‘Silveirinhas’, como são chamados os indicados do ministro, estão na mira de rivais do PT, que querem apeá-los dos cargos

As semanas que antecederam a eleição dos integrantes do novo conselho de administração da Petrobras foram de tensão no governo Lula, com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, brigando internamente com a Fazenda e o CEO, Jean Paul Prates, para manter seu indicado à presidência do colegiado, Pietro Mendes.

Semanas antes, o próprio Silveira declarou à Folha de S. Paulo que tinha tido a oportunidade de indicar diretores da Petrobras, mas preferiu não fazê-lo: "Não faço questão de indicar. Não tenho nomes pessoais para indicar. Não tem nenhuma disputa minha com relação a espaço político na Petrobras, nem do meu partido."

O ministro realmente não tem influência na diretoria, mas quem verifica a composição de conselhos e comitês da Petrobras descobre que ele colocou várias pessoas de sua confiança em postos estratégicos na companhia. Além dos três conselheiros que ele indicou, Silveira também domina os colegiados pelos quais passam todas as decisões importantes da Petrobras.

Hoje, 17 das 25 vagas em comitês da companhia, incluindo o conselho fiscal, são ocupadas por pessoas indicadas pelo ministro, de dentro e de fora da Petrobras. A presença deles é tão marcante na companhia que ganharam o apelido de "Silveirinhas". A remuneração varia de R$ 6.900 a R$ 39.000, a depender do comitê. A frequência das reuniões também varia, de uma a quatro por mês.

De olho nessa predominância de Silveira na estrutura da Petrobras, grupos da companhia ligados ao PT já levaram à Casa Civil do Palácio do Planalto levantamentos com os nomes de aliados que o ministro nomeou para os comitês. A ideia dos rivais do ministro é tirá-los dos cargos na próxima reunião do conselho, dia 24 de maio, numa disputa que pode voltar a tensionar o clima na empresa.

Alexandre Silveira tem maioria no Comitê de Auditoria Estatutária, no Comitê de Pessoas, no Comitê de Segurança e Saúde e Meio Ambiente, no Conselho Fiscal e indicou o presidente do comitê de investimentos, que assessora o Conselho de Administração nas decisões sobre planos de negócios e diretrizes estratégicas da empresa.

O ministro só não tem a maioria nos comitês de auditoria do conglomerado Petrobras e no de minoritários, que como o próprio nome diz não tem integrantes ligados ao acionista controlador.

No grupo estão cinco funcionários do Ministério – incluindo o chefe de gabinete de Silveira, Maurício Renato de Souza –, o marido de uma prima distante do ministro, o advogado Benjamin Alves Rabello, uma delegada de Polícia Federal, Cristina Camatta, irmã de um empresário da construção civil que doou R$ 70 mil reais à campanha de Silveira para o Senado em 2022.

Também estão nos colegiados o empresário Eugênio Tiago Chagas Cordeiro e Teixeira, o genro do presidente da Confederação Nacional dos Transportes, Clésio Andrade, e Daniel Cabaleiro, advogado ligado ao ex-governador Antonio Anastasia.

Embora os currículos de todos os indicados tenham sido verificados e aprovados pela estrutura de governança da companhia, fontes da Petrobras dizem que a avaliação, conhecida como Background Check de Integridade ou BCI, se ateve apenas à capacidade técnica dos indicados. Não chegou a avaliar se a indicação tinha cunho político ou se havia conflito de interesses.

Desde que essas verificações começaram a ser exigidas pela política de governança da empresa, com as mudanças implementadas depois do petrolão e da Operação Lava-Jato, os dossiês de integridade produzidos na companhia sempre levaram em conta a questão dos conflitos.

Consultada oficialmente, a Petrobras disse que os indicados para os comitês "passam por análise de cumprimento de requisitos de integridade, que deverão levar em conta, no entanto, a característica específica do Comitê que integrarão." Não respondeu, porém, se os indicados do ministro foram ou não avaliados sob esse critério, nem se houve alguma vedação à escolha de alguém.

