Beatriz Matos assumiu cargo de diretora do Departamento de Proteção Territorial e de Povos Indígenas Isolados; ação conta com militares das Forças Armadas, PF, Ibama, MPF e Funai e não tem data para acabar

Viúva do indigenista Bruno Pereira, a antropóloga Beatriz Matos volta nesta segunda-feira ao Vale do Javari pela primeira vez desde que o marido e o jornalista britânico Dom Phillips foram executados durante uma emboscada no rio Itacoaí, há nove meses. 

O retorno de Beatriz à região marca também a sua primeira tarefa como diretora do departamento de proteção territorial de povos isolados vinculado ao novo ministério indígena. Ela estará hoje entre as autoridades que darão início à megaoperação contra invasores do território, se diz emocionada com a oportunidade e ressalta que essa missão é uma continuidade do trabalho do marido, quem conheceu no mesmo local.

— Essas mortes do Bruno e do Dom levaram a uma insegurança extrema para eles (indígenas e servidores), que se perguntam: 'se fizeram isso com o Bruno, que era um branco, que trabalha na Funai, o que não farão com a gente?' Então acho que é importante fazer uma demonstração de força para dizer para a bandidagem que essa questão é muito séria e o governo está de olho — diz ao GLOBO.

Beatriz afirma que a sua nomeação para o cargo é fruto e continuidade do trabalho de Bruno.

— Eu ocupar esse cargo é sim uma continuidade do trabalho do Bruno e dessas outras pessoas que compõem o OPI (Observatório de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato) é o nosso trabalho junto, um trabalho coletivo. 

O fato de eu estar no Ministério é por causa desse coletivo de pessoas muito comprometidas , muito experientes nessa questão (dos indígenas isolados). Então eu me vejo como uma representante desse trabalho, devemos tudo ao trabalho do Bruno, sem a menor dúvida.

Beatriz sabe que em diversos momentos terá que dividir a atenção do trabalho com a enorme quantidade de pessoas com quem ainda não teve tempo de conversar e chorar a morte de Bruno.

— Vai ser uma situação muito emocionante, eu trabalho no Javari desde 2004, onde praticamente comecei minhas pesquisas. Trabalhei com um monte de indígenas por lá , de etnias diferentes, tenho amigos mesmo, pessoas que são muito importantes na minha vida e que ainda não nos falamos desde a morte do Bruno. 

Então tenho certeza que vai ter muita gente que vai chorar comigo, que vai fazer luto, homenagens e que vai querer falar comigo. Acho que vai ser muito emocionante. Eu sei que vai ser rápido porque não poderei ficar mais de um dia, mas intenso — conta.

A antropóloga diz que voltará ao Javari para encerrar o ciclo de rituais sobre a morte do marido.

— Certamente os indígenas vão querer chorar o Bruno comigo, com seus rituais e eu preciso fazer isso em algum momento, não vai ser agora. Vai ser uma comoção muito grande, com certeza muito forte e importante também porque será uma demonstração de que aquilo não vai acontecer mais, esperamos. E que a partir de agora eles vão ter apoio do Estado e ter mais segurança, não serão mais ameaçados, porque as ameaças e invasões continuam.

Ação terá ministros de Estado e embaixadora do Reino Unido

Passados mais de oito meses dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, o Vale do Javari, no Amazonas, voltará a ser palco de uma megaoperação das forças de segurança com o objetivo de coibir a prática criminosa de invasores que atuam na caça, pesca e garimpo ilegais no território que abriga a maior quantidade de indígenas isolados do mundo. 

As ações de logística serão coordenadas pelo Ministério da Defesa com apoio das pastas da Justiça, dos Povos Indígenas e dos Direitos Humanos, além da Polícia Federal, Ibama, Funai e Sesai.

Os agentes vão desembarcar em Atalaia do Norte (AM) na manhã desta segunda-feira, por volta das 8h (duas horas a menos de Brasília). Militares da Marinha já estão no local. As ações serão discutidas na sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

O GLOBO apurou que o primeiro dia da missão deve contar com as presenças dos ministros Flávio Dino (Justiça) e Sonia Guajajara (Povos Indígenas). Silvio Almeida (Direitos Humanos) deve enviar um representante. 

