Relatório mostra que 36% de diretores e mesários de 2020 decidiram ficar em casa este ano, maior número em duas décadas, e entre as razões centrais estão ameaças anônimas; F.B.I. investiga segunda tentativa, neste domingo, de assassinato ao ex-presidente Trump
Eleitores votam nas primárias em Michigan; grupo de eleitores pede que Justiça monitore republicanos por ameaça a mesários — Foto: Nick Hagen / The New York Times
Emily aparece no especial que a rede CBS passou na semana passada calcado em números da Bipartisan Policy Center, instituição dedicada a elaborar pontes entre os dois lados do tabuleiro político — 36% dos cidadãos que trabalharam no pleito de 2020 decidiram ficar em casa este ano. No topo dos motivos, em entrevistas com profissionais de, entre outros estados, Colorado, Maryland e Texas, o medo de violência política.
Já marcada pelo atentado em julho contra o ex-presidente Donald Trump em comício na mesma Pensilvânia, a disputa pela Casa Branca teve novo capítulo inusitado neste domingo com a investigação pelo FBI de uma segunda tentativa de assassinato do ex-presidente quando ele praticava golfe em seu campo em West Palm Beach, na Flórida. O candidato republicano à Presidência estava no local, nada sofreu e escreveu em sua rede social “estar são e salvo”.
Um suspeito trocou tiros com o Serviço Secreto e foi detido pela polícia após uma testemunha vê-lo entrar em um carro e anotar a placa. O xerife do condado de Palm Beach informou que, perto dos arbustos onde estava o indivíduo, foram encontrados “um rifle estilo AK-47 com mira telescópica” e “uma GoPro usada para tirar fotos”. Biden e a vice-presidente Kamala Harris, adversária do republicano nas eleições de novembro, se solidarizaram com Trump e afirmaram que “não há lugar para violência política nos EUA”.
Agentes do FBI isolam área de campo de golfe onde agentes do Serviço Secreto identificaram atirador — Foto: Joe Raedle/Getty Images via AFP
Ainda é cedo para entender o efeito de uma segunda tentativa de assassinato de um dos candidatos na corrida pela Casa Branca e de eventuais falhas do Serviço Secreto em protegê-lo. Como o voto não é obrigatório nos EUA, motivar os eleitores a sair de casa em dia útil rumo às urnas é essencial. Mas o recorde de abandono de postos de emprego bancados pelos estados para o bom funcionamento das eleições em mais de duas décadas é, por si só, indício de insegurança eleitoral no momento em que Kamala e Trump estão empatados na margem de erro nas médias nacionais das pesquisas e nos estados mais decisivos.
E até mesmo a reação ao êxodo dos profissionais que validam documentos, contam votos e arbitram disputas nas eleições escancara o tamanho da polarização política americana. Os republicanos veem no fenômeno mais risco de eventuais erros, especialmente na validação de eleitores, repetindo as mentiras de que legiões de mortos e imigrantes não documentados votarão em novembro nos democratas. Estes, por sua vez, detectam nas ameaças aos “operários da democracia” consequência direta da retórica dos que teimam em não reconhecer suas derrotas nas urnas.
Trump repete mentiras
Em janeiro, quando lançou seu relatório anual, a mais influente consultoria de análises de riscos do planeta apontou entre os destaques negativos de 2024 “a guerra dos EUA consigo mesmo”. O Eurasia Group cravou que Trump usaria sua campanha para deslegitimar tanto o sistema que o processa — em maio, ele se tornou o primeiro ex-presidente americano a ser condenado por um crime — quanto a integridade das eleições.
— Ele repete a retórica de 2020. Independentemente de quem vencer em novembro, prevemos algum nível de violência política, não no dia do voto, mas após os resultados. E deve ser, à direita, menor e menos organizada do que em 2021, por conta da prisão de invasores do Capitólio — disse ao GLOBO, antes de o FBI anunciar a investigação do segundo atentado a Trump, o diretor do Eurasia nos EUA, Clayton Allen.
Na semana em que a quase unanimidade dos analistas considerou Kamala vencedora do debate de terça-feira passada na rede ABC, Trump repetiu em comícios que não só havia vencido o duelo como “a única maneira de eu não ganhar em novembro é se eles roubarem de novo”. Parte da militância reagiu apontando o risco de “banho de sangue” e “guerra civil” se “nossos votos forem roubados de novo”.
