Christian Gebara revela que a maior operadora de telefonia do país trabalha para aprimorar sistema próprio com parceiros como a Microsoft e quer aplicar soluções como as da OpenAI

A Vivo, maior operadora de telecomunicações do Brasil, já está em testes para adotar propriedades do ChatGPT, a última sensação do mundo da tecnologia, que permite,por meio da inteligência artificial, gerar conteúdos escritos em conversas com um usuário muito semelhantes ao que seria feito por um humano.

Em entrevista ao GLOBO, Christian Gebara, presidente da Telefônica Brasil/Vivo, afirma que há “um mar de oportunidades” nesse tipo de solução para criar uma interação automatizada mais intuitiva entre os clientes. Ele diz também que, no momento em que muitas vagas de call center são substituídas por robôs virtuais, o desafio de empresas como a Vivo é formar mão de obra mais qualificada para tirar o melhor da tecnologia.

A Vivo vai investir até R$ 9 bilhões em 2023. Qual será o foco da empresa?

Acabamos 2022 com 23,3 milhões de domicílios com fibra óptica e vamos chegar a 29 milhões em 2024. Vamos expandir a rede 5G (quinta geração de telefonia móvel). Já são 53 cidades. Vamos adiantar a rede em locais com mais de 500 mil habitantes. Hoje, 18% de nossa base pós-paga já têm aparelho 5G. Em alguns bairros, chega a 30%.

Vai acelerar, pois 60% das nossas vendas são de smartphones 5G. Estamos crescendo na digitalização da relação com clientes com canais digitais como o app, que já tem 22 milhões de usuários únicos no mês. No atendimento via WhatsApp estamos reforçando o uso de inteligência artificial.

Faz sentido para a Vivo usar o ChatGPT?


Estamos olhando inteligência artificial faz muito tempo. E, para você ter inteligência artificial, é importante preparar a companhia, criando big data potente e desenvolver inteligência sobre ela. Começamos com a Aura, que é a inteligência artificial da Vivo e hoje atende por mês 4,3 milhões de usuários, principalmente através do WhatsApp. A Aura responde perguntas dos clientes.

O ChatGPT vai trazer muito mais inteligência ou muito mais recursos para qualquer interação que a gente tenha com os clientes.

Hoje, as interações são baseadas em um espectro de informação que a gente tem e, talvez, com esse crescimento de inteligência no uso dessa tecnologia, isso faça com que se tenha uma interação ainda muito mais contextualizada, personalizada e humanizada com os clientes. Então, a gente vê um mar de oportunidades para nossa interação com os 112 milhões de clientes.

Você pode imaginar um futuro, através do uso de uma tecnologia mais avançada de inteligência artificial, que, na interação com uma pequena empresa, será possível dar muito mais elementos na compra ou inclusive de resposta em um pós-venda. E apostamos em tudo que podemos fazer para dar um serviço melhor para os clientes, seja através do trato humano ou via inteligência artificial.

Mas o ChatGPT acabou de ser lançado. A Vivo vai buscar essas parcerias ou desenvolver algo próprio?

Nossa inteligência artificial foi construída internamente, mas também com parceiros externos, como a Microsoft, que também é um dos investidores da OpenAI, que está fazendo o ChatGPT. Já estamos em conversas e tentando ver os primeiros casos de uso dessa tecnologia dentro da nossa própria plataforma de inteligência artificial. Então, estamos em testes para começar já a usar.

E isso vai ser orgânico. Isso é um crescimento e uma evolução normal. Quanto à venda desse serviço para terceiros (outras empresas), temos também todos os parceiros, como Microsoft e Google. Estamos avançando em como a gente pode empacotar e fazer uma proposta de valor mais vantajosa.

Hoje já estamos trabalhando sim em como adaptar essa tecnologia a nossas interações. Temos mais de 26 milhões de interações ao mês com nossa inteligência artificial, é o melhor lugar para se provar esse avanço da tecnologia. Ou seja, o principal caso de testes é nosso próprio caso interno.

Essa dinâmica, então, está mais veloz? Sempre vemos empresas fazendo testes por muitas vezes que levam mais de um ano...

Está mais veloz para uma empresa como a nossa, pois já tenho a infraestrutura para fazer. Eu já tenho conexão e equipe com talento interno que entende do tema e pode fazer isso acontecer. Então a gente aqui vai conseguir fazer rápido. E vai começar com alguns casos de uso e ao longo do tempo vai aumentando.

