Justiça considerou que Niranaram Chetanram Chaudhary tinha 20 anos para puní-lo por assassinato; ele tinha, no entanto, 12 anos

Era 1998 quando a Justiça indiana decidiu condenar o então adolescente Niranaram Chetanram Chaudhary à pena de morte pelo assassinato de cinco mulheres e duas crianças na cidade de Pune. 

Na época, as autoridades consideraram que ele tinha 20 anos, quando, na verdade, ele ainda era menor de idade. Por conta da “confusão”, Niranaram ficou preso por mais tempo que o permitido pela legislação local para um menor. Foram, ao todo, 28 anos, seis meses e 23 dias sob custódia. Há pouco mais de um semana, ele foi, finalmente, libertado do corredor da morte.

A decisão de libertar Niranaram veio em março, quando a Suprema Corte concluiu que ele era menor de idade na época dos assassinatos. Hoje, aos 41 anos, ele voltou a viver no vilarejo de Jalabsar, no Rajastão. Em entrevista à rede BBC, contou que passou os 10.431 dias em que esteve detido andando de um lado para o outro em uma cela com pouco mais de 10 metros quadrados, lendo livros, fazendo exames e tentando, de algum modo, provar que foi considerado culpado e condenado antes dos 18 anos.

O indiano ficou preso na cidade de Nagpur, no oeste da Índia. A decisão de libertá-lo veio após os juízes comprovarem — depois de três tribunais, diversas audiências, mudanças de leis, apelações, pedido de clemência, exames para determinar a idade e uma busca por documentos com sua data de nascimento —, que ele tinha 12 anos e 6 meses quando foi preso. 

A informação mudaria tudo, na época, já que as leis permitem que um menor tenha pena máxima de três anos para qualquer crime, sem possibilidade de aplicação da pena de morte.

A atuação do programa 39A de Justiça Criminal da Universidade Nacional de Direito de Déli foi determinante para a conclusão do processo e garantia de liberdade ao homem. Há nove anos, os integrantes do projeto decidiram entrar no caso. Até 2018, as questões relacionadas à data de nascimento não haviam sido abordadas pelos tribunais, promotores e até advogados de defesa. Uma das razões é o fato de que ele não tinha certidão de nascimento — realidade comum a muitos indianos.

Salvo pelo registro escolar

Niranaram foi salvo por uma anotação feita em um registro escolar em sua terra natal. Ali, constava sua verdadeira data de nascimento: 1º de fevereiro de 1982. Além disso, também foi apresentado um certificado de transferência com datas de entrada e saída da escola. Não se sabe, até agora, o momento exato em que a polícia registrou erroneamente a data em que o indiano nasceu.

Filho de um agricultor com uma dona de casa, Niranaram se pergunta, hoje, porque isso o aconteceu.

— Por que isso aconteceu comigo? Perdi os melhores anos da minha vida por causa de um simples erro. Quem vai compensar isso? — questionou à BBC.

O Estado, até então, não fez reparações pelo erro. Em 1998, quando Niranaram e um outro acusado foram presos, o tribunal disse ser “um caso raro”.

O crime

Sete integrantes de uma família foram mortos a facadas em uma tentativa de assalto na casa deles, em Pune, no dia 26 de agosto de 1994. Segundo a família das vítimas, um dos três acusados ​​trabalhava na loja de doces que eles tinham na cidade e havia pedido demissão uma semana antes dos assassinatos.

Ele se tornou um delator, auxiliou a promotoria, e, posteriormente, foi solto. A família, no entanto, não conhecia os outros dois acusados, incluindo Niranaram que, na época, tinha fugido de casa e foi para Pune, onde disse ter trabalhado em uma alfaiataria.

— Não me lembro do crime. Não tenho ideia de por que fui preso pela polícia. Lembro que fui espancado depois de ser preso. Quando perguntei por quê, a polícia disse algo na língua marata, que eu não entendia na época — diz Niranaram, que não nega e nem assume envolvimento com os assassinatos. 

— Não estou negando, nem admitindo o crime. Se minha memória clarear, poderei dizer mais. Não tenho lembrança, não tenho flashbacks.

À BBC, ele disse que pretende estudar direito e atuar em trabalhos sociais que ajudem outros presos que enfrentam questões parecidas com as suas. Por enquanto, Niranaram tornou-se uma verdadeira “atração” no vilarejo e vive num quarto na casa de um dos irmãos.

— Estou oscilando entre o passado e o futuro. Estou feliz por estar livre. Fico tenso com o que está por vir. É uma estranha mistura de emoções.


Fonte: O GLOBO