Presidente, que nos últimos 20 anos também atuou como primeiro-ministro, entrará na lista dos líderes há mais tempo no poder

Recep Tayyip Erdogan conquistou neste domingo mais um mandato de cinco ano como presidente da Turquia, superando no segundo turno o candidato da oposição Kemal Kiliçdaroglu, que reconheceu a derrota por volta das 16h da tarde (horário de Brasília). Assim, ele que está no poder desde 2003 — incluindo o período que ele também atuou como primeiro-ministro — terá direito a ficar no poder ao menos até 2028.

— Chegou a hora de deixar de lado as disputas da campanha eleitoral e alcançar a unidade e a solidariedade em torno de nossos sonhos como nação — disse o presidente de 69 anos a seus partidários reunidos em frente ao Palácio presidencial em Ancara, após confirmar sua vitória. — Não somos apenas nós que ganhamos, é a Turquia.

O presidente afirmou que quer colocar as "cidades devastadas" da Turquia de pé após os terremotos que mataram mais de 50 mil pessoas em fevereiro. Ele também prometeu reduzir os preços exorbitantes e compensar a perda de riqueza causada pela inflação.

Os partidários de Erdogan projetaram duas imagens gigantes em Istambul: uma do presidente e outra de Mustafa Kemal Atatürk, o fundador da República Turca. Comícios espontâneos para comemorar a vitória também aconteceram em outras cidades, principalmente na região da Anatólia, no centro do país.

Por volta das 16h50 (horário de Brasília), o Conselho Eleitoral Supremo da Turquia anunciou a vitória de Erdogan, citando resultados preliminares. Erdogan liderou seu adversário, o líder da oposição Kemal Kilicdaroglu, por 2,2 milhões de votos, disse o presidente do Conselho, Ahmet Yener, em um discurso televisionado. Mais de 99% das urnas foram contadas, disse ele, e as restantes não mudariam o vencedor.

Com este resultado, Erdogan entrará no grupo dos presidentes há mais tempo no poder, com mais de 20 anos chefiando seus países. A lista é formada, em geral, por autocratas e ditadores.

Após os resultados preliminares, partidários do presidente tomaram as ruas para comemorar. Antes dos resultados oficiais, Erdogan já havia declarado ter vencido o segundo turno da eleição, dirigindo-se a apoiadores de cima de um ônibus branco do lado de fora de sua casa em Istambul.

— Estaremos juntos até o túmulo— disse Erdogan.

Por sua vez, em um discurso televisionado da sede de seu partido em Ancara, Kiliçdaroglu não contestou os resultados preliminares que o mostraram atrás por mais de dois milhões de votos. Kiliçdaroglu, que conseguiu unir uma oposição altamente fragmentada, prometeu manter a luta pela democracia.

— Passamos por um dos processos eleitorais mais injustos dos últimos anos — disse.

Meral Aksener, chefe do segundo maior partido da coalizão de oposição, também concedeu a corrida ao presidente Erdogan em um discurso televisionado, afirmando que "os eleitores disseram o que tinham a dizer".

De acordo com a agência estatal de notícias Anadolu, com 97,41% das urnas abertas Erdogan já havia conquistado 52,18% dos votos, contra 47,82% de Kiliçdaroglu. Esta é a primeira vez que a eleição na Turquia se definiu no segundo turno. No primeiro turno, em 14 de maio, Erdogan teve 49,5% dos votos, contra 44,88% do rival.

Horas antes, ao deixar sua seção eleitoral, o presidente distribuiu dinheiro e cumprimentou apoiadores:.

— Nenhum país do mundo tem uma taxa de participação de 90% e a Turquia quase a atingiu. Peço aos meus concidadãos que votem sem hesitar — disse o líder de 69 anos, que começa com clara vantagem neste segundo turno inédito.

Segundo o New York Times, o presidente já deixou Istambul e foi para Ancara para fazer seu tradicional discurso de vitória no Palácio presidencial pela primeira vez. Nos últimos anos, ele fez seu discurso de vitória na sede de seu partido.

Antes do primeiro turno, Kiliçdaroglu se apresentou como o oposto de Erdogan, um homem comum de fala mansa com uma melhor compreensão das preocupações das pessoas comuns. Contudo, depois de ficar em segundo lugar na votação inicial, adotou uma linha mais dura para obter votos de nacionalistas de extrema direita, prometendo deportar milhões de refugiados no próximo ano.

O resultado da eleição presidencial turca foi observado de perto pelos aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), incluindo os Estados Unidos, cujas relações com Erdogan foram tensas porque ele dificulta os esforços de expansão da aliança, paralisando a adesão da Finlândia e recusando-se a endossar a inclusão da Suécia.

Além disso, embora tenha condenado a invasão da Ucrânia pela Rússia, ele aumentou o comércio com Moscou e manteve laços estreitos com o presidente Vladimir Putin, um dos primeiros a parabenizá-lo após contestar a vitória sobre seu adversário.

Carreira política

O resultado — melhor do que o previsto para o presidente — indica que a crise econômica, que alimentou as esperanças da oposição de derrubá-lo, é uma pauta em segundo plano para a maioria dos turcos. Principalmente sua base eleitoral coloca os interesses nacionais em primeiro lugar, em uma pauta identitária que muitas vezes coincide e se funde com a do Islamismo, que esteve na origem da carreira política do líder conservador.

Sua carreira política se iniciou como prefeito de Istambul, em 1994. Em 2003, tornou-se primeiro-ministro da Turquia, cargo que ocupou até 2014, quando se elegeu presidente, o que só foi possível depois de ter saído vitorioso de um referendo em 2010 que permitia que o governo indicasse quem seriam os juízes da Suprema Corte, diminuía o poder dos militares e fazia com que presidentes fossem eleitos por voto direto e não pelo Parlamento.

Até 2010, Erdogan procurou manter um equilíbrio entre a identidade liberal moderna turca e a conservadora religiosa — da qual ele mesmo era adepto. A partir daí, mudou sua política, adotando um nacionalismo baseado em valores muçulmanos sunitas, indicando religiosos para cargos no governo e implementando mais educação religiosa nas escolas. Depois de uma década no poder, Erdogan reviu a regra que impedia que mulheres usassem véu no serviço público.

Após uma tentativa de golpe de Estado por setores do Exército, em 2016, que Erdogan pôs na conta do clérigo, ex-aliado e agora rival Fethullah Gulen, que hoje mora nos Estados Unidos, a perseguição aos críticos aumentou. Dezenas de milhares foram presos, e 130 mil demitidos de empregos governamentais. Atualmente, a mídia do país é majoritariamente controlada pelo Estado.

Sua liderança, após 20 anos, levou a Turquia a passar de um Estado liberal, com crescimento econômico e laços com o Ocidente, a um país crescentemente autoritário, conservador, mergulhado em inflação e cada vez mais próximo da Rússia. (Com New York Times.)


Fonte: O GLOBO