Proposta tramitou em regime de urgência na Casa e ainda precisa ser submetida ao Senado

A Câmara aprovou nesta quarta-feira um projeto de lei que estabelece que o réu seja inocentado em julgamentos terminados em empate, inclusive em processos criminais. Hoje, os tribunais superiores adotam esse entendimento apenas para a concessão de habeas corpus. Ao estendê-lo para outros casos, os deputados beneficiam políticos que respondem a processos de corrupção, por exemplo. A proposta agora segue para o Senado.

A votação do projeto ocorreu de maneira simbólica, ou seja, sem o registro nominal dos parlamentares. O texto não passou pela análise de comissões e foi apreciado diretamente pelo plenário. Isso foi garantido por um requerimento de urgência, pautado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), aprovado ontem. O instrumento encurta a tramitação ao permitir que o projeto pule as etapas regimentais.

A proposta é de autoria do deputado governista Rubens Pereira Júnior (PT-MA) e foi relatado por um expoente do Centrão, Elmar Nascimento (União-BA), aliado próximo de Lira.

O projeto foi apelidado por críticos de "Lei Zanin", em referência ao advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Cristiano Zanin. Ele tem sido cotado para assumir a cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF) que ficará vaga após a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, em abril. O projeto, aprovado pelos deputados, foi avaliado como uma reação do Centrão a uma provável nova composição da Corte, responsável por julgar políticos com mandato.

Embora ainda não tenha batido o martelo, Lula já deixou claro que avalia indicar seu advogado para o Supremo. Caso Zanin se torne ministro da Corte, em tese, ele estaria impedido de participar de casos envolvendo a operação Lava-Jato, na qual atuou como defensor do petista. Como Lewandowski é um ministro que se associa à ala garantista do STF, que costuma evitar medidas punitivistas, o placar dos julgamentos de ações relacionadas à Lava-Jato tenderia a mudar.

Articulação com Lira

O acordo para aprovar o texto do projeto foi construído ontem durante reunião de líderes com Arthur Lira, que já investigado pela operação. Recentemente, porém, o ministro do STF Gilmar Mendes trancou três ações de improbidade que tinham o presidente da Câmara como alvo.

A articulação na Câmara foi criticada pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-chefe da força tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal.

– Como nomear Zanin sem perder seu voto favorável aos réus? Simples: aprovando uma lei que garanta que o empate nos julgamentos favoreça o réu. Assim, se Zanin se declarar suspeito, serão 4 votos nas turmas e 10 votos no plenário. No caso de empate, será como se Zanin houvesse votado de modo favorável ao réu – afirmou o deputado ontem em discurso no plenário da Câmara após a urgência ter sido aprovada.

A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) também criticou o texto e disse que ele atende a Lira e aliados.

– O que este plenário está fazendo hoje é votar um projeto para atender fulaninho A, fulaninho B e situação C. Nós não estamos combatendo a impunidade, porque, se quiséssemos, nós votaríamos projetos maduros, como o fim do foro privilegiado, como a prisão após condenação em segunda instância – afirmou.

– A questão toda aqui é: qual é a urgência desse projeto? Qual é a urgência e qual é a razão de tirarem da cartola um projeto para ser colocado no plenário sem discussão, sem o devido debate? O projeto podia melhorar muito mais – completou a deputada.

Mudança de entendimento

Em 2021, o ministro Luiz Fux, então presidente do Supremo Tribunal Federal, determinou que o empate não favorece o réu em ação penal. A ação foi uma resposta a uma questão levantada pelo ministro Gilmar Mendes, que fez o questionamento após um julgamento do Supremo que condenou o ex-deputado André Moura a 8 anos e 3 meses de prisão em um caso envolvendo desvio de dinheiro público.

Em um dos julgamentos, o placar ficou empatado em 5 a 5, e Fux decidiu que o caso seria suspenso e retomado apenas quando o novo ministro da Corte fosse nomeado. Na época, o STF estava sem um ministro porque Marco Aurélio havia se aposentado e o Senado demorava para analisar a indicação de André Mendonça.

O texto do projeto diz que a mudança é necessária "para esclarecer a incidência dessa regra constitucional a todos os processos judiciais em matéria penal ou processual penal".

– A ausência de previsão legal pode ocasionar que diversos julgamentos que têm como resultado um empate podem, de forma indevida, resultar em decisão prejudicial ao réu ou em suspensão do julgamento, em contrariedade com os princípios constitucionais mencionados – diz o texto aprovado hoje pelos deputados.


Fonte: O GLOBO