O “de novo” , nos dois casos, é referência às eleições de 2020, vencidas por Biden por diferença de menos de 1 ponto percentual em estados decisivos, entre eles Arizona, Geórgia e Pensilvânia. E as pesquisas mostram que as margens podem ser tão ou mais estreitas este ano, aumentando o receio de caos com uma vitória de Kamala por poucos votos. Não só de ataques aos candidatos, mas de represálias aos “trabalhadores do voto”.
Homem assiste ao debate entre Donald Trump e Kamala Harris em TV em Washington — Foto: Allison Bailey / AFP
Diretora para Eleições da American Civil Liberties Union, Sophia Lin Lakin afirmou que a organização detectou “aumento exponencial” nas narrativas de fraude eleitoral com a aproximação das eleições. Após os resultados de 2020, estados governados por republicanos, entre eles Flórida e Texas, conduziram investigações milionárias sobre segurança eleitoral. Chegaram às mesmas conclusões de idoneidade. Em entrevista na última sexta-feira à al-Jazeera, Sara Carter, especialista da Universidade de Nova York, afirmou que “nos EUA, é mais provável ser atingido por um raio do que cometer fraude eleitoral, que é um mito”.
Anistia preocupa
Trump, como atestou no próprio debate, não reconhece a derrota de quatro anos atrás e sua postura, criticam especialistas, incentiva a militância. Pesquisa da Universidade de Chicago para a Associated Press mostra que, a menos de dois meses das eleições, metade dos republicanos diz não confiar no resultado oficial do pleito. O ex-presidente responde a processo na Geórgia por tentar convencer diretores como Emily Cook a “encontrar os votos que faltam”.
O negacionismo eleitoral foi o combustível central para a invasão do Capitólio em janeiro de 2021 por hordas trumpistas, quando cinco pessoas morreram. Trump afirma que, se voltar à Casa Branca, anistiará “os presos inocentes”.
Não há Justiça Eleitoral federal nos EUA. Os 50 secretários de Estado são as autoridades máximas das eleições. Eleitos pelo voto popular, quase sempre têm filiação partidária. Com duas exceções, Maine e Nebraska, o vencedor leva todos os votos dos estados para o Colégio Eleitoral, e o Congresso valida o resultado. Cento e trinta e nove deputados republicanos votaram contra a confirmação de Biden.
Atores já se mexem para evitar filme — de terror — repetido. Na quinta-feira, o governo Biden declarou o próximo 6 de janeiro, quando congressistas certificarão os votos deste ano, “evento de segurança nacional”. Recursos federais, estaduais e locais serão usados para aumentar a segurança do Capitólio. Na sexta, 30 deputados — seis republicanos — criaram grupo comprometido a homologar quem tiver mais votos no Colégio Eleitoral. No mesmo dia, um juiz federal decidiu apreciar pleito inédito de eleitores do Michigan para monitorarem grupos ligados aos republicanos acusados de constranger mesários.
Veja como ficou o Capitólio no dia seguinte à invasão
Um dos prêmios mais importantes em novembro são os 19 votos da Pensilvânia. A vitória passa por Luzerne — Trump venceu lá em 2016 e 2020, mas Biden teve quase 13 mil votos a mais do que a ex-secretária de Estado Hillary Clinton quatro anos antes. Incremento crucial, já que o democrata derrotou o republicano no estado por apenas 81 mil votos. Daí a atenção prestada a “trabalhadores do voto” em cidades como a de Emily Cook, que mantém firme seu compromisso com eleições limpas em novembro. Nos últimos cinco anos, cinco pessoas tiveram o posto dela e pularam fora. Não aguentaram a pressão.
Táticas diferentes para a reta final
Mesmo com a percepção de vitória de Kamala no debate, as campanhas trabalham com cenário de disputa voto a voto nos endereços mais decisivos — Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Arizona, Nevada, Geórgia e Carolina do Norte. A composição demográfica destes estados — com mais eleitores homens, brancos, velhos, sem diploma universitário e das zonas rurais do que a média nacional — beneficia Trump.
Mas dirigentes das campanhas concordam, reservadamente, que Kamala tem mais dinheiro no bolso, ânimo, voluntários e fiscais eleitorais. Com menos recursos, os republicanos apostam na repetição da tática vitoriosa nas primárias. Em vez de apostar todas as fichas nos indecisos, buscam cooptar também cidadãos desacostumados a votar, dos raros possíveis eleitores sem opinião calcificada sobre o ex-presidente. E que, dizem os republicanos, são ignorados pelos institutos de pesquisa. Creem terem encontrado neles o mapa da mina para a vitória.
A não ser, como repete Trump, ainda mais desafiador após o que pode ser a segunda tentativa de assassiná-lo nesta corrida eleitoral , “que a fraude nos vença”.
Fonte: O GLOBO
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