A presidente da Funai, Joênia Wapichana, e o secretário de Saúde Indígena (Sesai), Ricardo Weibe Tapeba, também vão acompanhar a operação, assim como procuradores do Ministério Público Federal (MPF). O governador do Amazonas Wilson Lima também estará em comitiva. Outra presença confirmada é a da embaixadora da Inglaterra no Brasil, Stephanie Al-Qaq.

A ação é uma continuidade do plano do governo federal com foco na desintrusão de invasores de terras indígenas, iniciada com a operação denominada Libertação para retirada do garimpo da Terra Indígena Yanomami.

Articulada durante sucessivos encontros com representes da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), a força-tarefa do governo federal vai ser anunciada nesta quinta-feira em Brasília e não tem data para terminar. A ideia, segundo os indígenas, é que os invasores sejam retirados e a área da tríplice fronteira com o Peru e a Colômbia, nos municípios de Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga, passe por uma varredura dos militares e agentes da PF, Ibama e Funai.

Um dos pontos defendidos pela Univaja para que seja realizada a operação é que mesmo com o assassinato de Bruno e Dom, os criminosos continuaram atuando livremente no Vale do Javari,sobretudo na pesca ilegal de pirarucu e tracajás, e também com dezenas de balsas de garimpo na localidade conhecida como base de Jandiatuba, próxima ao território de um grupo de indígenas isolados korubo, crime denunciado ao Minstério Público Federal, Funai e Polícia Federal pela Univaja e sua equipe de vigilância (EVU), coordenada por Bruno, meses antes do crime.

Recentemente, um dos coordenadores da Univaja, Paulo Marubo, foi avisado de que familiares de Amarildo Oliveira da Costa, o Pelado, assassino confesso de Bruno e Dom, ofereceram R$ 20 mil por sua morte. O caso foi revelado pelo ribeirinho que teria sido "contratado" para matá-lo e foi registrado em Boletim de Ocorrência na Delegacia da Polícia Civil de Atalaia.

Os assassinatos de Bruno e Dom, em 5 de junho do ano passado, foram encomendados por Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia. Essa é a conclusão da investigação feita pela Polícia Federal. 'Colômbia' responde na Justiça Federal por um processo no qual é acusado de liderar a pesca ilegal no Vale do Javari, local em que a dupla foi assassinada. Ele está preso desde dezembro, acusado de ser o mandante do crime. O GLOBO revelou que "Colômbia" era o principal suspeito de ter ordenado as mortes.

Entenda o caso

Bruno e Dom foram assassinados a tiros quando voltavam de uma viagem pelo rio Itacoaí, no dia 5 de junho, após uma emboscada. Colômbia estava preso por conta de outro mandado de prisão, este por associação armada ligada a crimes ambientais, onde se investiga a sua relação com o crime brutal e a liderança de uma organização criminosa que usa a pesca ilegal na região para lavar dinheiro do narcotráfico na tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru.

O desaparecimento da dupla foi revelado pelo GLOBO e confirmado pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), região com a maior concentração de povos indígenas isolados do mundo, no dia 6 de junho. Bruno, que acompanhava o jornalista britânico, era alvo constante de ameaças pelo trabalho que vinha fazendo junto aos indígenas contra invasores na região, pescadores, garimpeiros e madeireiros.

A PF também investiga se um esquema de lavagem de dinheiro para o narcotráfico por meio da venda de peixes e animais pode estar relacionado ao desaparecimento da dupla.


A última missão de Bruno Pereira no Javari

O GLOBO apurou que apreensões de peixes que seriam usados no esquema foram feitas recentemente por Bruno Pereira, que acompanhava indígenas da Equipe de Vigilância da União dos Povos Indígenas do Javari (Unijava). 

As embarcações levavam toneladas de pirarucus, peixe mais valioso no mercado local e exportado para vários países, e de tracajás, espécie de tartaruga considerada uma especiaria e oferecida em restaurante sofisticados dentro e fora do país.

A ação de Bruno e da EVU contrariou o interesse de "Colômbia", que tem dupla nacionalidade brasileira e peruana. De acordo com a denúncia feita pelos indígenas, ele usa a venda dos animais para lavar o dinheiro do narcotráfico que atua no Peru e na Colômbia, que fazem fronteira com a região do Vale do Javari.


Fonte: O GLOBO