Registro de MVNOs, que alugam a infraestrutura das grandes teles para operar, disparou após crise da Oi. Empresas podem ampliar concorrência em mercado tão concentrado

Muitos consumidores vêm se deparando com anúncios de empresas de telecomunicações pouco conhecidas oferecendo pacotes de ligações e internet para celular. São operadoras virtuais de telefonia móvel (MVNOs, na sigla em inglês), cujo registro na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) disparou desde que esse mercado ficou ainda mais concentrado com a crise da Oi, próxima de outra recuperação judicial.

Já são 175 operadoras virtuais credenciadas no país — sete vezes o total homologado até 2019 —, que respondem por 3,8 milhões de linhas de celular. Representam ainda 1,17% do mercado, mas essas pequenas empresas podem alcançar 5% em até três anos, avalia a consultoria Teleco. Poderão ampliar a concorrência em um setor dominado por Vivo, TIM e Claro, que dividiram a compra da rede móvel da Oi. Atualmente, as três detêm quase 97% do mercado total.

O interesse de empresas pela telefonia móvel é impulsionado pelo avanço da rede 5G e pelo estabelecimento de um limite para preços de tarifa pela Anatel, após a divisão da Oi móvel entre as rivais, para estimular a concorrência.

As MVNOs alugam a infraestrutura das grandes teles para ofertar seus serviços, principalmente em regiões que não são economicamente atraentes para as líderes, mas executivos e especialistas do setor avaliam que ainda há muitos obstáculos para que elas alcancem aqui a mesma fatia que têm em mercados europeus e nos EUA: de 20% a 30%.

Um dos entraves está justamente nos critérios do aluguel das redes de Claro, Vivo e TIM para essas pequenas operadoras por meio de contratos de atacado. Após meses de impasse entre as teles e a Anatel sobre a regulação da tarifa, as três grandes agora querem obrigar as virtuais a firmar contratos de exclusividade, o que ainda será avaliado pela agência.

— As operadoras móveis virtuais têm um foco em complementariedade de serviço onde as grandes não têm interesse, mas é preciso haver competitividade. Hoje, temos muitas MVNOs, mas isso não é sinal de sucesso e sim uma indicação de demanda. 

A venda da Oi móvel gerou a discussão sobre a necessidade de tarifas mais competitivas no mercado de atacado. O preço alto não vai conseguir viabilizar o avanço de MVNOs — diz Luiz Henrique Barbosa da Silva, presidente da Telcomp, associação de empresas do setor.

Parceria com rede fixa

Uma das empresas que mais crescem no segmento é a Telecall, que usa a rede da Vivo e oferece ainda seus sistemas para outras empresas interessadas em lançar suas próprias operações de telefonia móvel. Tem hoje assinados contratos com 35 empresas, dos quais 15 são operações já em funcionamento, somando mais de 300 mil clientes, conta Bruno Ajuz, responsável pelo marketing da companhia.

Segundo o executivo, há um grande potencial de crescimento em parcerias com as cerca de 16 mil empresas regionais de banda larga fixa. A Telecall está em testes com o grupo Conexão, dono de 400 mil clientes residenciais em vários estados.

— A estratégia é focar em nicho. O preço de telecom é commodity, com variação de 10% para cima ou 10% para baixo. Em geral, 85% das vendas são indicação, boca a boca. Apesar dos desafios como a questão das tarifas em discussão na Anatel, o horizonte é positivo. Já recebemos mais de dez pedidos para fazer parcerias com novas empresas — diz Ajuz.

A operadora virtual Veek acaba de receber investimentos de R$ 20 milhões para perseguir a meta de 60 mil clientes até maio de 2023. Alberto Blanco, CEO da empresa e que foi executivo da Oi, explica que o modelo de negócios das pequenas vem das deficiências das operadoras tradicionais:

— Hoje, metade da base pré-paga tem saldo zerado nas teles. Começamos com internet gratuita, com monetização via publicidade através do nosso app. Hoje, 75% dos nossos 20 mil clientes não são pagantes. Inicialmente nosso foco é o público com menor renda.

Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, lembra que o início das MVNOs no Brasil foi marcado por uma demanda de empresas. Agora, ele vê uma nova tendência de crescimento entre pessoas físicas, que não têm muitas opções além das três grandes teles. E estima que as MVNOs cheguem a 5% do mercado em dois a três anos:

— Elas têm se especializado em públicos específicos, com serviços voltados para nichos, seja futebol e varejo, por exemplo. Não vai adiantar ter pacotes genéricos.

Redes neutras

Apesar do potencial, a possibilidade de uma nova onda de consolidação no mercado de telefonia pode ameaçar o crescimento desse segmento, avaliam executivos que atuam nas operadoras virtuais. A nova crise da Oi pode resultar na venda de de sua fatia da V.Tal, a empresa de fibra controlada por fundos do BTG que tem como foco vender acesso à rede para outras empresas no atacado.

Recentemente, a TIM anunciou acordo com a Oi para usar a infraestrutura da V.Tal. A Vivo também vem investindo pesado em uma empresa própria do ramo, a FiBrasil. Hoje, grande parte do tráfego de telefonia móvel passa pela rede de fibra óptica e o acesso é vital para o crescimento das MVNOs.

Por outro lado, há em curso na Anatel um projeto de simplificação que pode dar às operadoras virtuais a possibilidade de negociar o uso da infraestrutura diretamente com empresas de redes neutras, sem a necessidade de firmar um contrato com uma empresa de telefonia móvel tradicional, como hoje.

— Há muitas oportunidades no país para aumentar a conectividade, já que há 35,5 milhões de pessoas sem uma conexão permanente e 85% da área geográfica do Brasil é ainda descoberta — diz Vinícius Oliveira Caram, superintendente da Anatel.


Fonte: O GLOBO