Golpes milionários deixaram muitas pessoas com rombo em suas contas e sem esperanças de reaver o dinheiro investido

O padrão do trader Antônio Inácio da Silva Neto, dono da BraisCompany, investigado pelo Ministério Público da Paraíba, é o mesmo de outros já conhecidos pelos golpes aplicados: um discurso refinado, que renega o sistema tradicional, uma oferta de rendimentos fabulosos e um padrão de vida milionária exibido nas redes sociais. 

Nos últimos dias, porém, quando os atrasos nos rendimentos prometidos aos clientes, iniciados em dezembro, se generalizaram, Antônio Neto retirou do ar o sistema de pagamento e saiu do circuito, deixando um rombo de pelo menos R$ 600 milhões, com cerca de 10 mil investidores.

Advogados especializados em crimes financeiros suspeitam que Antônio Neto aplicava o golpe de pirâmide financeira disfarçada de investimentos em criptomoedas, assim como Glaidson Acácio dos Santos, o Faraó dos Bitcoins de Cabo Frio, na Região dos Lagos (RJ), e Francisley Valdevino da Silva, o Sheik dos Bitcoins de Curitiba (PR).

Relembre os maiores golpes de Bitcoins

O 'Sheik dos Bitcoins'


O trader Francisley Valdevino da Silva, que não gostava do nome e se identificava como Francis da Silva, lançou um negócio de "aluguel de criptomoedas" e atraiu uma legião de clientes, até mesmo alguns famosos, ao oferecer lucros mensais de até 13,5% do valor investido. No início do ano, quebrou e deixou os investidores um deserto de esperança.

Reconhecido pelos fiéis investidores como Sheik dos Bitcoins, ele é dono da Rental Coins, empresa aberta em janeiro de 2019 com a inusitada proposta de alugar criptomoedas dos investidores, prometendo no início pagar juros de 0,5% a 5% ao mês e devolver os ativos do cliente ao final de um ano de contrato. 

À medida que o dinheiro foi entrando, Francis fez dois movimentos: afiar a retórica cristã, mostrando-se um religioso praticante, e investir no estilo luxuoso, circulando em aviões e helicópteros privados e restaurantes caros, vestindo roupas de grife e mantendo uma espécie de ponte aérea Brasil-Emirados Árabes.

Pastores, cantores e fiéis acreditaram no esquema de Francis. Uma delas foi Sasha Meneghel, filha de Xuxa, que conheceu o negócio por frequentar um templo evangélico. Empolgados, ela e o marido, o cantor João Figueiredo, fizeram aportes que totalizaram R$ 1,2 milhão. Em abril de 2022, após o calote, ambos processaram o empresário na Justiça de Curitiba.

Crise nos negócios e atrasos nas contas

Os atrasos começaram em outubro do ano passado. Dois meses depois, ele parou completamente o pagamento dos aluguéis. Alegou que a empresa passava por uma reengenharia e propôs um acordo com os investidores - cerca de 40 mil, aproximadamente - que previa o ressarcimento em 38 prestações. Para aderir, porém, o cliente precisava assinar um acordo em que abria mão de eventuais ações judiciais.

Chegou a pagar as primeiras parcelas, mas esse ano a fonte do sheik secou em definitivo, causando revolta e desespero. A pretexto de reformular o site do grupo, esse mês ele tirou do ar a plataforma que informava os investimentos individuais. Para os clientes, o objetivo foi apagar as provas de que embolsou uma fortuna e deu um calote coletivo.

Crimes do Sheik dos Bitcoins que são investigados

Da vida luxuosa nas redes sociais, a fama do sheik migrou para os gabinetes do Judiciário e das autoridades policiais. 

Além de figurar no polo passivo de centenas de ações civis, dos clientes que não fizeram acordo e buscam um ressarcimento judicial, ele é alvo de uma investigação da Polícia Federal do Paraná, aberta por queixa-crime de um ex-colaborador, e deve também responder na Polícia Civil de São Paulo, a partir de outra queixa-crime que será apresentada nos próximos dias ao Departamento de Investigações Criminais (Deic).

O 'Faraó dos Bitcoins'

Em agosto do ano passado, a Polícia Federal deflagrou a Operação Cryptos, montada para desbaratar uma organização criminosa que teria movimentado uma quantia bilionária nos últimos anos com a promessa de investimentos com alta rentabilidade e retorno garantido. 

O grupo seria liderado por Glaidson Acácio dos Santos, que até pouco tempo trabalhava como garçom em Búzios (RJ) e hoje é dono da GAS Consultoria Bitcoin. O empresário prometia o sonho do lucro fácil, com rendimento mensal de 10%, em aplicações nas chamadas criptomoedas. Mas, segundo a Polícia Federal, tudo não passava de ilusão.

Glaidson foi preso, acusado de inúmeros crimes, seus fãs protestaram contra sua prisão, com direito à carreata de pessoas que temiam ficar sem nada. Na casa de Glaidson, na Barra da Tijuca, os policiais encontraram quase R$ 20 milhões em espécie, além de jóias, carros de luxo e relógios de alto padrão. 

O esquema criminoso em Cabo Frio revelou a complexidade de uma nova e atraente modalidade de investimentos, usada como chamariz para a aplicação de um golpe financeiro: a suposta compra e a venda de criptomoedas, um mercado que ainda tem regras pouco conhecidas e que movimenta bilhões de dólares em todo mundo.

Uma das operações contra o Faraó, a Novo Egito, desencadeada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público do Rio de Janeiro (Gaeco/MP-RJ), revelou que Glaidson destinava parte dos recursos obtidos com o golpe da pirâmide financeira, disfarçada de investimentos em bitcoins, para custear aluguel de carros, compra de armas, pagamento de seguranças e contratação de detetives e pistoleiros para garantir a soberania no mercado de pirâmides na Região dos Lagos.

Morte de concorrentes

A quebra do sigilo telefônico do Faraó revelou que ele recorria ao “setor de inteligência”, formada por homens fortemente armados, para emitir a seus subordinados ordens diretas sobre quais concorrentes deveriam ser “zerados/eliminados”. Em mensagens trocadas com um dos seus comparsas, Ricardo Rodrigues Gomes, o Piloto, Glaidson — utilizando o nome “Souza Santos” — pede ajuda para criar “uma equipe de dez cabeças para fazer uma limpeza em Cabo Frio”.

Para facilitar o monitoramento dos inimigos, a organização contava, ainda, com o uso de drones e valia-se de informações sigilosas obtidas por meio de acesso criminoso a bancos de dados exclusivos de agentes da segurança pública, como, por exemplo, a consulta à Rede Infoseg.


Fonte: O GLOBO