O limite aqui é quase ilimitado. Como você aumenta o portfólio de produto, você eleva o nível de interação com seus clientes e, com isso, vai ter sempre novos casos para implementar na plataforma.

E como fica a questão da contratação de mão de obra?

A representatividade do call center na relação da porcentagem de interações que os clientes têm com a Vivo baixa de maneira acelerada. Isso vai não só pela inteligência artificial, mas também pelo uso do app da Vivo. Hoje grande parte da interação dos nossos clientes é através de meios digitais.

E como a empresa olha para esse movimento da tecnologia substituindo parte dos empregos?

Isso vai acontecer, como aconteceu com outras evoluções tecnológicas. O que temos feito aqui é ter um call center com perfil muito mais consultivo na relação com o cliente e menos transacional. A ideia é trazer mais valor para a relação que a gente constrói através de um contato com o ser humano, seja via call center ou na própria loja. Mas, embora haja essa substituição, surgem novos empregos.

Quais novos empregos podem surgir nesse cenário?

O Brasil tem uma carência enorme de programadores e cientistas de dados. Agora até criaram uma nova profissão, que é o engenheiro que entende de inteligência artificial. E parece que o Brasil já tem uma carência que a cada dia se acelera.

E o que temos feito é, além de formar nossas equipes para entender essa nova realidade, estamos lançando um serviço com a Ânima (empresa de educação), que terá cursos que vão desde programação à inteligência artificial. E vamos atrelar a isso uma plataforma de empregabilidade que ajudará essas pessoas a encontrem empregos.

As pessoas que atuam numa rotina mais básica no atendimento de um call center vão ser substituídas por serviços digitais, mas surgem também novas profissões que vamos ajudar a preparar.

A Fundação Telefônica Vivo, por exemplo, tem um programa que se chama Pense Grande Tech em Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Espírito Santo, onde os alunos do ensino médio podem fazer uma trilha de ciência de dados. E vamos tentar expandir isso para outros estados. Isso abre uma oportunidade de empregabilidade que nós não tínhamos antes.

E como as lojas físicas da Vivo se enquadram nesse ambiente de inteligência artificial e digitalização?

Estamos transformamos nossas lojas em espaços de tecnologia, vendendo equipamentos de casa inteligente, assistentes de voz, câmeras e sensores. Além disso, vendemos os pacotes das empresas de streaming e vou começar a comercializar serviços de saúde e financeiros.

Estamos atendendo pequenas e médias empresas, o que não fazíamos antes, com espaço próprio para eles. Lançamos uma marca própria chamada Ovvi, que é uma linha de acessórios como capinhas e cabos para smartphone e que vai evoluir para mais coisas.

Como a Vivo se preparou para este carnaval?

Aceleramos a implementação de 5G e também 4G nas cidades mais turísticas como Rio, Salvador, Recife, Olinda e São Paulo. No Rio, implantamos cinco torres adicionais de 5G nas áreas de maior concentração, das quais três só na região do Sambódromo. Em Salvador, há reforço no circuito Barra-Ondina. Estamos esperando um carnaval com números parecidos ou superiores aos de 2019.

Como está a questão dos preços nos planos por conta das pressões inflacionárias e das incertezas globais?

Estamos otimistas com a economia no Brasil no sentido de que a inflação, por mais que ela esteja alta, comparada a outros países, está inferior, pois não fomos diretamente impactados pela crise energética. Tivemos meses de chuva que aliviaram essa pressão, além da redução de impostos.

Passamos a empacotar mais serviços dentro das ofertas, aumentando o ganho de valor para o consumidor. Mas houve aumento de preço nos planos por causa da inflação. A gente espera que o ICMS siga baixo e que a reforma tributária beneficie a digitalização do país, porque é um vetor de inclusão.

Como analisa o fato de muitas empresas no Brasil estarem renegociando dívidas ou entrando em processo de recuperação judicial?

O tema dessas empresas preocupa como país. A nossa inadimplência atualmente é muito baixa com base de clientes muito pulverizada. O caso específico de uma ou duas empresas não impacta o nosso resultado de maneira tão destacada como pode ser para um banco ou fornecedor que tem uma exclusividade com alguma delas.


Fonte: O GLOBO