Você se considera candidata de esquerda, centro ou direita?

Eu me considero uma pré-candidata de centro, mas acho que esses nomes simbolizam muito pouco hoje em dia. Não estou preocupada com o rótulo que as pessoas querem colocar, se é de social-democracia ou liberal-progressista. O mais importante é que saibam quais são os pilares da minha visão de mundo. O que me move é o combate às desigualdades.

O que fazer para não repetir o desempenho de Simone Tebet, que tentou se apresentar como terceira via e teve apenas 5% dos votos?

Detesto o termo porque a gente tem muita convicção que vai estar no segundo turno, e a terceira via nasceu para chegar em terceiro lugar. Mas o contexto é bem diferente. As eleições municipais nas grandes capitais não vêm favorecendo candidatos da polarização. São Paulo não elegeu um candidato nem do Lula nem do Jair Bolsonaro em 2020, Eduardo Paes, no Rio, e João Campos, em Recife, são outros exemplos. 

Não estou aqui para dizer que não sou Nunes nem Boulos, até porque o nosso projeto é muito melhor e não é baseado numa negação desses dois. A gente está aqui para dizer que esse caminho raso da polarização, de brigar com todo mundo, não é o nosso.

Há algumas semanas, o marqueteiro Pablo Nobel deixou sua pré-campanha e houve relatos até de não pagamento pelos trabalhos prestados pela agência. Não ter um profissional da área a essa altura do jogo eleitoral não sinaliza uma fraqueza da campanha?

Não é verdade. Tínhamos um contrato, fizemos os pagamentos e decidimos não continuar. Se for necessário um debate jurídico com notas fiscais, estamos muito tranquilos com a nossa posição. Teremos novidades em breve, estamos conversando com outros estrategistas. Agora, um aspecto impõe limitações morais e financeiras para a gente que os demais não têm. Das principais candidaturas, temos uma campanha sem caixa dois e é a única que não é de máquina.

Boulos é candidato da máquina?

Sim, da federal.

Suas críticas, contudo, têm sido concentradas no Nunes, poupando o pré-candidato do PSOL. É uma estratégia?

Já fiz inúmeras críticas ao Boulos, como nas falas inconsequentes — para não usar um termo mais duro — em relação à Venezuela e ao Hamas. Também entrei na Justiça quando ele publicou uma pesquisa excluindo meu nome. Aqui não vai ter nenhuma covardia, sempre que houver alguma colocação equivocada ou eu veja uma oportunidade de pontuar uma diferença, falarei. Mas lembro diariamente que o Boulos é só um deputado. O prefeito hoje é o Nunes.

Nunes e Boulos já te chamaram para conversar e combinar apoio em um eventual segundo turno?

Nunca sentei para conversar com nenhum dos dois. Se eu achasse que Nunes ou Boulos seriam bons candidatos, estaria apoiando um dos dois. Combinar um joguinho não faz sentido para mim.

Carlos Siqueira, presidente do seu partido, o PSB, já fez várias críticas ao Lula. Disse que ele não sabe ouvir os aliados, chamou a mudança do Márcio França de ministério de “incivilizada” e atacou a reunião com Nicolás Maduro. Você concorda com essas críticas?

Concordo e tenho muita alegria de ser liderada no PSB por alguém independente, corajoso e com convicções tão claras. Apoiamos o presidente Lula e o governo federal, mas somos um partido com visão de mundo diferente. Um marcador muito distinto nosso é a forma como enxergamos ditaduras de esquerda mundo afora. A gente não critica ditadura só de direita, não.

Em 2019, você foi muito criticada por ter votado a favor da reforma da Previdência, por supostamente ter traído a esquerda e seu então partido, o PDT. Se arrepende?

De jeito nenhum. O PDT defendeu a reforma da Previdência durante toda a campanha de 2018. Quem mudou de opinião por razões eleitoreiras foram as lideranças do meu antigo partido. O Lula fez uma reforma da Previdência, a Dilma também tentou fazer a dela, e hoje no Planalto não se admite mais que ministros falem sobre desfazer a reforma (feita pelo ex-presidente Michel Temer). 

Há um envelhecimento da população brasileira e, se não tivermos coragem de fazer debates importantes e duros como esse, faltará dinheiro para educação, segurança e saúde. Não mudo de discurso porque mudou o vento.

Um dos cotados para ser seu vice é José Luiz Datena, recém-filiado ao PSDB. Você está alinhada com o discurso “linha-dura” dele na área da segurança pública?

O Datena é sério no combate à criminalidade e não tem rabo preso. O que ele faz é chamar a atenção para esse tema, algo que historicamente apenas a extrema direita faz. Vejo o Datena muito mais ao meu lado nessa liderança política de comunicação com a população. Nosso projeto vai focar em compartilhamento de informação e de investigação. 

A prefeitura tem também um papel importante de cuidar da iluminação, apostando em cultura e esporte, abrindo as escolas à noite e nos fins de semana. Por isso, gostaria muito que o Datena assumisse essa posição de vice. É meu desejo e do PSDB também.

