Conselho Federal de Medicina Veterinária pede na Justiça suspensão de novas vagas; país concentra 536 cursos, enquanto restante do mundo tem apenas 360

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) protocolou nesta terça-feira um pedido na Justiça para suspensão de novos cursos e vagas na área por, no mínimo, 5 anos ou até que seja possível verificar a qualidade dos cursos existentes e reformular os marcos regulatórios em termos compatíveis com a garantia de qualidade do ensino superior. Segundo o grupo, o país tem excedentes de cursos e novas vagas são abertas sem condições mínimas.

Estudo feito pela Comissão Nacional de Educação da Medicina Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV) afirma que nenhum dos 40 Projetos Pedagógicos de Cursos (PPCs) de graduação de Medicina Veterinária aprovados pelo MEC entre 2018 e 2021 possui condições mínimas de funcionamento.

Ainda de acordo com o conselho, mesmo após o olhar técnico da comissão e os pareceres insatisfatórios, os projetos foram aprovados pela Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres/MEC) e os cursos encontram-se ativos ou em vias de serem autorizados.

Atualmente, segundo o CFMV, o Brasil possui 536 escolas com autorização de funcionamento, 22 no modelo Ensino a Distância (EaD). No restante do mundo, no entanto, há apenas 320 cursos superiores na área. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos possuem 32 escolas de Medicina Veterinária, enquanto a Europa inteira reúne 95 e a China, 22.

O crescimento vertiginoso fica ainda mais exposto quando, pelo próprio e-Mec é possível conferir que no Brasil, em 1980, havia 32 cursos de Medicina Veterinária. Em 2015, eles eram cerca de 200.

Os dados foram obtidos por meio do Sistema de Regulação do Ensino Superior (e-MEC), a partir de um termo de colaboração firmado entre o conselho e o próprio ministério.

De acordo com a comissão que fez o estudo, os 40 cursos analisados são majoritariamente focados em clínica e cirurgia de pequenos animais, “basicamente formando médicos-veterinários de pets, sem densidade em outros conteúdos obrigatórios, como saúde pública, bem-estar, Medicina Veterinária Legal, animais de produção e animais silvestres”, diz o estudo.

— Estão colocando no mundo do trabalho jovens que, em sua maioria, não estão sendo formados adequadamente para lidar com vidas animais e humanas, considerando a importância da atuação médico-veterinária nas diversas áreas que impactam diretamente o bem-estar dos seres e do ambiente — afirma a professora Maria José de Sena, presidente da CNEMV e ex-reitora da Universidade Federal de Pernambuco.

Veja os pontos levantados pelo estudo:

Pertinência: analisa a necessidade de se abrir o curso na região indicada no projeto, considerando o mercado a ser atendido. No caso, em todo o Brasil, são quase 54 mil profissionais inscritos e não atuantes. Só não se sabe se isso ocorre por saturação do mercado, má-formação profissional ou ambos.

Gestão: refere-se à atuação da coordenação, composição e funcionamento dos colegiados, bem como à organização do Núcleo Docente Estruturante (NDE), unidade responsável por formular o projeto pedagógico do curso e estabelecer as vivências acadêmicas. 

Nenhuma das 40 propostas analisadas fez referência à estrutura e ao funcionamento, contrariando a Resolução nº 1/2010, da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior (Conaes/MEC). Além disso, apesar de 38 propostas preverem a atuação de médicos-veterinários como coordenadores, em 33 deles a carga horária dividia-se com a docência em mais de uma disciplina, devido ao quadro reduzido de profissionais para ministrar aulas.

Metodologia e inovação: identifica competências e habilidades relacionadas, especialmente, às novas tecnologias, exigidas pelas novas DCNs. Os alunos de EaD, além de sofrerem com as mesmas dificuldades dos cursos noturnos, ainda são negativamente impactados por não estarem diariamente no ambiente de uma escola veterinária. 

“O contato com o animal, os laboratórios, o campo é o que vai realmente formar com qualidade o futuro profissional”, defende a presidente da CNEMV.

Formação profissional: mostra como os estudantes estão sendo preparados, a qualificação do corpo docente e técnico e o perfil dos responsáveis pela formação dos novos profissionais. Segundo a comissão, nenhum dos 40 cursos avaliados teve avaliação satisfatória nessa dimensão nem atendeu às novas DCNs. 

Trata-se de cursos majoritariamente focados em clínica e cirurgia de pequenos animais, basicamente formando médicos-veterinários de pets, sem densidade em outros conteúdos obrigatórios, como saúde pública, bem-estar, Medicina Veterinária Legal, animais de produção e animais silvestres.
Corpo docente: dentre os 40 cursos, 12 funcionam sob a condução de apenas cinco docentes. Apenas dois deles possuem 21 professores. 

E o número médio de docentes por curso foi de 10,1. A maior parte (52,5%) apresentou dez ou menos professores. A título de comparação, a Universidade Federal de Goiás, na qual uma das integrantes da comissão atua, possui 65 professores nos cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia.

Infraestrutura: as propostas foram omissas, sem descrever as exigências para atender às DCNs em relação ao espaço físico e às instalações voltadas à contextualização dos conteúdos aos alunos nas salas de aula, tampouco mencionaram o acervo bibliotecário.


Fonte: O GLOBO