Latinas de diferentes países falam sobre a importância da luta das mulheres e os principais desafios para elas na região

Faz 48 anos que a ONU declarou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, e a luta por igualdade segue forte em toda a América Latina. A data foi escolhida como memória às 129 trabalhadoras que morreram num incêndio em uma fábrica em Nova York (EUA) em 1908. 

Para debater a importância desta celebração, o Grupo de Diários América (GDA) selecionou um conjunto de mulheres destacadas em vários países, e pediu que elas falassem sobre a importância de suas lutas e desafios para a região. Com histórias inspiradoras, mostram que a luta por direitos e igualdade de condições começa a gerar resultados, apesar dos enormes desafios.

A América Latina e o Caribe, ao mesmo tempo em que veem um aumento da participação feminina nos Parlamentos e governos locais — embora abaixo da paridade — têm a triste estatística de, em média, presenciar 12 assassinatos de mulheres diariamente, por razão de gênero, segundo dados do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe da Cepal.

Além disso, situações como a pandemia de Covid-19 geraram, segundo as especialistas, dificuldades extras e casos de retrocesso. Isso impacta tanto mulheres mais vulneráveis como as integrantes de carreiras científicas, por exemplo. 

De maneira geral, ela s se sobrecarregaram e, segundo pesquisa da McKinsey & Company, 54 milhões de mulheres perderam o emprego em 2020 por causa da emergência sanitária, quando assumiram ainda mais funções em casa, ampliando o abismo de renda e oportunidades em relação aos homens.

Entretanto, a pandemia também gerou exemplos de criação de redes de suporte de mulheres, que, mais conscientes e engajadas, veem o tema da equiparação salarial e do fim da violência de gênero ganhar espaço na sociedade, nos jornais e nos debates. A seguir, algumas das mulheres que inspiram e fazem de suas lutas um legado.

María Elena Ríos Ortiz, música

Em 2019, quando tinha apenas 26 anos, María Elena Ríos Ortiz sobreviveu a uma tentativa de feminicídio com um método doloroso e cruel, mas infelizmente comum na região de Oaxaca, no México: um ataque com ácido. Essa violência foi ordenada, supostamente, por um poderoso político e empresário local. Desde então, ela usou a própria luta para encabeçar o ativismo contra a “violência ácida” em seu país.

Música, ela toca seu saxofone em atos públicos para denunciar a violência e a discriminação, contando sua própria história para engajar mulheres na luta. Por sua ação, o país decidiu aumentar a pena de quem usa ácidos para atacar mulheres em Oaxaca, seu estado natal, na Baixa Califórnia Sul e na Cidade do México, através da “Lei Malena”, que leva seu apelido.

Sua forma de lutar a levou a tocar com nomes como Maldita Vecindad, Lila Downs e Alejandro Sanz. Agora, luta também contra o racismo, somando-se ao movimento “Poder Preto”.

Qual o desafio para as mulheres da região?

“Há três grandes problemas sociais e históricos: o machismo, o racismo e o classismo. Romper com esse estereótipo é um grande desafio das mulheres na luta feminista e antirracista, para recuperar os espaços que historicamente nos foram negados.”

Julieta Martínez, ativista

Julieta Martínez é uma jovem de 19 anos reconhecida mundialmente por sua atuação ambiental e de gênero. Sua luta começou quando tinha 10 anos, para pedir que as injeções de insulina fossem incluídas no programa de saúde estatal do Chile, e desde então nunca mais parou seu ativismo social.

Aos 15 anos, ela criou a plataforma “Tremendas” para dar visibilidade a meninas e jovens e apoiar distintas causas de impacto social e ampliar seus projetos. Aos 16 anos, foi nomeada conselheira do Youth Task Force da ONU Mulheres e, com isso, participou de eventos como o Latin Women Economic Forum, a COP25 em Madri e a COP26 em Glasgow.

Ela defende que é preciso, “mais do que nunca”, abordar a diferença de gênero na educação. Ela acredita que há regiões vulneráveis da América Latina e do Caribe onde se espera que as meninas se casem e assumam funções domésticas, onde elas não têm possibilidade de decidir o que querem fazer.

O que o homem latino precisa saber sobre as mulheres?

“Os ‘superpoderes’ femininos são sobrecargas. O ‘multitasking’, ou a multitarefa, a capacidade de realizar muitas coisas, é apresentado como um superpoder da mulher, mas não é assim: são obrigações deixadas com as mulheres por homens que não assumem a corresponsabilidade.”

Sandra Cauffman, astrofísica

Sandra Cauffman tinha 7 anos quando, sentada diante de uma TV na casa de vizinhos em San José, na Costa Rica, viu a chegada do primeiro homem à Lua. Ela se virou e disse a seus parentes: “Algum dia eu vou para lá.” Sua mãe, María Jerónima Rojas Montero, não riu da filha e não viu algo absurdo na ideia de Sandra. Apenas disse: “Estude muito e prepare-se. Não podemos saber as voltas que a vida dá.”