Mas qual o atrativo de ter o PSDB ao seu lado diante de um quadro em que o partido foi dizimado na Câmara Municipal nesta janela partidária?

Uma das muitas razões para eu ter diálogos tão avançados com o PSDB é porque eles são dos poucos partidos que toparam fazer um debate em torno de um projeto de cidade. Além disso, o PSDB reúne quadros muito valorosos. A ética, a visão da cidade e o posicionamento de juntar o social e o fiscal nos aproximou deles. Essa é uma campanha que quer fazer um debate da cidade e não de dinheiro e cargo. Isso acaba reduzindo automaticamente o espectro de partidos com os quais eu posso dialogar.

Quando passou pela prefeitura, Fernando Haddad teve esse tipo de dificuldade e só conseguiu criar uma base colocando partidos no secretariado, mesmo mecanismo usado pelo atual prefeito Ricardo Nunes. Não acaba sendo um modelo inevitável para conseguir apoio?

Política e técnica caminham juntas. Eu não gosto dessa visão de que você ou é a pessoa 100% técnica, que ignora política, ou que você é alguém que só olha pra política e ignora a técnica. Sim, espero governar com outros partidos e isso não quer dizer que vai ser uma carta em branco. 

O certo é virar para o partido aliado e dizer ‘você vai indicar a secretaria X, mas tem que ser uma mulher, tem que ser alguém formado na área, ou um homem que tenha uma reputação ilibada’. E isso é possível de ser feito, aconteceu com o José Serra e com o Gilberto Kassab quando passaram pela prefeitura.

Você tem origem na periferia, mas na última eleição teve desempenho melhor em bairros mais ricos. Como conquistar mais voto nas regiões pobres?

Sim, eu sou mais conhecida na classe A, que é quem consome mais conteúdo político. O desafio é ser conhecida e falar para um público que não tem tempo de ler jornal. Venho percebendo que, quando consigo me apresentar, a intenção de voto vem.

Caso seja eleita, pretende incluir alguma baliza de gênero ou raça para compor o secretariado?

Eu tenho o compromisso de ter a metade do secretariado composto por mulheres.

A cracolândia é um problema de 30 anos em São Paulo, todos os governantes já tentaram várias abordagens e não resolveu. A sua proposta é de uma linha mais de redução de danos e voltada para o social ou focado na internação compulsória?

A população já entendeu que quem vier com resposta fácil para a cracolândia está mentindo. Não há solução simples, nem bala de prata. O que estamos montando tem como inovador olhar para tudo isso ao mesmo tempo, com honestidade para entender que é complexo. 

Tem bandido na cracolândia, mas há um problema de saúde pública. Ter apenas 1.542 leitos de psiquiatria não faz nem cócegas. É claro que a gente precisa fazer o trabalho ostensivo também, sempre respeitando os direitos das pessoas. Agora, sem inteligência, a gente está só expondo as forças policiais.

Você já criticou o prefeito por colocar apenas na Enel a culpa pelos apagões, mas a concessão de energia não é municipal, e sim federal. Qual é o papel da prefeitura em relação à prevenção de apagões?

O contrato (da Enel) é mal desenhado, a empresa não está fazendo um bom papel, mas o que foi que ele (Nunes) fez nos últimos anos? Quais foram as reivindicações que ele levantou? Temos que fortalecer a SP Regula, porque numa cidade como São Paulo, cada vez mais, vamos ter que saber escrever bons contratos e fiscalizá-los. 

O futuro vai trazer mais concessões, PPPs, e a gente não pode demonizar, dizer que é ruim porque é privado. Sim, precisaremos rever o contrato com a Enel, que não está fazendo bom trabalho.

A cidade tem uma série de equipamentos concedidos à iniciativa privada, desde cemitérios ao Parque Ibirapuera. Qual sua opinião sobre as concessões?

Quando a gente fala da participação do privado, tem algumas poucas áreas que eu acho que a gente tem que proteger: educação, saúde e segurança. Contratos bem-feitos podem ajudar muito a cidade porque a gente tem muito problema para resolver, o privado tem mais agilidade, mais criatividade e pode sim ajudar no desenvolvimento. O problema é quando o contrato não é bem-feito, o dinheiro desviado e a fiscalização não acontece.

Pretendo manter, mas quero debate mais honesto com a população do que o Boulos e o Nunes. A gente coloca hoje R$ 10 bilhões no transporte público, e continua tendo problemas graves. É eleitoreiro e desonesto meus adversários falarem em tarifa zero na íntegra. Eles sabem que não vão conseguir implementar.

Série de entrevistas

O GLOBO inicia hoje a série de entrevistas com pré-candidatos às prefeituras de São Paulo e Rio. Serão entrevistados os três primeiros colocados da corrida paulistana na última pesquisa Datafolha.


Fonte: O GLOBO