Combates de três semanas na cidade de Vuhledar, no Sul da Ucrânia, causou doloroso revés aos russos

Antes de se dirigir para a batalha em sua máquina de guerra salpicada de lama, um tanque T-64, uma tripulação ucraniana com três homens realiza um ritual. O comandante, Pvt. Dmytro Hrebenok, faz uma oração e então, os homens andaram ao redor do tanque, acariciando sua robusta armadura verde.

— Nós dizemos: 'Por favor, não nos decepcione na batalha' — disse o sargento Artyom Knignitsky, o mecânico. — Leve-nos para lá e nos traga de volta.

O respeito pelo tanque é compreensível. Talvez nenhuma arma simbolize mais a violência feroz da guerra do que um tanque. E eles têm pairado sobre o conflito na Ucrânia nos últimos meses – militar e diplomaticamente – enquanto ambos os lados se preparam para novas ofensivas. A Rússia retirou da reserva blindados da época da Guerra Fria, enquanto a Ucrânia pressionou os governos ocidentais a fornecer tanques americanos Abrams e alemães Leopard II.

Os sofisticados tanques ocidentais são esperados no campo de batalha nos próximos meses. Já os novos blindados russos chegaram mais cedo – e em sua primeira utilização em larga escala foram dizimados.

Uma batalha de três semanas em uma planície perto da cidade mineradora de Vuhledar, no Sul da Ucrânia, levou ao que autoridades ucranianas dizem ser a maior batalha de tanques da guerra até agora. E se transformou em um duro revés para os russos.

Ambos os lados enviaram blindados para o front, avançando por estradas de terra e manobrando em torno de árvores. De um lado os russos avançavam em fileiras; do outro, ucranianos manobravam defensivamente, atirando à distância ou de esconderijos enquanto os russos avançavam.

Quando a longa batalha finalmente acabou, a Rússia não apenas fracassou em capturar Vuhledar, como cometeu o mesmo erro que custou a Moscou centenas de tanques no início da guerra: avançar suas fileiras em direção a emboscadas.

Explodidos por minas, atingidos por artilharia ou por mísseis antitanque, os cascos carbonizados dos veículos blindados russos agora se espalham pelos campos agrícolas ao redor da cidade, de acordo com imagens de drones militares ucranianos.

Segundo eles, a Rússia perdeu pelo menos 130 tanques e veículos blindados na batalha. A Ucrânia não revela quantos veículos perdeu.

— Estudamos as estradas que eles usamm, depois nos escondemos e esperamos para atirar em emboscadas — disse o sargento Knignitsky.

A falta de experiência também atrapalhou os russos. Muitas de suas unidades de elite foram deixadas em frangalhos em combates anteriores e, em seu lugar, o Exército convocou soldados recém-recrutados, não treinados nas táticas ucranianas de emboscada.

Soldados ucranianos disseram ter capturado um médico que havia sido designado para operar um tanque, um sinal de que a Rússia está ficando sem comandantes de tanques experientes.

O Exército russo se concentrou e até mitificou a guerra de tanques por décadas, uma alusão às vitórias russas sobre os nazistas na Segunda Guerra Mundial. As fábricas nos Montes Urais produziram tanques aos milhares.

Mas em Vuhledar, na semana passada, Moscou perdeu tantos blindados que mudou de tática e recorreu apenas a ataques de infantaria, de acordo com comandantes ucranianos.

As emboscadas têm sido a tática característica da Ucrânia contra as fileiras de blindados russos desde os primeiros dias da guerra. Trabalhando em um bunker na cidade, o tenente Bayak avistou a primeira coluna de cerca de 15 tanques e veículos blindados se aproximando através de um vídeo de um drone.

— Estávamos prontos. Sabíamos que algo assim iria acontecer.

Eles haviam preparado uma zona de matança ao longo de uma estrada de terra. Equipes antitanque escondidas em árvores e armadas com Javelins americanos guiados por infravermelho e mísseis Stugna-P guiados a laser ucranianos, ativaram. Um pouco mais longe dali, as baterias de artilharia estavam prontas. A estrada de terra foi deixada livre de minas, enquanto os campos ao redor foram armados com elas, de modo a atrair os russos a avançar enquanto evitavam que os tanques voltassem.

— O comandante precisava apenas dar uma ordem pelo rádio: 'Para a batalha!' — disse o tenente Bayak.

A profundidade da derrota russa foi enfatizada por blogueiros militares russos, que surgiram como uma influente voz pró-guerra no país. Frequentemente críticos dos militares, eles publicaram discursos raivosos sobre os fracassos em repetidos ataques com tanques, culpando os generais por táticas equivocadas com uma célebre arma russa.

Gray Zone, um canal do Telegram afiliado ao grupo mercenário Wagner, escreveu na segunda-feira que “parentes dos mortos estão quase inclinados a assassinar e vingar-se de sangue contra o general” responsável pelos ataques perto de Vuhledar.

A fileira de tanques russos se torna mais vulnerável, explica o tenente Bayak, depois que o tiroteio começa e os motoristas entram em pânico e tentam dar meia-volta, dirigindo para o acostamento da estrada carregada de minas. 

Os veículos explodidos agem como impedimentos, retardando ou paralisando a coluna. Nesse ponto, a artilharia ucraniana abre fogo, explodindo mais tanques e matando soldados que saem dos blindados.

A tripulação do tanque ucraniano que rezava antes de cada batalha apelidou seu tanque de The Wanderer (O Andarilho), por seus movimentos errantes pelo campo de batalha. O soldado Hrebenok, de apenas 20 anos, não tinha treinamento formal em combate de tanques quando a guerra começou. Mas nos primeiros dias frenéticos da guerra, foi designado para um tanque, e tem lutado neles esde então, aprendendo truques ao longo do caminho.

A falta de treinamento ainda é um problema. A Ucrânia também está perdendo soldados qualificados e os substituindo por recrutas inexperientes. E muitos tripulantes de tanques ucranianos estão sendo treinados em tanques ocidentais em países como Alemanha e Reino Unido.

— Todo o meu conhecimento eu ganhei no terreno — disse ele.

No último grande confronto, há uma semana, a ordem de preparar uma emboscada contra uma coluna de 16 tanques e veículos blindados russos que avançavam em direção às linhas ucranianas chegou durante a madrugada cinzenta. A tripulação fez a oração, deu um tapinha no tanque e seguiu em frente.

— Nós escondemos o tanque em uma linha de árvores e esperamos por eles — disse o soldado Hrebenok. — É sempre assustador, mas precisamos destruí-los.

A coluna russa parou nas minas e O Andarilho abriu fogo. As tripulações dos tanques russos tiveram poucas chances.

— Destruímos muitos tanques russos. O que eles fizeram de errado foi vir para a Ucrânia.


Fonte: O GLOBO