Sete anos após o Regime de Recuperação Fiscal, debate agora é que somente regras de ajuste nas contas públicas não foram capazes de resolver o problema

Depois de sete anos do Regime de Recuperação Fiscal (RRF), o Ministério da Fazenda busca reformular o arcabouço que trata das dívidas dos estados e criar incentivos para apoiar a reestruturação das contas públicas dos governos locais sem que a discussão termine no Supremo Tribunal Federal (STF). A avaliação de integrantes da União, dos estados e de especialistas é que somente as regras de arrocho fiscal não têm sido capazes de equacionar o problema.

Na mesa, há a proposta de Juros por Educação do governo federal, que busca vincular a redução dos juros da dívida, demanda dos estados, a investimentos em ensino técnico profissionalizante. Os governadores têm ressalvas à medida, mas estão dispostos a chegar a um consenso. E o próprio governo busca outras opções e mudanças nessa proposta.



Diante da tragédia provocada pelas chuvas no Rio Grande do Sul, há o entendimento de que o novo modelo deve considerar “válvulas de escape” para emergências ligadas ao clima ou a questões de saúde, como a Covid-19. Em relação ao Rio Grande do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve bater o martelo hoje sobre o prazo de suspensão do pagamento. O estado quer que o período seja de dois anos, até 2026, incluindo encargos da dívida.

São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul concentram a maior parte da dívida com a União. Destes, somente São Paulo não solicitou adesão ao RRF, que completa sete anos no próximo domingo. O regime foi criado para auxiliar entes mais endividados a sair do fundo do poço, exigindo medidas de responsabilidade fiscal como contrapartida ao alívio no pagamento da dívida.

Em seu primeiro desenho, só o Rio aderiu, mas, após quatro anos, as regras foram afrouxadas e abriram caminho para a entrada de Rio Grande do Sul, Goiás e Minas.

Evitar judicialização

Desde 2023 os estados buscam melhores condições de pagamento. A regra geral prevê correção da dívida por IPCA + 4% ou Taxa Selic, o que for menor. Os estados classificam o parâmetro como abusivo.

Quando um estado deixa de pagar a dívida com a União ou os débitos com garantias federais, o Ministério da Fazenda pode executar contragarantias, como suspensão de repasses. Mas, nos últimos anos, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) impediram que isso fosse feito em relação a vários estados em dificuldades.

A Corte mediou negociações para inclusão ou continuidade de governos estaduais no RRF. É o caso de Minas, que tem esticado o prazo para cumprir as regras de adesão. Recentemente, o ministro do Supremo Dias Toffoli permitiu, em decisão liminar, que o Rio pague as parcelas da dívida sem as multas pelo descumprimento nos dois anos em que está no regime e limitou a parcela anual aos valores pagos em 2023. Neste ano, o montante a pagar caiu de R$ 9,6 bilhões para R$ 4,9 bilhões, segundo o governo do Rio.

A maior parte das dívidas estaduais tem origem na década de 1990. Após o Plano Real, os estados, que recorriam a organismos internacionais e emitiam títulos de seus bancos públicos para se financiar, quebraram. O governo federal assumiu e refinanciou a dívida, e a maior parte dos bancos estaduais foi extinta.

Uma parcela bem menor do passivo estadual é devida às instituições financeiras. Mas, todo mês, a União paga parte dessa dívida por meio da execução de garantias. No ano, a União quitou R$ 2,24 bilhões de débitos em atraso de entes subnacionais para estados como Minas Gerais e Rio.

Para o analista de contas públicas da Tendências Consultoria, João Leme, é preciso melhorar a teia de incentivos para o pagamento da dívida dos estados, de modo a privilegiar a responsabilidade fiscal e evitar a judicialização:

— Toda vez que dá problema, como sanções e travas do regime, os estados entram no STF, que tem jurisprudência consolidada a favor deles.

O Juros Pela Educação oferece taxas aos estados (de 2% a 3%), com a contrapartida de ampliação de matrículas no ensino técnico. Os valores serão acrescidos de correção pelo IPCA, segundo o secretário do Tesouro, Rogério Ceron. A meta é ter 37% dos jovens de 15 a 19 anos matriculados em escolas profissionalizantes.

O presidente do Comsefaz, comitê dos secretários de Fazenda dos estados e do DF, Carlos Eduardo Xavier, afirma que estados endividados têm problemas seríssimos de caixa por causa do ritmo de crescimento da dívida com a União. Embora tenha ressalvas ao Juros por Educação, avalia que é o melhor viés para o tema:

— O melhor viés é o que está se fazendo de reduzir os juros com contrapartidas em políticas públicas, não vinculadas a arrocho, que não têm funcionado, com juros abusivos.

No entanto, Xavier, que é secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, cuja dívida é baixa, avalia que mudanças são necessárias. Para os estados sem passivo substancial, a proposta não seria tão vantajosa. Os estados do Nordeste sugerem uma possível participação maior no Fundo de Participação dos Estados (FPE) ou um prazo maior para o pagamento de precatórios (dívidas judiciais para as quais não cabe mais recurso).

A secretária de Fazenda de Goiás, Selene Nunes, reclama que os juros são abusivos e impedem que a maioria dos estados no RRF consiga traçar um cenário de equilíbrio no futuro. Para ela, o problema do Juros por Educação é que os estados já estão estrangulados e não faria sentido usarem a economia para aumentar gasto.

Além disso, já há receitas carimbadas e a mudança demográfica tende a exigir mais gastos em saúde. Ainda assim, há tentativa de se encontrar um meio-termo:

— Estamos precisando de mais diálogo. Lamento que essas questões cheguem ao Judiciário, mas vão porque não tem diálogo no Executivo.

Tragédia sem precedentes

Em nota, o governo do Rio afirmou que a proposta não é adequada ao estado, “uma vez que não gera economia para o estado, apenas prevê um remanejamento para gastar obrigatoriamente com ensino profissionalizante integral os recursos que seriam usados para o pagamento da dívida”.

Além das disparidades regionais, a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, Vilma Pinto, diz que é necessário avaliar o impacto do ponto de vista de custo para a União e de impacto para as finanças dos estados.

Em evento do Valor semana passada, Ceron disse que o diferencial da proposta é “trazer a sociedade para o debate”.

O Rio Grande do Sul já vinha buscando reduzir os encargos da dívida com a União, que só no ano passado provocaram aumento da conta em R$ 10,4 bilhões. “Diante da maior tragédia climática da história do estado, será ainda mais crítico arcar com esse compromisso, mesmo estando o estado no RRF”, afirmou o governo.

O governo gaúcho diz que a suspensão do pagamento da dívida por prazo a ser definido e a revisão de seus encargos é crucial para voltar a investir. Em 2025, as projeções são de cerca de R$ 4 bilhões em pagamentos e mais R$ 1,8 bilhão seria remanescente deste ano. Em nota, defende a adoção de medidas que facilitem a aplicação dos recursos com agilidade e sem amarras fiscais.


Fonte: O GLOBO