sanções para reverter as ambições nucleares da Coreia do Norte e impedir avanços tecnológicos. Esses esforços falharam. O mundo agora se prepara para o que vem a seguir: um arsenal nuclear maior e mais perigoso, que representa uma ameaça maior para os Estados Unidos e seus aliados no nordeste da Ásia.

Não está claro se as ogivas na foto eram reais ou não. A Coreia do Norte tem um histórico de mostrar maquetes de armas ainda em desenvolvimento para fins de propaganda. Ainda assim, Kim estabeleceu metas ousadas, injetando recursos para o desenvolvimento de armas.

Não há dúvida de que o país conseguiu grandes avanços em seu arsenal, incluindo mísseis balísticos de combustível sólido que também podem fazer manobras no ar. Também está desenvolvendo mísseis de cruzeiro, lançados de submarinos e drones subaquáticos que, segundo o regime, podem ter armas nucleares. Todos esses esforços visam tornar seus ataques mais eficazes.

O lançamento fracassado de um satélite espião militar, na quarta-feira, é a mais recente demonstração da determinação obstinada de Kim de expandir as capacidades militares do Norte.

Ogivas menores que visam adversários regionais

Desde a tentativa fracassada de diplomacia com o então presidente americano Donald Trump, Kim instou seu país a desenvolver "armas nucleares menores, mais leves e táticas", para atingir a Coreia do Sul, o Japão e as bases militares dos EUA na região. As armas de curto alcance não ameaçam os Estados Unidos, mas podem aumentar a influência de Kim contra Washington ao colocar aliados americanos sob ameaça nuclear.

Embora a Coreia do Norte tenha realizado seis testes nucleares subterrâneos, nunca ficou claro se o país desenvolveu com sucesso ogivas menores. A foto divulgada em março foi a primeira indicação concreta de que pode ter conseguido.

Até agora, a Coreia do Norte divulgou fotos de três dispositivos nucleares, e o mais recente — apelidado de Hwasan-31, ou Volcano-31 — é de longe o menor.

Embora sejam fotos de propaganda, a Coreia do Sul reconheceu, em fevereiro, que o Norte havia alcançado “um nível significativo de miniaturização” em suas armas nucleares. A mudança levou apenas alguns anos. Kim suspendeu os testes de mísseis e dispositivos nucleares antes de sua cúpula com Trump, em 2018. Retomou os testes de mísseis em 2019, depois que as negociações não trouxeram os benefícios que ele buscava, especialmente a flexibilização das sanções.

Desde então, a Coreia do Norte vem testando mísseis balísticos de curto alcance que podem servir como sistemas de entrega para essas pequenas ogivas nucleares em um ritmo rápido. A retomada dos testes contou com três novos mísseis balísticos de curto alcance, conhecidos como KN-23, KN-24 e KN-25. Eles podem ser montados com ogivas nucleares e atingir a Coreia do Sul, Japão e bases militares dos EUA na região em questão de minutos. Todas essas características os tornam mais perigosos.

Mísseis de combustível sólido que são mais difíceis de interceptar

A nova série de mísseis balísticos de curto alcance da Coreia do Norte é toda alimentada por combustível sólido. Isso os torna mais fáceis de esconder e transportar e mais rápidos de lançar do que os mísseis mais antigos, que dependem de combustível líquido, altamente corrosivo e instável.

Comparados aos mísseis de combustível líquido, que podem levar horas para serem carregados antes do lançamento, os de combustível sólido podem ser lançados rapidamente por túneis das montanhas, preparados em pouco tempo para o lançamento. Isso e seu menor tempo de queima tornam mais difícil detectar onde os mísseis estão e quando seriam lançados, deixando assim menos tempo para os sistemas de defesa antimísseis reagirem.

Sua manobrabilidade no ar também torna mais difícil derrubá-los do céu. Isso vem forçando os Estados Unidos e seus aliados a gastarem bilhões de dólares para melhorar suas defesas.

— Mísseis de propulsão sólida têm menor tempo de queima do que os líquidos. Isso torna a janela de detecção, onde os sensores infravermelhos podem ver o motor quente do foguete funcionando, menor — disse Markus Schiller, analista de foguetes da empresa de consultoria de tecnologia espacial alemã ST Analytics.