Aquela garota não viajou à Lua, mas trabalha olhando Marte: hoje ela é diretora-adjunta de Astrofísica da Nasa. Ela trabalha na agência espacial americana desde 1991, e lá liderou um projeto de satélites geoestacionários.

Ela também foi subdiretora do Projeto Atmosfera Marte e Evolução Volátil (Maven, em inglês), missão que lançou uma sonda ao planeta vermelho em 2013. E, assim, provou que conseguiu ir além da Lua.

O que pode impedir uma mulher de se desenvolver?

“O patriarcado. Independentemente da experiência, educação ou habilidade de uma mulher, a natureza patriarcal de algumas sociedades alimenta a percepção de que somos menos qualificadas e menos competentes que os homens. O patriarcado quis nos convencer de que uma mulher forte e inteligente é um problema, uma interrupção da ordem natural, ao invés de ser uma parte integral dela.”

Inés Camilloni, cientista

Inés Camilloni, integrante da Comissão Mundial da Ética no Conhecimento Científico e na Tecnologia da Unesco, sempre viu sua vocação nas ciências exatas. Mas ela nunca gostou de trabalhar em questões abstratas, e sim em conhecimento que poderia ser aplicado. Assim, foi para a meteorologia e sua relação com as atividades humanas.

Doutora em Ciências da Atmosfera pela Universidade de Buenos Aires, Camilloni é residente do programa de Investigação de Geoengenharia Solar da Universidade Harvard (EUA). Hoje, ela estuda a evolução dos impactos potenciais que a aplicação da geoengenharia solar pode ter na estratégia frente às mudanças climáticas. 

Para ela, a adaptação às mudanças climáticas tende a afetar mais as mulheres, por serem mais vulneráveis a essas mudanças, em especial em comunidades marginalizadas, minorias étnicas e entre as que vivem na pobreza. “Para enfrentar a crise climática, faz falta valor”, disse Camilloni, defendendo a relevância do trabalho feminino na ciência.

O que aprendeu com a pandemia?

“Na pandemia, as tarefas de casa cresceram numa proporção importante para as mulheres cientistas, afetando sua produção e aumentando a distância dos colegas homens, que, ao contrário, publicaram mais que em condições normais.”

Claudia Quintero, defensora de direitos humanos

Defensora dos direitos humanos e diretora da Fundación Empodérame, a colombiana Claudia Quintero Rolón é, sobretudo, uma guerreira. Aos 42 anos, conseguiu superar problemas que começaram na infância, quando era filha de uma empregada doméstica. 

Passou pela pobreza, por deslocamento forçado, abuso sexual e discriminação em alguns momentos de sua vida. Para sobreviver em Bogotá com dois filhos, o pai, a mãe e um irmão de 11 anos, chegou a se prostituir.

Mas por vias tortuosas chegou em 2009 à Argentina, onde entrou em um programa para imigrantes. Ali conheceu um ativista que lutava por direitos humanos, reconheceu-se como uma vítima e iniciou sua virada. Em 2018, ajudando mulheres com passados como o seu, chegou com sua luta à Corte Constitucional da Colômbia. 

Hoje, ajuda mulheres que, embora se vejam como trabalhadoras sexuais, são na verdade vítimas de violência. Mas sua história e várias outras de sua fundação mostram que a defesa dos direitos humanos pode, sim, mudar vidas.

Como o homem da região vê o papel da mulher?

“O homem latino-americano também foi oprimido desde a colonização por sua etnia, sua cultura. O que custa a esse homem entender é que está no mesmo nível que as mulheres, não é mais nem menos que a mulher.”

Vilmarie Rivera Sierra, procuradora

Vilmarie Rivera Sierra teve sua vida ligada à defesa das mulheres. Após 18 anos dirigindo um lar para mulheres em Porto Rico e liderando uma rede de albergues contra a violência doméstica, ela fez parte de um comitê que, diante de tantos casos de violência de gênero, conseguiu que o governo local decretasse estado de emergência por esta situação.

Assim, sua história a levou a ser designada, em janeiro, chefe da Divisão de Mulheres da Procuradoria de Porto Rico.

A situação de emergência de violência de gênero em seu país coincidiu com a pandemia. “E as mulheres conseguiram criar redes de apoio entre elas mesmas para sobreviver a estas situações e conseguir enfrentar suas emoções e sentimentos. Isso em um cenário de precariedade de trabalho, onde muitas de nós perderam o emprego e tiveram que se reinventar para garantir o sustento econômico, inclusive de suas famílias”, afirma.

Qual o principal problema para a mulher latina?

“A maior parte das mulheres da região vive em situações de pobreza e, a cada dia, com menos oportunidades de empregos dignos. Os homens seguem ganhando mais que as mulheres para as mesmas funções, e assim elas têm menos acesso à educação e à saúde.”


Fonte: O GLOBO