No caso do Comitê de Pessoas (Cope), por onde passam as indicações para cargos de comando, tal lacuna já causou problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou a forma como o comitê foi composto "inadequada" e com vícios em função da “falta de independência” e do potencial conflito de interesses.

O diagnóstico está em um relatório sigiloso de dezembro de 2023 a que tive acesso, onde os técnicos da AudPetroleo, o setor que fiscaliza a Petrobras, afirmam que o regimento interno determina que pelo menos três dos cinco membros do comitê sejam independentes, mas o que ocorre é o contrário.

Três membros do Cope são diretamente ligados ao ministro – o chefe de gabinete, Maurício Renato de Souza; um consultor jurídico do ministério que também é presidente do conselho de administração da PPSA, Arthur Valerio Cerqueira, e Renato Galuppo, que advogou para Silveira junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e hoje é conselheiro de administração da Petrobras.

Também faz parte do Cope Fabio Veras, que foi secretário-adjunto de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais e diretor do Sebrae MG na gestão tucana de Antonio Anastasia, e que está em outros dois comitês. O quinto membro do Cope é o representante dos minoritários no conselho de administração, Marcelo Gasparino da Silva.

No parecer, que discute as mudanças feitas pela Petrobras em seu estatuto para poder driblar a Lei das Estatais, os auditores do TCU consideraram que a nova regra já estava contaminada por irregularidades desde o começo, primeiro por que a modificação só passou pela avaliação do Cope, que foi inconclusa, e depois por considerar que a composição do comitê já estava errada de saída.

Os técnicos alertaram ainda que a irregularidade "pode ensejar consequências graves para a estatal e para o interesse público, já que não só fragiliza seu sistema de governança como também poderá expor a companhia a questionamentos judiciais e/ou administrativos s sobre a conformidade da sua estrutura de governança, com potenciais prejuízos financeiros e/ou reputacionais.

As mudanças no estatuto da Petrobras chegaram a motivar uma medida cautelar do ministro do TCU Jorge Oliveira, impedindo o registro do documento. O ministro a revogou depois que a Petrobras apresentou um parecer da diretoria jurídica e alterou o texto do estatuto para deixar explícito que ele se subordina à Lei das Estatais. O caso, porém, permanece em aberto no tribunal, com diligências em curso.

A Petrobras não comentou as recomendações e providências do TCU. O Ministério de Minas e Energia também não quis comentar a concentração de indicações de Silveira nos comitês da petroleira.

Mudar a composição dos comitês, porém, é a intenção dos grupos que disputam poder com Silveira na empresa na reunião do próximo dia 24. Em tese, as próximas trocas só seriam feitas para substituir os conselheiros de administração que participavam de comitês e deixaram a companhia com a última eleição do colegiado.

Nos bastidores da companhia, fontes ligadas às negociações contam que desde o início do governo Lula houve um acordo para que Silveira indicasse seus três conselheiros, enquanto Jean Paul Prates e o PT dividiram a diretoria.

Foi por esse acerto que Prates nomeou os diretores financeiro, Sergio Caetano Leite, o de engenharia, tecnologia e inovação, Carlos Travassos, e o advogado-geral da Petrobras, Marcelo Mello.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad indicou o diretor de governança e conformidade, Mario Spinelli, e a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, apadrinhou a indicação de Maurício Tolmasquim para a diretoria de Transição Energética. A Federação Única dos Petroleiros, a FUP, patrocinou a indicação dos diretores William França (Processos Industriais e Produtos) , Joelson Mendes (Exploração e Produção) e Claudio Schlosser (Logística, Comercialização e Mercados). Já a diretora de Assuntos Corporativos, Clarice Copetti, é indicação do próprio Lula.

Sempre que questionado sobre suas indicações, o ministro costuma dizer a aliados que, com o campo tão minado internamente, colocar pessoas de confiança nos comitês teria sido a forma que ele encontrou de ser informado do que acontece no dia-a-dia da Petrobras e obviamente influenciar suas decisões para implementar seus projetos. Aparentemente, alguns grupos na companhia não estão nada onformados com tal estratégia. Se depender desse pessoal, os "Silveirinhas" terão problemas nos próximos dias .


Fonte: O GLOBO