Entendimento da Corte sobre pagamento retroativo de CSLL por empresas estabelece que sentenças definitivas perdem efeito após decisões constitucionais contrárias e mobiliza juristas, empresas e até o Congresso sobre impactos da medida

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, no início do mês, que empresas que não recolhiam a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) há anos, respaldadas por sentenças transitadas em julgado (sem possibilidade de recurso), terão de pagar o imposto devido desde 2007, quando a Corte havia confirmado sua constitucionalidade. O entendimento unânime do plenário do STF tem provocado um debate entre juristas, empresas e Congresso sobre sua extensão e efeitos na economia.

O ponto mais crítico é se a cobrança da CSLL deve mesmo ser retroativa a 2007, com correção e multas, mas também há questionamentos sobre a repercussão da decisão sobre outras sentenças consideradas definitivas, introduzindo um elemento de insegurança jurídica.

Enquanto advogados de empresas aguardam a publicação da decisão para buscar brechas para algum tipo de questionamento (não é possível recorrer do mérito, mas pedir esclarecimentos sobre pontos do texto), executivos e analistas de mercado fazem contas sobre o impacto no caixa de companhias que até agora não pagavam sobre o lucro líquido uma alíquota que varia entre 9% e 20% (no caso de bancos).

E o Congresso estuda formas de aplacar os efeitos nos negócios com projetos de lei para impedir cobrança retroativa ou ao menos tirar multas e juros. Pela relevância financeira do que está em jogo, tudo indica que o debate vai longe.

Mas como chegou-se a essa situação?


A CSLL foi criada na Constituição de 1988 para financiar a seguridade social. Em 2022, a União arrecadou R$ 161,8 bilhões com a contribuição, 8,2% de toda a receita líquida do governo central. Mas esse tributo foi contestado logo depois de sua criação.

Em 1992, muitas empresas já tinham obtido decisões judiciais isentando-as de pagar a CSLL, sob a alegação de que haveria bitributação com a contribuição incidindo sobre a mesma base do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ). A tese foi aceita em vários tribunais, em alguns casos esgotando todas as formas de recurso da União.

Em paralelo, desde 1989, tramitava no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 15, questionando a Lei 7.689/88 que criou a CSLL. A ação argumentava que o tributo feria a Constituição. Logo no início, houve a primeira derrota, com a Corte negando pedido de liminar para suspender o imposto. Mas empresas respaldadas por decisões de instâncias inferiores continuaram sem pagar.

O mérito da ADI só foi julgado em 2007, quando o Supremo definiu que a CSLL é constitucional. Todas as empresas então deveriam pagar o imposto a partir dali. Mas, para as que tinham isenção definidas em decisões já consideradas definitivas, isso não ficou claro.

‘Jurisprudência constante’

Em artigo publicado no sábado em O GLOBO, o ministro do STF Gilmar Mendes cita outra ação, de 1992, que tentou derrubar o imposto na Corte e “conheceu o mesmo desfecho: é constitucional a CSLL”. O ministro refuta a crítica de que o STF introduz agora insegurança jurídica ao confirmar a validade do tributo. “Nunca houve controvérsia acerca do dever fundamental das empresas de pagar a CSLL. Há jurisprudência constante sobre o tema”, escreveu.

No entanto, destacou o ministro, novas ações foram propostas pedindo a isenção da CSLL com base nas decisões judiciais definitivas obtidas antes de 2007, o que ele classifica como a contratação de um risco por parte das empresas.

Em 2016, a União foi ao STF questionar uma ordem judicial que garantira, em 1992, o direito de não recolher a CSLL à petroquímica Braskem.

Foi nesse processo e em outro similar, envolvendo a Textil Bezerra de Menezes (TBM), que a Corte determinou que decisões sobre constitucionalidade têm a chamada repercussão geral, ou seja, “interrompem automaticamente” os efeitos de sentenças transitadas em julgado. Isso significa que se a empresa tinha um respaldo judicial, ainda que considerado definitivo, para não pagar o imposto, sua validade foi cancelada pela decisão do Supremo de 2007.

Os advogados das companhias pensam de outra forma e por isso não interromperam a batalha judicial em 2007. Alegam que ali não estava claro que a decisão do STF invalidava sentenças que já haviam esgotado recursos. Tributaristas criticam a mais recente decisão do STF por mudar a “coisa julgada” e invalidar o conceito do que é uma decisão definitiva, levantando insegurança.

Empresas fazem contas milionárias

Com a confirmação de que não há isenção de CSLL desde 2007, empresas estão fazendo cálculos sobre quanto devem ao Fisco. O Grupo Pão de Açúcar, por exemplo, reportou em fato relevante ao mercado um impacto de R$ 290 milhões.

A Vale informou que a decisão alcança deduções entre 2016 e 2017, com valor aproximado de R$ 800 milhões. A Braskem afirmou que, desde 2007, paga a CSLL e não sofrerá impacto. Agentes de mercado também começam a calcular o impacto da cobrança do imposto no preço das ações de empresas que terão aumento em sua carga tributária efetiva.

Não há mais saída judicial para companhias escaparem da CSLL, mas seus advogados poderão entrar com embargos para esclarecer pontos do acórdão do STF, que ainda não foi publicado. Será o ponto de partida para juristas entenderem melhor a possível repercussão da palavra do Supremo sobre outras decisões definitivas relacionadas a tributos.

Também será a base do debate sobre se a cobrança de CSLL retroativa a 2007, quando o STF a considerou constitucional, é devida ou se há espaço para pleitear o pagamento somente a partir de agora, com o esclarecimento de que fora extinto o efeito de sentenças anteriores a 2007, mesmo transitadas em julgado.

No julgamento, os integrantes do STF indicaram o entendimento de que o imposto é devido desde 2007 e que a cobrança retroativa é uma forma de combater a concorrência desleal, com algumas empresas pagando CSLL e outras não.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do processo, chegou a lembrar que as organizações afetadas poderiam ter feito provisões (reservas financeiras) para o caso de uma decisão desfavorável do STF porque esse risco era dado.

“A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. Foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que o tributo era devido, continuar a não pagá-lo ou a não provisionar. (...) A partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”, declarou Barroso.

Mas há tributaristas que discordam. Fernando Scaff, professor de Direito Financeiro da USP, disse ao GLOBO em fevereiro que os efeitos econômicos não deveriam ser retroativos, mas somente a partir de agora, já que o STF não havia estabelecido um entendimento para o passado tributário.

Com a demora no julgamento, acumulou-se um passivo que pode alcançar cifras bilionárias com impacto nos negócios em um momento delicado da economia, sem falar nas dúvidas sobre a segurança de outras sentenças sobre tributos consideradas definitivas.

O Congresso se movimenta para tentar reduzir esse efeito no ambiente de negócios. O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) apresentou duas propostas legislativas.

A primeira determina que casos julgados em caráter final, sem chance de recursos, até 10 de fevereiro de 2023, não poderão ser revertidos por entendimento constitucional posterior do STF. A segunda, se o primeiro projeto não avançar, exime empresas de multas, juros e encargos na cobrança retroativa e prevê parcelamento.


Fonte: O GLOBO