Estimativa é feita com base em parâmetros legais por ex-diretor de departamento especializado no assunto e professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa de Brasília

Por se tratar de uma iniciativa inédita, o Ministério da Justiça estuda junto a especialistas como formular a notificação com previsão de multa ao Twitter, que se recusa a colaborar no combate ao extremismo em sua rede social. 

Ex-diretor do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor, o professor e advogado Ricardo Morishita avalia que, com base no Código de Defesa do Consumidor, a sanção do governo federal contra o Twitter poderia atingir o valor máximo previsto em lei atualmente que está em cerca de R$ 10 milhões.

— O código tem uma dosimetria para a aplicação da multa, e três fatores são considerados: a gravidade da infração, a vantagem auferida e a condição econômica da empresa. Como a gente está falando de um regime em que a investigação pode apontar casos em que há ofensa à saúde e à segurança do consumidor, a gente está falando de valores que podem alcançar o teto do código. 

Esse é o critério estabelecido no artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor — explica Morishita, que é professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa em Brasília.

De acordo com a assessora especial do ministro da Justiça, Flávio Dino, Estela Aranha, o Twitter não só não faz a moderação de postagens de conteúdo violento, deixando de intervir quando constata ou mesmo quando alertado sobre postagens impróprias, como também impulsiona publicações radicalizadas que, assim, chegam a outros usuários da plataforma:

— Tenho dezenas dessas postagens. As outras plataformas estão colaborando. Com exceção do Twitter.

A notificação deve ser entregue ao Twitter entre hoje e amanhã. As outras redes sociais que, na segunda-feira participaram de reunião com o ministro, não devem ser notificadas apenas para manterem a postura colaborativa que demonstraram durante o encontro. 

Também está sendo preparada uma portaria que vai nortear a forma como as empresas que atuam na internet no Brasil devem se comportar com relação a postagens criminosas e também estabelecer os protocolos para banir eventuais posts considerados suspeitos a pedido da polícia ou de autoridades públicas. 

Futura secretária de Direito Digital, pasta que está em processo de criação, Estela Aranha diz que, atualmente, ao contrário do passado, há farta manifestação de juristas e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), entre eles Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, que respaldariam uma ação judicial do governo contra o Twitter. O Ministério Público Federal também estuda uma ação contra a rede social, segundo Estela, com base no ECA.

Recentemente, o governo da Alemanha multou o Twitter, comprado por Elon Musk no ano passado por US$ 44 milhões. A rede social está sendo obrigada a pagar uma quantia milionária, segundo a revista Forbes, por ter se recusado a retirar do ar conteúdos ilegais publicados na rede — são discursos de ódio, ameaças, difamação e antissemitismo, que correram soltos na plataforma. A empresa foi notificada e, caso a resposta não seja considerada satisfatória, a punição pode chegar a € 50 milhões — ou R$ 274 milhões — por infração.

A Lei Aplicável às Redes do país, ou NetzDG, prevê que empresas de mídia social com mais de 2 milhões de usuários registrados em território alemão devem responder às denúncias de usuários sobre conteúdos proibidos e tomar medidas para que sejam removidos. Um prazo de 24 horas deve ser cumprido para exclusão em caso de conteúdo “claramente ilegal”, e de até uma semana se a postagem ainda levantar dúvidas sobre seu teor.

— A internet não é um vácuo legal. As plataformas não devem simplesmente aceitar quando seus serviços são mal utilizados para disseminar conteúdo criminoso — disse o ministro da Justiça da Alemanha, Marco Buschmann, à Forbes.

O Ministério Público Federal pediu ontem ao Twitter que explique que medidas estão sendo tomadas para moderar conteúdos que incitem a violência e promovam ataques a escolas. O pedido foi incluído no inquérito aberto em 2021 sobre a postura das redes sociais no enfrentamento a fake news e violência digital.

Integrante do Monitor Digital da USP, que investiga grupos extremistas na internet, Michele Prado afirmou que a maioria dos atentados no Brasil desde 2022 foi anunciada pelos autores, que antes se restringiam à deep web, numa subcultura conhecida como True Crime Comunity do Twitter. Desde 2002, o Brasil registrou 23 ataques em escolas, de acordo com levantamento de pesquisadores da Unicamp.

Prado considera que é urgente que o país entre em dois fóruns internacionais contra extremismo e terrorismo on-line, o GIFCT e o Christchurch Call.

— O compartilhamento de vídeos de atentados terroristas no Twitter brasileiro fere os protocolos de segurança do GIFCT, do qual a própria plataforma faz parte. Uma coisa é um governo pressionando.

Outra bem diferente são 120 governos e a academia de diversos países pressionando o Twitter a seguir os protocolos de segurança — observa Michele, que termina um novo relatório do Monitor Digital da USP em que serão descritos quais grupos extremistas estão ativos, como é a dinâmica de planejamento e a cooptação de integrantes, inclusive jovens, e como o governo federal pode acompanhar a movimentação dos criminosos que mudam de perfis quando descobertos.

A Associação de Conselheiros e Ex-Conselheiros da Infância protocolará uma representação junto ao Ministério Público Federal para que as principais plataformas — Meta, Youtube, TikTok e Twitter — sejam notificadas sobre a disseminação de conteúdo com discurso de ódio e de informações falsas sobre ataques a escolas.

Na ação, o advogado Carlos Nicodemos, integrante do Conselho Nacional dos Direitos Humanos, pede medidas administrativas e judiciais para proteger crianças e adolescentes do ciberterrorismo. Ele se baseia no ECA, na Convenção sobre os Direitos das Crianças da ONU e na Constituição para que sejam detectados, removidos e investigados os conteúdos extremistas e de informações falsas.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Twitter responde com uma mensagem automática com um emoji de cocô.


Fonte: O GLOBO