Ao todo, 30 aparelhos foram apreendidos no interior das penitenciárias. Homens já presos por crimes como homicídio, tráfico e roubo receberam novos mandados de prisão

Em mais uma etapa da chamada Operação Cantina, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul cumpriu mandados de busca e apreensão e de prisões preventivas em três presídios gaúchos, sendo um deles de alta segurança, e apreendeu mais de 30 celulares com detentos suspeitos de aplicarem o chamado "golpe dos nudes" de dentro das celas, visando abastecer a principal facção de tráfico de drogas da região. 

A ação aconteceu nesta quinta-feira. Quando foram informados que policiais civis estavam fazendo buscas nos complexos penitenciários, os presos tentaram arremessar os aparelhos pelas janelas, mas acabaram impedidos por agentes.

Os investigadores fizeram buscas no interior de celas da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas, da Penitenciária Estadual de Porto Alegre e da Penitenciária Estadual de Sapucaia do Sul. Nos três locais, os principais membros da quadrilha do "golpe dos nudes" já estavam presos, cumprindo pena por outros crimes. De acordo com os policiais, apenas em duas celas do presídio de Porto Alegre, foram encontrados 25 aparelhos celulares – quase todos os apreendidos. Não foram achados celulares na prisão de Alta Segurança.

Celulares abertos com imagens dos golpes

Nos celulares de dois dos principais alvos da operação, conta o delegado Rafael Liedtke, as telas ainda estavam abertas com fotos e vídeos relacionados aos "golpes dos nudes", que fez mais de 80 vítimas em 12 estados do país. Ao todo, a 2ª Delegacia de Repressão ao Narcotráfico apreendeu 30 celulares: 25 em Porto Alegre e outros cinco – também achados na cela de um mesmo traficante – em Sapucaia do Sul.

Entre os alvos da operação estavam: um traficante de 27 anos com antecedentes por homicídio qualificado, roubo majorado, associação criminosa armada, receptação de carro roubado e corrupção de menores; um detento de 22 anos com antecedentes também por homicídio, tráfico de drogas, porte ilegal de arma de fogo, roubo majorado, entre outros; um dos líderes da facção, de 40 anos, com antecedentes pela prática de homicídio qualificado, lavagem de dinheiro, tráfico, associação criminosa armada, entre outros; e um outro traficante, de 25 anos, com antecedentes criminais por tráfico de drogas, receptação e porte ilegal de arma de fogo.

O golpe

Os criminosos mapeavam homens potencialmente com poder aquisitivo e, então, se passavam por mulheres muito jovens para atraí-los nas redes sociais. Quando conseguiam, através das conversas de cunho sexual, extrair fotos do alvo nu ou semi-nu, era tarde demais: ele já estava envolvido no golpe.

Tudo começa com a intervenção de um falso pai ou parente da menina anunciando que ela era uma criança e que levaria o caso à polícia, mas que repensaria caso recebesse uma quantia em dinheiro. Depois, ele pede mais dinheiro para tratar o "trauma" da garota numa clínica psiquiátrica. Em seguida, falsos policiais dão prosseguimento à extorsão oferecendo "acordos de conciliação" entre as partes para que aquilo "morra ali".

Falsificação de documento até da OAB

A partir disso, os líderes da quadrilha começavam a realizar uma série de extorsões, passando-se por policiais, promotores ou membros da OAB. Além de documentos, construíram cenários que fingiam ser de uma delegacia. "O esquema era perfeitamente delineado, com vasto material que auxiliava na ilusão das vítimas", comentou o delegado Rafael Liedtke, da 2ª Delegacia de Repressão ao Narcotráfico, que está à frente do caso.

Morte fake

Em alguns casos, como mostram conversas interceptadas pelos investigadores e obtidas pelo GLOBO, os criminosos, de forma inescrupulosa, chegavam a simular que a menina, suposta menor de idade que sequer existia, havia se matado por conta do trauma de ter se relacionado sexualmente por mensagens com a vítima. Eles, então, exigiam pagamento pelas custas do sepultamento.