Em dezembro, o regime norte-coreano testou um novo motor de foguete de combustível sólido de alto impulso, indicando que também está trocando seus mísseis de longo alcance por combustível sólido. Em abril deste ano, testou seu primeiro míssil balístico intercontinental (ICBM) de combustível sólido, o Hwasong-18, pela primeira vez. Analistas alertaram que haveria mais testes de Hwasong-18 enquanto o país tenta aperfeiçoar o sistema.

Novas formas de lançar ataques nucleares

Sob o comando de Kim, a Coreia do Norte também tentou fortalecer suas capacidades militares desenvolvendo diferentes métodos de lançamento de ataques nucleares. Desde 2019, o país lança mísseis de locais espalhados pelo país. Ao fazer isso, pode aumentar suas chances de evitar os sistemas de defesa antimísseis do inimigo.

A Coreia do Norte também testou mísseis de cruzeiro que disse serem capazes de lançar ogivas nucleares. Os mísseis de cruzeiro são mais lentos do que os mísseis balísticos, mas podem voar em altitudes extremamente baixas e manobrar entre montanhas, tornando-os mais difíceis de detectar por radar.

No início de abril, o país afirmou ter testado “drones de ataque nuclear subaquáticos” capazes de criar “tsunamis radioativos em superescala” para acabar com as frotas navais e portos marítimos de seus inimigos.

Desde 2021, o país testa mísseis cujas ogivas deslizantes “hipersônicas” dizem que podem fazer saltos no ar e manobras giratórias. Ao diversificar seus métodos de lançamento de ataques, a Coreia do Norte está tornando seu arsenal nuclear uma ameaça maior para os Estados Unidos e seus aliados.

Obstáculos técnicos

Muitas das afirmações da Coreia do Norte sobre suas capacidades de armas, no entanto, são exageradas, de acordo com os militares sul-coreanos. Algumas de suas novas armas, como o Hwasong-18 ICBM, ainda estão em estágio de desenvolvimento.

Até agora, o regime lançou todos os seus ICBMs em ângulos íngremes, de modo que eles voaram extremamente alto no espaço, mas caíram em águas entre o Norte e o Japão. Ainda não provou que seus ICBMs podem realmente cobrir um alcance intercontinental. Outro obstáculo tecnológico é a chamada tecnologia de reentrada. Depois de voar para o espaço, uma ogiva ICBM deve suportar intenso calor e fricção enquanto cai de volta na atmosfera terrestre em direção ao seu alvo.

Nos últimos meses, a Coreia do Norte emitiu uma ameaça velada de lançar mísseis sobre o Pacífico — tornando o oceano seu “campo de tiro” — para demonstrar que domina a tecnologia de reentrada e pode disparar um ICBM em uma trajetória normal.

Os satélites podem ajudar a Coreia do Norte a coletar dados de tais testes de mísseis de longo alcance para melhorar sua tecnologia ICBM. Kim vê a colocação de satélites em órbita como uma de suas principais prioridades, dizem especialistas militares.

O regime lançou um veículo espacial carregando seu primeiro satélite de reconhecimento militar na quarta-feira, mas foi um fracasso. O país disse que tentaria outro lançamento em um futuro próximo depois de identificar e corrigir problemas com o foguete e seu combustível.

— Embora haja uma lacuna entre as reivindicações do Norte e nossa avaliação, não podemos rejeitá-los — disse o ministro da Defesa Lee Jong-sup, da Coreia do Sul, em abril, referindo-se à alegação do Norte de ter padronizado uma ogiva nuclear pequena e leve para seus vários mísseis.

Se a Coreia do Norte realizar outro teste nuclear, o sétimo, pode ser para mostrar que sua nova e menor ogiva nuclear Hwasan-31 funciona.

— Não será fácil dizer que o Norte desenvolveu uma ogiva nuclear pequena e leve até que a teste com sucesso — disse Lee ao legislativo sul-coreano.


Fonte: O GLOBO