
A conta de luz dos brasileiros deve ficar mais cara a partir de setembro. O governo já está ciente de que a bandeira amarela na conta de luz deve ser acionada no mês que vem devido à queda no nível dos reservatórios com a seca em todo o país. Além do problema de curto prazo, deve começar a pesar mais para os consumidores os gastos com o acionamento de usinas térmicas para dar conta da demanda no horário de pico. E esta é uma segunda fatura, que será acertada no reajuste anual das distribuidoras de energia.
Em relação à bandeira amarela, uma taxa extra na conta de luz, a definição será feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) na próxima sexta-feira. A expectativa é que seja acionada em setembro, mas que não dure muito se as chuvas prometidas para o início do período úmido, em outubro, se confirmarem. O custo adicional da bandeira amarela é de R$ 1,88 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) de energia usados. Em agosto, a bandeira é verde, sem custo extra na tarifa.
Mas há outro movimento mais permanente que aumenta o custo de geração de energia no segundo semestre de cada ano, principalmente devido à mudança da matriz energética do país, com alta da participação da solar e eólica, que já responde por 31,4% da geração. Esse problema vem sendo enfrentado por outros países, mas tem ficado mais evidente no Brasil desde o ano passado e deve pesar no reajuste anual das distribuidoras em 2025.
Fontes intermitentes
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As duas fontes de energia renovável, embora mais sustentáveis do ponto de vista ambiental, são intermitentes, ou seja, têm grande variação de oferta, porque são dependentes da luz do sol e do vento. No caso da solar, há uma queda brusca da geração de energia no início da noite — e nem sempre a eólica está disponível neste momento.
Por isso, em um período curto de tempo, outras fontes precisam compensar a geração solar e atender a demanda maior. Tipicamente, dada às características do Brasil, as hidrelétricas cumprem este papel, principalmente as do Norte, como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio. Mas, na avaliação do governo, a ajuda que pode ser dada pela geração hidráulica já está no limite, principalmente nos períodos de seca, como o atual, em que os reservatórios ficam mais baixos e dificultam o funcionamento das hidrelétricas.
Dados do Operador Nacional do Sistema (ONS, que faz a gestão do sistema elétrico no país, que é quase totalmente interligado) mostram que entre 11h e pouco depois de meio-dia da última terça-feira, a geração solar colocou quase 30 mil megawatts (MW) no sistema. Pouco depois das 18h, essa geração estava abaixo de 100 MW — a média do consumo diário fica em 80 mil MW. O pico da demanda, acima de 91.000 MW, ocorre entre 18h e 19h, horário do tombo na geração solar.
A preocupação mais urgente é com a capacidade de geração de energia nos horários de pico em outubro, quando já está mais quente, o que aumenta o uso de ventiladores e ar-condicionado, mas as chuvas ainda não se consolidaram.
Prevenção a apagão
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Para evitar o risco de “apagão” nos horários de pico, o ONS pediu ajuda ao governo para que todos os instrumentos estejam disponíveis, entre eles as térmicas, que são mais caras. Uma das propostas é a antecipação da operação da térmica da Neoenergia em Pernambuco, inicialmente prevista para 2026.
— Hoje, o ONS tem todos os recursos na mão. Pode ser que venham picos de preço, porque o ONS usa esse recurso para atender os consumidores. Tudo que eu não quero é chegar em casa e estar sem luz — diz o presidente da consultoria Thymos, João Carlos Mello.
Ao contrário da última crise, em 2021, as usinas só são ligadas por cerca de seis horas em dias específicos, quando as hidrelétricas e as eólicas não conseguem compensar a queda brusca da geração solar no fim do dia. Há três anos, foram acionadas por seis meses ininterruptamente, já que a água dos reservatórios baixou para níveis mínimos.
— Não há um risco de faltar energia como em 2021 ou como no racionamento de 2001. Tem uma preocupação pontual para atender a demanda por energia nessas horas críticas — explica Diogo Lisboa, do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV.
O governo também tem avaliado outras medidas. Uma delas é o incentivo ao programa de resposta de demanda, quando o operador pede para grandes empresas consumidoras desligarem sua produção em determinado momento do dia para evitar estresse no sistema. Na avaliação de integrantes do Ministério de Minas e Energia, é preciso atuar nas duas pontas para conseguir administrar a situação, com a disponibilidade das térmicas e de grandes consumidores, como as indústrias.
Resposta da demanda
De acordo com a equipe do ministro Alexandre Silveira, o cenário “não é confortável”, porém não causa riscos ao sistema. É preciso fazer gestão de recursos, disse uma autoridade envolvida nos estudos. Levantamento do ONS em posse do governo demonstra uma coincidência de carga elevada e baixa geração nas usinas eólicas no fim da tarde e início da noite. Outra medida em estudo é a importação de energia da Argentina e do Uruguai.
Presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia e ex-diretor geral do ONS, Luiz Barata defende que o Brasil precisa avançar no programa de resposta da demanda, para não ficar tão dependente das térmicas, mais caras. Ele lembra que o deslocamento da produção de grandes consumidores de energia, como as indústrias, não é obrigatório, mas que tende a ser considerado vantajoso para não pagar mais pela energia.
— Precisamos buscar alternativas para aquelas pessoas que disputam se pagam a conta ou se compram comida. E os grandes consumidores só vão concordar em reduzir o consumo se não afetar o negócio.
Segundo Lisboa, da FGV, o Brasil está bem posicionado para o desafio atual, mas precisa garantir a disponibilidade de energia a um preço competitivo e não uma “disponibilidade a qualquer preço”.
A cota extra em setembro está na conta de vários analistas de inflação, mas a expectativa é de que o ano se encerre com bandeira verde, contando com bom volume de chuva a partir de outubro ou novembro. Se as chuvas não vierem, o nível dos reservatórios do Sudeste e do Centro-Oeste podem começar a preocupar.
Para Desirée Brandt, sócia-executiva e meteorologista da Nottus, as chuvas devem se consolidar em outubro, o que deve dar conforto para o setor elétrico. O economista-chefe do Banco BMG, Flávio Serrano, vê risco de 25% de que o ano termine com bandeira amarela, com impacto de 0,09 ponto percentual no IPCA. Ele projeta 4,20% para o índice deste ano, abaixo do teto da meta, de 4,5%.
Fonte: O GLOBO
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