Ações para realocar pessoas após deslizamentos em outros estados, como em Pernambuco e no Rio, se mostraram pouco eficazes no passado

Jaqueline Alves, 42, moradora de Jardim Monte Verde, comunidade no limite entre Recife e Jaboatão, precisou deixar sua casa em maio do ano passado após deslizamentos de terras que deixaram 130 mortes no estado em maio de 2022 — incluindo cinco familiares dela. 

Após dois meses e meio em um abrigo com três filhos e o marido desempregado, se viu obrigada a voltar para o mesmo lugar, numa encosta de um morro, por não ter como pagar aluguel em outro local.

— Não moramos aqui porque queremos, mas por falta de condições. Não recebemos auxílio do governo, nem 10 centavos sequer. Meu marido está sem emprego e eu recebo um salário mínimo. Não temos para onde ir — afirmou Jaqueline ao GLOBO.

Apesar de a prefeitura de Recife pagar um auxílio de R$ 300 a cerca de 7 mil pessoas após os deslizamentos, Jaqueline diz que quase todos os sobreviventes da sua rua retornaram às suas casas em áreas de risco por falta de opção, numa situação comum neste tipo de caso em diferentes lugares do país. 

Não raro, políticas públicas adotadas pelos governantes após tragédias como essa, como o pagamento de aluguel social ou a promessa de realocar moradores, se mostram pouco efetivas.

Em São Sebastião (SP), por exemplo, que já contabiliza 65 mortes após deslizamentos de terras provocadas pelas chuvas e mais de 4 mil desalojados ou desabrigados, governo federal, estadual e prefeitura anunciaram a retirada de moradores de áreas de risco. 

Mas não é a primeira vez. Há sete anos, após assinar um Termo de Ajustamento de Conduto (TAC) com o Ministério Público, o poder público ergueu 45 casas populares para realocar moradores do Morro do Esquimó, comunidade carente em uma área de encosta no bairro de Juquehy, na costa sul. O problema é que as moradias foram construídas no outro extremo da cidade, no Canto do Mar, a cerca de 50 km do local.

— Quem foi contemplado com a casa não quis ir para lá devido à distância, já que a maioria trabalhava próximo ao morro. Foi uma luta na época, e alguns que foram acabaram voltando — lembra Luizinho Faria, ex-prefeito de São Sebastião na década de 1990.

Na semana passada, ao visitar a cidade do Litoral Norte paulista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou o atual prefeito da cidade, Felipe Augusto, que encontrasse um local para o governo federal construir novas moradias populares. 

A equipe do Ministério das Cidades, comandado por Jader Filho, vai nesta segunda-feira ao município mapear as ações que serão feitas a curto, médio e longo prazo nas áreas atingidas pelas fortes chuvas na última semana. A pasta é responsável pelo programa Minha Casa, Minha Vida, e deve reconstruir moradias para as vítimas da tragédia fora de áreas de risco.

— Nós temos um desafio que é atender as famílias em locais seguros e dar uma solução habitacional. Não adianta retirar as pessoas de onde elas estão, embora seja área de risco, não adianta tirá-las e não ter uma solução. O horizonte de construir moradia em lugar seguro é o mais correto — afirmou o secretário nacional de Políticas para Territórios Periféricos da pasta, Guilherme Simões, ao GLOBO.

Simões disse que o poder local precisa “ter vontade política para enfrentar os interesses da especulação imobiliária e das elites locais”. O comentário tem como pano de fundo declaração de Felipe Augusto, em entrevista ao portal UOL, sobre um projeto de construção de 400 casas populares na regiao de Maresias, abortado há dois anos após pressão de moradores de condomínio da classe média e alta do bairro.

— Após um desastre dessa magnitude, não é possível que a gente não tenha o mínimo de sensibilidade e comoção dessas pessoas para construir uma solução digna — pondera Simões.

Ex-secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Paulo, a urbanista Ermínia Maricato destaca que o trabalho será longo e demandará um esforço ativo, principalmente, da prefeitura:

— Não existe solução a curto prazo, sem participação social e sem mexer no mercado imobiliário. O que o governo federal projeta é possível, mas com um protagonismo forte da prefeitura, até porque cabe ao poder local a competeção do uso do solo. 

A casa precisa estar em um local seguro, urbanizado e com inclusão social, sem ilhar a população pobre em periferia. Essas pessoas precisam estar nas áreas centrais, onde há emprego e acesso a serviços públicos.

Além do desafio de convencer as pessoas a deixarem as áreas em que moram, há também promessas que nunca saíram do papel. Em Petrópolis (RJ), três terrenos doados ao poder público após o temporal que causou 900 mortes na Região Serrana, em 2011, continuam vazios depois de 12 anos. 

A previsão é que 350 unidades sejam construídas nas regiões. A cidade foi palco de uma tragédia histórica em 15 de fevereiro de 2022, com 235 mortes e milhares de desabrigados.

Os três terrenos foram repassados pelo governo estadual à prefeitura, que depois os devolveu ao estado. Ao GLOBO, o prefeito de Petrópolis, Rubens Bomtempo afirma que o registro e outros documentos dos terrenos não foram passados à prefeitura, portanto, “permanecem vinculados ao estado”.

Já o governo do Rio de Janeiro diz que “aguarda a Prefeitura de Petrópolis regulamentar as leis municipais relativas aos terrenos para realizar as adequações necessárias e dar prosseguimento às licitações”. Em nota, o governo informa que desapropriou dois terrenos, já o terceiro pertence à Secretaria de Patrimônio da União, que concedeu a autorização para o governo utilizá-lo.

Após a nova tragédia em 2022, a liderança local Ana Lúcia afirma que moradores de locais devastados como Morro da Oficina e Oswero Villaça retornaram às antigas casas. Questionado sobre essas pessoas, o prefeito Bomtempo diz que elas voltaram de forma “deliberativa”.

— Todos ganharam aluguel social e não deveriam estar voltando porque o município, junto ao estado, oferece aluguel de mil reais depositado todo mês — argumenta.

Segundo dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, o Brasil tem hoje cerca de 4 milhões de pessoas vivendo em áreas de “riscos altíssimos de desastres”. A categoria compreende habitações em locais condenados ao risco desmoronar em temporais, dando início a novas tragédias como as de São Sebastião, Pernambuco e Petrópolis.


Fonte: O GLOBO