Presidente Joe Biden bloqueou envio de bombas pesadas, por receio do impacto em zonas densamente povoadas; envios de outros armamentos deve continuar
— Na semana passada detivemos um carregamento de armas. Eram 1.800 bombas de 907 kg e 1.700 bombas de 226 kg — disse a fonte ligada à administração Biden sob condição de anonimato. — Ainda não tomamos uma decisão final sobre como proceder com esse envio.
A maior preocupação americana, disse o funcionário do governo, é com o impacto que "bombas mais pesadas" poderiam causar em áreas urbanas densamente povoadas, como Rafah. A administração Biden também revisa se deve bloquear futuras transferências, incluindo kits dos sistemas de bombas de precisão JDAM, que convertem as chamadas bombas burras em munições guiadas de precisão.
Apesar do bloqueio ao envio de bombas e a revisão sobre os equipamentos que serão repassados a Israel, os funcionários esclareceram que a suspensão não se trata de um corte no fornecimento de armas americanas ao principal aliado no Oriente Médio. Autoridades disseram que o governo acaba de aprovar a mais recente parcela de um pacote de auxílio militar ao país e pretende enviar "cada dólar" do dinheiro recém-aprovado pelo Congresso.
Por outro lado, a decisão de Biden corresponde à primeira vez que o governo utilizou o repasse de armas para tentar influenciar a abordagem israelense em Gaza. O alto funcionário que conversou com a imprensa internacional apontou que autoridades de Israel e EUA chegaram a discutir outras alternativas que não o bloqueio, mas que a decisão israelense de avançar contra a cidade do sul palestino pesou decisivamente.
— Essas discussões estão em andamento e não atenderam plenamente às nossas preocupações — disse. — À medida que os líderes israelenses pareciam aproximar-se de um ponto de decisão sobre essa operação, começamos a rever cuidadosamente as transferências de certas armas para Israel que poderiam ser usadas em Rafah. Isso [as conversas] começou em abril.
Pressão interna
A medida de restrição imposta por Washington acontece em um momento em que Biden enfrenta uma série de pressões pela atuação israelense em Gaza. Campi de universidades americanas se tornaram palco de protestos massivos pelo fim das hostilidades no território palestino, e mesmo parlamentares do Partido Democrata pediram ao presidente para impor um limite ou interrupção dos envios de armas a Israel. O peso político do conflito também é uma preocupação em ano eleitoral.
Também pressiona o presidente uma mudança na política de venda de armas que ele mesmo aprovou, em fevereiro de 2023, antes do início da guerra no Oriente Médio. Biden alterou resoluções sobre os bloqueios e entregas de armas a forças militares estrangeiras, a depender de suas atuações contra civis em tempos de guerra. A nova política determina que compradores que “mais provavelmente do que não” violarão a lei internacional ou os direitos humanos com equipamentos americanos não deveriam recebê-los. Anteriormente, a norma dizia que o governo americano precisava demonstrar “conhecimento comprovado” das violações.
Analistas apontam que as novas diretrizes, emitidas antes do início da guerra em Gaza, tinham o objetivo de ressaltar a nova ênfase aos direitos humanos na diplomacia americana, marcando uma oposição ao governo de Donald Trump. O secretário de Estado americano, Antony Blinken, chegou a emitir em agosto (também antes do início da guerra) uma ordem para que funcionários no exterior investigassem incidentes com armas americanas envolvendo civis e exércitos estrangeiros e recomendassem respostas que incluíssem a suspensão das entregas dos equipamentos.
Sem apresentar um motivo, o Departamento de Estado dos EUA confirmou que o prazo para entrega de um relatório ao Congresso sobre o uso de armas americanas por Israel, que se encerraria nesta quarta-feira, não será cumprido. O porta-voz do órgão, Matthew Miller, justificou que o prazo seria "autoimposto" e "não estatutário", mas há um entendimento de que qualquer decisão sobre Israel — minimizando ou condenando as ações do país contra civis — criaria um novo desafio político para Biden.
Biden discursa na cerimônia anual do Dia da Lembrança para os sobreviventes do Holocausto no Capitólio dos EUA, em Washington — Foto: Brendan SMIALOWSKI / AFP
Publicamente, Biden mantém o apoio público ao principal aliado no Oriente Médio — apesar das ressalvas sobre a ação contra Rafah. Em um discurso durante uma cerimônia de memória do Holocausto, na terça-feira, o democrata não mencionou sua decisão de reter as bombas e reiterou seu apoio a Israel.
— Meu compromisso com a segurança do povo judeu, a segurança de Israel e seu direito de existir como um Estado judeu independente é inabalável, mesmo quando discordamos — disse ele.
No começo do mês passado, quando a revisão apontada pela fonte já estaria em curso, o Congresso americano aprovou um pacote de ajuda militar a aliados estrangeiros no valor de US$ 95 bilhões (R$ 490 bilhões), incluindo US$ 15 bilhões (R$ 77 bilhões) para Israel. Washington anunciou que os itens incluídos deveriam priorizar capacidades defensivas, como o reabastecimento de sistemas de defesa antiaérea, como o Domo de Ferro. O auxílio estava associado a repasses de ajuda humanitária a Gaza. Não está claro se o repasse suspenso inclui itens do pacote mais recente.
Exército de Israel ordena retirada de ao menos 100 mil de área em Rafah, no extremo sul de Gaza — Foto: Arte/ O GLOBO
Inicialmente, Biden disse que não apoiaria uma operação de Israel contra Rafah que não incluísse um plano para minimizar efetivamente as baixas civis. Contudo, nas últimas semanas, a própria Casa Branca questionou se tal plano fosse sequer possível, considerando que quase 1,5 milhão de pessoas se deslocaram para a região.
Israel afirmou que a entrada por terra em Rafah na terça-feira se tratava apenas de uma operação limitada e indicou que estaria seguindo em direção ao pedido inicial americano. Forças israelenses ordenaram a retirada de ao menos 100 mil civis de Rafah, em zonas específicas da cidade, e indicaram uma zona segura para deslocamento.
ONGs e órgãos internacionais que atuam na cidade, contudo, disseram que os avisos eram ineficazes e prejudicariam os cidadãos palestinos. Dois hospitais importantes ficam na região. (Com AFP e NYT)
Fonte: O GLOBO
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