"Vou ganhar mais uma moeda com a morte amanhã", disse um membro da quadrilha a outro, vangloriando-se de ter enganado uma das vítimas.

Mulheres recebiam ou eram ameaçadas para que cedessem 'pacote' de fotos

Mas quem são essas mulheres que aparecem nas fotos? O inquérito aponta que para a produção do material, os investigados também aliciavam adolescentes, que mandavam fotografias, áudios e vídeos sob remuneração de R$ 100 a R$ 200 e, algumas delas, até mesmo sob ameaças.

Vítima trabalhava vendendo cacho de bananas e pediu empréstimo ao patrão

Só em uma das extorsões, os criminosos movimentaram R$ 50 mil, como mostra uma das capturas de tela. Há, também, extorsões menores, no entanto. Uma delas, chama atenção, é contra um homem que aparenta ser humilde. Ele diz ser vendedor de bananas e promete o pagamento aos criminosos. A reportagem teve acesso ao diálogo interceptado pela polícia.

Vítima: Ó, o meu pagamento vai sair hoje ainda. Eu trabalho fazendo cacho de banana. Ganho R$ 1.300 por mês e meu patrão está adiantando R$ 500 para mim, para depois que acabar esse negócio eu poder pagar a ele. O que eu combinei com o senhor está combinado. Se eu não pagar hoje, se não der tempo, eu pago na segunda-feira. Obrigado, fica com Deus.

Laranjas

A segunda etapa do esquema, discorre o inquérito, consistia justamente na obtenção da vantagem econômica, realizando a receptação do produto dessas extorsões por pessoas também aliciadas pela organização, ou seja, laranjas que emprestavam contas e CPFs para depósitos bancários. Esses laranjas eram remunerados pelo crime e, posteriormente, recebiam a ordem para que o dinheiro extorquido das vítimas fosse lavado e distribuído entre os traficantes envolvidos no esquema – e de forma coordenada, já que cada um recebia uma quantia proporcional à atuação no crime.

Luxo e poder bélico: 80 vítimas em 12 estados

O êxito em vários golpes, aplicados contra homens de várias partes do Brasil, fez com que os líderes da quadrilha, que recebiam as maiores quantias, passassem a ostentar uma vida de luxo, ainda segundo os investigadores. Adquiriram veículos importados, comprados à vista, realizaram viagens caras e compraram diversos terrenos e imóveis. Os que já estavam presos, acabavam utilizando esses valores para obterem regalias nas cantinas dos presídios.

Em acesso aos dados telemáticos do bando, a polícia teve acesso a fotos em que os criminosos ostentavam armas, carros – como uma Mercedes de luxo numa concessionária embrulhada num laço para presente –, e até uma munição de bazuca, arma de guerra altamente destrutiva.

Valor extorquido é 'difícil de mensurar
'

A investigação da Polícia Civil do RS durou 11 meses até a Operação Cantineiro, realizada nesta segunda-feira. Apenas no período investigado, os policiais afirmam que os traficantes fizeram pelo menos 80 vítimas em 12 estados e movimentaram cerca de R$ 450 mil. Até o fim da manhã, 25 contas bancárias haviam sido bloqueadas e R$ 20 mil em espécie apreendidos com suspeitos. 

Além disso, armas e munição também foram encontradas nos endereços visitados pelos agentes. Quatro carros de luxo também foram para os pátios da delegacia. O valor total extorquido, admitiu o delegado à reportagem, ainda é "difícil de mensurar", tamanha a quantidade de vítimas.

Segundo os investigadores, o líder da quadrilha e principal alvo da operação já estava preso. É um homem de 22 anos, já com passagens na polícia por porte ilegal de arma de uso restrito (duas vezes), roubo majorado, associação criminosa armada, dano qualificado, furto qualificado e ameaça, e que agora foi indiciado também por participação nos golpes.


Fonte: O GLOBO