Leandro de Castro Gomes recorreu em 2009 da condenação de um homem flagrado com três gramas de maconha dentro da penitenciária de Diadema, em SP

Responsável por suscitar o debate sobre porte de drogas no Supremo Tribunal Federal (STF), o defensor público Leandro de Castro Gomes afirmou que sua intenção ao recorrer à Corte máxima do país foi questionar a criminalização de usuários. Em entrevista ao GLOBO, ele disse que uma eventual vitória no julgamento não significará um “libera geral”.

— O que o recurso pretende, e os votos dos ministros caminham nesse sentido, é que a ação estatal não se dê pela forma mais gravosa, que é a questão criminal. Isso não significa um liberou geral ou uma legalização. De maneira alguma. Mas uma declaração de que a intervenção criminal estigmatiza o usuário e é inconstitucional —afirmou ele.

O recurso, apresentado há mais de 12 anos, pedia a absolvição de um mecânico flagrado com três gramas de maconha. Gomes lembra que o caso foi um dos primeiros que ele assumiu ao chegar à comarca de Diadema, na Região Metropolitana de São Paulo, em 2009. Na época, o mecânico tinha 50 anos e estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) de Diadema. Hoje, ele tem 64 e está em liberdade.

O defensor público ressalta que, ao longo desse tempo, pouca coisa mudou na política de “guerra às drogas”, que, na sua visão, só produz o “encarceramento em massa” de jovens pobres da periferia e não reduz a proliferação de substâncias ilícitas na sociedade.

— O que tem prevalecido é o encarceramento de pessoas jovens, periféricas e primárias. Essa é uma marca bem característica da guerra às drogas. Esse encarceramento em massa tem uma eficácia bem duvidosa no sentido de reduzir o consumo de drogas e na tutela da saúde — afirmou o defensor.

Maconha em marmita

Dono de uma extensa ficha criminal, que envolve furto, roubo à mão armada e uso de documento falso desde os anos 1990, o mecânico foi condenado a dois meses de serviço comunitário por causa das três gramas de maconha encontrada em um pote de marmita.

À Justiça, ele alegou que assumiu a posse da droga porque era a vez dele de “confessar” o ilícito numa espécie de “rodízio” que os 33 presos da cela costumavam fazer.

Na sentença, a juíza Patrícia Toledo justificou que era preciso observar o artigo 28 da Lei de Drogas — justamente o trecho que está sendo analisado agora pelo Supremo — e aplicar uma “sanção amena, por menor que seja a quantidade de tóxico, evitando-se com isso o crescimento da atividade do agente, podendo tornar-se traficante ou viciado”.

O defensor, por sua vez, pediu a absolvição do preso, lembrando que já havia decisões na época que consideravam o tal artigo inconstitucional por ofensa à intimidade e à vida privada. A lei considera crime “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização”.

Três ministros do Supremo — Gilmar Mendes, o relator do caso, Edson Fachin e Luis Roberto Barroso — já votaram pela inconstitucionalidade dessa legislação, acatando a argumentação de Gomes. O julgamento foi paralisado em agosto de 2015, por um pedido de vista (mais tempo para análise) do então ministro Teori Zavascki. 

Após a morte de Zavascki, em 2017, o caso foi repassado para Alexandre de Moraes, seu sucessor. Moraes liberou o processo para julgamento em novembro de 2018. Desde então, entrou e saiu da pauta algumas vezes. Quando a análise for retomada, Moraes será o primeiro a votar.

Apesar de saber que o assunto é polêmico, Leandro de Castro Gomes declarou esperar que o caso chegue finalmente a um desfecho nesta semana.

— Isso traria uma segurança jurídica maior (aos processos envolvendo porte ou tráfico de drogas), e é um movimento importante já adotado por diversos outros países — afirmou.

Nos bastidores do Supremo, há uma expectativa de que algum ministro com viés mais conservador, como André Mendonça e Kassio Nunes Marques — ambos indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro — , possa fazer novo pedido de vista do caso, o que adiaria o julgamento final.

— A expectativa é que o julgamento se encerre. Sei que o tema é altamente controverso e acaba despertando muitas paixões, mas espero que consigamos finalizar o processo. Certamente teremos um debate qualificado, com argumentos técnicos e racionais, seja qual for a posição — concluiu o defensor público.


Fonte: O GLOBO