No esforço para distensionar a relação do governo Lula com as Forças Armadas após os ataques golpistas de 8 de janeiro, o ministro da Defesa, José Múcio, evita a todo custo dois temas que preocupam uma ala do governo e podem se tornar novos focos de crise: a celebração do golpe de 1964 e uma possível reforma no currículos dos militares.

Durante os quatro anos em que Jair Bolsonaro ocupou o Palácio do Planalto, o Ministério da Defesa soltou notas oficiais celebrando o regime militar, marcado pela perseguição a opositores, violação de direitos humanos e a censura à imprensa e à classe artística.

Por isso, há grande expectativa no governo Lula e entre os próprios oficiais sobre a forma como a data será tratada agora.

A equipe da coluna apurou que Múcio pediu um levantamento de como o 31 de março de 1964 foi encarado pelos últimos governos, inclusive Lula e Dilma Rousseff, e constatou que não houve nenhuma manifestação naquele período.

Por isso, a estratégia de Mucio para lidar com esse tema é a do silencio. O ministro tem dado sinais de que não quer se meter nesse vespeiro – e indicado que provavelmente a data não será nem sequer lembrada nos canais oficiais do governo.

A postura está alinhada à posição do Ministério Público Federal no Distrito Federal (MPF-DF), que cobra na Justiça o cumprimento de uma decisão do ano passado que proibiu o Ministério da Defesa e o governo federal como um todo de divulgar qualquer mensagem celebrando o golpe militar de 1964.

O pedido do MP à Justica foi uma reação a manifestações que começaram na gestão Bolsonaro, incentivadas pelo chefe do Executivo.

Em 2019, em nota assinada pelo então ministro da Defesa, Fernando Azevedo, e pelos comandantes do Exército, da Marinha e do Aeronáutica, os militares diziam que as Forças Armadas “participam da história da nossa gente, sempre alinhadas com as suas legítimas aspirações”.

“O 31 de março de 1964 foi um episódio simbólico dessa identificação”, dizia o documento.

O Ministério da Defesa foi além em 2020, divulgando uma nota chamando o “movimento de 1964” de “marco para a democracia brasileira”.

Em 2022, o então chefe da Defesa, Walter Braga Netto, que seria companheiro de chapa de Bolsonaro na corrida pelo Planalto, e os comandantes das três forças afirmaram em nota que o golpe foi um “marco histórico da evolução política brasileira”, “pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época”.

A equipe da coluna apurou que a questão do 31 de março vem sendo discutida muito discretamente no alto comando, onde também o comandante, Tomás Paiva, defende uma postura discreta.

É o caso do novo comandante do Exército, general Tomás Paiva, que defendeu a democracia e o respeito ao resultado das eleições, em um evento interno do Comando Militar do Sudeste, que chefiava antes de assumir o novo posto.

No que diz respeito à revisão do currículo de formação dos militares, Múcio avalia que esse não é o melhor momento para tratar do assunto.

A reforma do currículo militar foi uma das sugestões da Comissão Nacional da Verdade, grupo criado no governo Dilma Rousseff para apurar as violações de direitos humanos cometidas pelo regime militar.

A instalação do grupo estremeceu a relação entre o governo da petista e a caserna.

O objetivo da mudança no ensino seria fazer com que as academias militares e policiais mudassem o conteúdo para valorizar temas sobre direitos humanos e democracia.

Mas o ministro da Defesa de Lula acha que já há pepinos demais para lidar.


Fonte: O GLOBO