Não são apenas as notas de um boletim. Em escolas, cursos e universidades, alunos deixam uma série de informações que definem o que farão e o que serão. São dados que passam por dinheiro gasto, tempo disponível, traslados, aptidões, vocação e tudo o mais que se vive num sistema de ensino.

CEO da Cogna Educação, uma das maiores empresas de capital aberto de Educação do mundo, Roberto Valério quer utilizar esses dados e inteligência artificial para construir o que ele chama de “jornada de educação, emprego e renda”. O executivo esteve na semana passada no South by Southwest (SXSW), no Texas, o principal festival de inovação do planeta, justamente para entender as possibilidades tecnológicas disponíveis.

A Cogna tem um portfólio que vai de universidades como a Anhaguera e curso de inglês como o Red Baloon, a editoras de livros didáticos como a Ática e a Saraiva.

Valério conversou com O GLOBO no SXSW e explicou como pretende implementar suas mudanças na empresa, inclusive para lidar com a privacidade de informações pessoais e com as polêmicas que sempre acompanham propostas para o setor.

Vocês trouxeram um grupo de executivos para um festival de inovação no Texas. Por quê?

Na semana passada também fomos na Microsoft, em Seattle, conversar sobre a OpenAI (laboratório que criou a ferramenta de inteligência artificial ChatGPT). Estamos mandando muita gente para essas experiências, porque queremos uma mudança cultural na empresa. 

O que a gente está tentando dizer é que nossa North Star Metric (métrica utilizada em empresas do Vale do Silício que aponta o principal valor de uma companhia), em vez de ser receita ou número de alunos, passa a ser número de vidas. O Brasil tem 220 milhões de pessoas, e nós temos um portfólio gigante de soluções de educação. Em algum momento, essas pessoas podem passar pela nossa jornada, só que nunca conectamos esses pontos.

E como conectar esses pontos?

É um desafio que passa por análise de dados. Geralmente as empresas fazem a transformação digital para ter melhor relacionamento com clientes ou para ser uma companhia de serviço, a fim de captar novas receitas. Nós queremos usar os dados para criar cruzamentos entre as informações dos alunos e desenvolver modelos para eles. 

Quando você vai fazer faculdade, você não sabe muito bem para onde ir, mas faz um teste vocacional e escolhe alguma coisa. E depois disso, qual a sua trilha? Ninguém consegue dizer. Qual o Google, qual a inteligência artificial que te disse os caminhos dentro do Jornalismo que você trilhou? Você acaba descobrindo um pouco levado pela onda, ou porque tem um amigo ou porque teve uma referência. Mas as informações para ajudar o aluno estão disponíveis.

Então vocês querem, a partir de dados, projetar o que seria um misto de vocação do aluno com oportunidade de trabalho?

A gente aprendeu que precisa misturar educação, emprego e renda. Porque o que você faz agora influencia seu emprego e sua renda no futuro. Veja meu caso. Eu nasci em São José dos Campos, mas estudei em Jundiaí. 

Fiz Administração de Empresas na Fundação Getúlio Vargas, e conheci gente lá que me mostrou caminhos de carreira que não imaginava. E não tinha a ver com o ensino, tinha a ver com o networking que a FGV me proporcionou. Por outro lado, tenho amigos que fizeram Administração na USP, que é tão boa do ponto de vista acadêmico, mas não tem esse networking. Essa é uma informação relevante para você decidir sua carreira.

Qual a extensão da informação que você consegue extrair?


Desde os 6 ou 7 anos até os 16 ou 17 anos, todo mundo faz mais ou menos a mesma jornada. Depois, se aquela pessoa segue estudando, aí a jornada se ramifica em centenas de milhares de possibilidades. Você é jornalista, mas em algum momento da vida você estudou com alguém que foi ser médico, outro que foi trabalhar com Tecnologia, e por aí vai. 

Essas trilhas se cruzam, mas depois se ramificam. O que queremos fazer é desenhar as potenciais jornadas e os caminhos que as pessoas podem seguir. E não dá para fazer isso sem estrutura de dados.

Mas o aluno nem sempre fica só dentro do sistema de vocês.

Sim. Mesmo sendo uma empresa gigante, a gente não vai ter todas as soluções de educação. Então temos que conversar com outras empresas. Por isso estamos explorando o marketplace de educação. Tudo bem se eu tenho alguém nessa jornada comigo, mas a pessoa resolve estudar uma pós-graduação, por exemplo, na Fundação Dom Cabral e não mais comigo. 

Em vez de a Fundação vender seu curso em outro lugar, ela vem vender no meu canal, e eu monetizo. Como eu já tenho um relacionamento com esse aluno, vou saber que ele foi para a Fundação, vou acompanhar ele no LinkedIn, e depois eu posso chegar para uma empresa e dizer que eu tenho uma pessoa que seria perfeita para uma vaga. É a jornada inteira de educação, emprego e renda.

E como fica a privacidade do aluno? Você pode usar todas essas informações?

É uma discussão superimportante, até porque é lei. Uma fonte de dados enorme para nós é o LinkedIn, e, para eu ter acesso ao LinkedIn, o aluno tem que me autorizar. E ele não vai me autorizar se não tiver algum benefício. 

Em geral o aluno do ensino médio nem sabe o que é o LinkedIn, e eu posso dizer para ele acessar essa plataforma, explicar para que serve e como vai ser benéfica para ele. Eu conversei com a head do LinkedIn do Brasil, e eu disse que queria fazer um onboarding com eles, que posso ajudá-los a ter mais usuários. Em troca, quero fazer um processinho em que o usuário me autoriza a acompanhá-lo ao longo da carreira.

Educadores tradicionais não podem torcer o nariz para essa visão de jornada?


O educador em geral pensa que o aluno não sabe nada, quem sabe é ele. É um pensamento na linha: “Fui eu que estudei na academia e sei como a pedagogia funciona, quais são os conteúdos de aprendizado e o que o aluno deveria aprender”. 

Mas o mundo não quer mais isso. Sempre quando está de frente a um negócio novo que não entende, o educador tende a ser reativo. Ele tende a ser reativo com a OpenAI. É a mesma pergunta de anos atrás quando inventaram a calculadora. Perguntavam: “Como assim o aluno vai fazer a prova de matemática usando uma calculadora?” E qual o problema? Precisamos ter uma cabeça de educação na direção de ajudar as pessoas a dar o próximo passo.

Em quanto tempo vocês imaginam conseguir implementar esses novos processos?

Não vai ser rápido, é uma visão para cinco anos. Nós temos hoje um time de 45 pessoas só trabalhando com dados. Eles fazem as conexões e estão construindo os modelos de jornadas. Conversamos com uma startup que fez uma varredura de milhões de empregos, e tirou dali quais os principais skills pedidos nas vagas. 

Estamos fazendo uma comparação desses skills com nossa grade curricular, para ver se tem fit. Queremos em três anos ser referência em business analytics. E vamos levar mais dois ou três anos para fazer essas conexões.

A tecnologia da inteligência artificial pode aumentar a distância entre as educações pública e privada no Brasil?

Minha primeira reação era dizer que sim. Mas agora, depois de dias aqui no SXSW, já penso diferente. Em vez de eu ter que ensinar tudo sobre Matemática para um menino que quer ser engenheiro, mas desiste do sonho porque tomou pau em Cálculo, eu vou ensinar do jeito que ele consiga aprender. 

Ele não precisa mais saber fazer a conta, ele só precisa saber fazer a pergunta certa. Ainda não sei como isso será feito, mas me parece mais fácil ensinar assim do que a teoria completa.


Fonte: O GLOBO