Para o Kremlin, envio de blindados representa envolvimento direto do Ocidente na guerra

Porto Velho, RO - 
A Rússia fez um ataque com 55 mísseis contra alvos na Ucrânia nesta quinta (26), um dia depois de Estados Unidos e Alemanha escalarem o envolvimento ocidental na guerra anunciando o envio de tanques para Kiev combater a invasão de Vladimir Putin.

Segundo o general Valeri Zalujni, comandante das Forças Armadas ucranianas, foram utilizados diversos mísseis, inclusive o modelo hipersônico Kinjal, lançado de interceptadores MiG-31K. Ele afirmou que 47 dos projéteis mais lentos, como modelos de cruzeiro Kalibr, foram derrubados, o que parece otimista ante os estragos relatados em diversos pontos do país.

Ao todo, o país registrou 11 mortes. Odessa, o maior porto ucraniano, ficou sem energia e água corrente. Houve ao menos um morto em Kiev, e em Vinnitsia, no oeste do país, foram registradas seis grandes explosões. Não está claro onde foi empregado o Kinjal, uma das "armas invencíveis" reveladas por Putin em 2018 e que já foi utilizado no conflito.

"O objetivo dos russos segue inalterado: pressão psicológica sobre os ucranianos e destruição de infraestrutura crítica. Mas nós não podemos ser quebrados", escreveu o general no Twitter. Enquanto isso, forças de Putin têm feito avanços lentos no sul e no leste do país.

Em Moscou, o porta-voz do Kremlin voltou a criticar o Ocidente e sua promessa de entrega de armas pesadas. "Tudo que a aliança [ocidental] está fazendo é visto como envolvimento direto no conflito. Nós vemos isso crescer", afirmou Dmitri Peskov em sua conversa diária com repórteres. "Esses países viraram participantes do conflito", afirmou o poderoso Nikolai Patruchev, secretário do Conselho de Segurança da Rússia.

Após semanas de discussão, a quarta (26) trouxe uma novidade tática para a guerra: a Alemanha disse que irá enviar 14 tanques Leopard-2A6 e permitir a reexportação do modelo, que fabrica, por outros países para Kiev. Com isso, a Polônia recebeu luz verde para também enviar 14 Leopard-2, da versão mais antiga A4.

De forma algo surpreendente, dada a resistência anterior, os EUA prometeram fornecer 31 tanques M1 Abrams, sem especificar se é o modelo A1, mais antigo, ou o mais recente A2 —provavelmente o blindado mais poderoso do mundo.

O Reino Unido, por sua vez, já havia dito que enviaria 14 tanques Challenger-2 para ajudar o esforço de guerra do presidente Volodimir Zelenski. Esses primeiros 59 tanques não mudam em nada o balanço militar da guerra, mas sinalizam uma mudança de postura que poderá levar a tanto.

A Ucrânia queria 300 tanques, e especialistas falam em pelo menos 100 para que incursões contra linhas defendidas pelos russos em Kherson (sul) e Donetsk (leste) tenham alguma chance de sucesso. Outros países operadores de Leopard-2, como Espanha, Finlândia e Noruega, já se manifestaram em favor do envio. Mas mesmo isso não é uma garantia.

"É improvável que um grupo blindado de 30 a 50 tanques Abrams afete a situação. Se forem 200 ou 300, usados corretamente, podem ser significativos", afirmou à Folha o diretor do Centro de Análises de Estratégias e Tecnologias, um dos principais think tanks militares russos, Ruslan Pukhov.

Ele crê que o Ocidente irá limitar seus envios para manter a Rússia pressionada, perdendo recursos, mas não visando "uma vitória decisiva da Ucrânia, o que é improvável de todo modo". Pukhov diz que Moscou terá problemas se enfrentar versões mais novas do Abrams e mesmo do Leopard-2 por utilizar munição soviética mais antiga.

Segundo Pukhov, também há escassez de mísseis antitanques modernos, similares aos americanos Javelin que a Ucrânia operou com habilidade no começo da guerra. A Rússia tem o Kornet, mas em pouca quantidade, e depende de armas menos eficazes soviéticas.

Para Rob Lee, americano do King's College (Londres) que tornou-se referência na análise da guerra, os tanques ocidentais "são boa notícia, mas não uma bala de prata".

"O objetivo da Ucrânia é retomar todos seus territórios ocupados pela Rússia. Romper linhas defensivas bem preparadas e explorar esses sucessos é difícil sem uma vantagem significativa de armas combinadas, e a Ucrânia dificilmente terá superioridade aérea", escreveu no Twitter.

Ele concorda que os modelos ocidentais têm vantagens na disputa direta com os russos, mas há o fator numérico. Moscou perdeu o equivalente a metade de sua frota ativa de 3.000 tanques, mas colocou muitas reservas em campo —e elas somavam 10 mil blindados antes da invasão, em fevereiro do ano passado.

Lee aponta outras questões. "Incorporar três tipos diferentes de tanques será uma dor de cabeça logística, mas também dará aos ucranianos mais opções para repor perdas", afirmou. "Os novos tanques vão aumentar as chances de sucesso de Kiev, mas não garanti-las".

Ele vê mais importância tática nos blindados mais leves prometidos, como o Bradley e o Stryker americanos e o Marder alemão. Eles seriam melhores que os tanques ucranianos hoje em ação —Kiev perdeu metade de seus quase mil blindados do tipo até aqui, tendo recebido um reforço de 230 da Polônia após o conflito.

Além das dúvidas acerca das quantidades de tanques, há a velocidade de sua entrega. O treinamento para operar Leopard-2 e Challenger-2 vai de três a seis semanas, e talvez ainda mais para o Abrams —que têm o problema adicional de usar um motor a turbina, que consome horrores, obrigando uma logística mais azeitada de fornecimento de combustível especial.

Nesta quinta, o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, afirmou durante um exercício militar que a primeira leva dos seus Leopard-2 estará pronta "no fim de março, começo de abril". Restará assim ver o que fará Putin até lá.

Fonte: Folha de São Paulo