Tarcísio Motta diz contar com parte significativa de siglas como PT, PDT e PSB; chama o atual prefeito de ‘oportunista’ e afirma que não abandonará bandeiras como a legalização das drogas para ganhar a eleição

O PSOL, que sempre enfrenta a acusação de que não tem experiência em gestão, ganhou a prefeitura de Belém, e hoje o prefeito Edmilson Rodrigues é muito impopular. Não fica difícil convencer o eleitor de que o partido tem capacidade de administrar uma grande cidade?

Primeiro temos que entender que o Edmilson é prefeito pela terceira vez. O problema dele hoje não é por falta de gestão. Ao contrário: foi reeleito, teve altos índices de popularidade em outros momentos. Hoje enfrenta um governo com muitas dificuldades econômicas e problemas na questão do lixo.

Acredito que ele vai recuperar a popularidade e ser muito competitivo na eleição. Agora, esse debate sobre falta de experiência é curioso. Significa então que o Rio vai ter que ser governado sempre pelo mesmo grupo, a mesma panelinha?

O grupo do prefeito Eduardo Paes caminha para ter o apoio de todos os partidos de esquerda em outubro...

Nós queremos convencer o eleitor de esquerda a votar na gente, e temos apoios de partes significativas de PT, PCdoB, PV, PDT e PSB.

Marcelo Freixo, seu ex-colega de partido, caminhará com Paes na campanha eleitoral?

Se fizer isso, vai ter que explicar a contradição que pode significar para muitos de seus eleitores. Paes é um grande oportunista político, muda de posição conforme o vento. Apoiou o golpe contra Dilma (Rousseff) em 2016 e só foi de Lula no primeiro turno de 2022 quando muitas pesquisas apontavam que ele poderia ganhar ainda no primeiro turno. 

Ele segue vendendo a ilusão de que pode dar a vice para o PT, quando até as pedras da calçada da Cinelândia sabem que vai ser alguém dele na posição. Além disso, vai usar a prefeitura do Rio como trampolim para concorrer a governador. Por isso, eu quero muito o Freixo no meu palanque.

Acha que Freixo traiu a esquerda em 2022 ao deixar o PSOL e fazer uma série de inflexões, como se dizer contra a legalização das drogas?

Ele pensou no que era preciso fazer do ponto de vista programático para ganhar a eleição. É legítimo, mas equivocado. Sou a favor da legalização das drogas, é uma posição histórica minha e do PSOL. Não vamos mudar essa lógica para tentar ganhar uma eleição. O eleitor quer credibilidade, não falsidade.

Está dizendo que ele soou falso na eleição passada?

O Freixo é um importante aliado, mas aquela foi uma campanha que não mobilizou e nem cativou as pessoas. Ele fez a leitura de que para convencer o eleitor precisava modelar o discurso. Todo político, assim como todo professor, precisa traduzir o que pensa. Mas essa tradução precisa ser verdadeira e correta. Eu não vou modular porque uma opinião é impopular. Se for, significa que preciso explicar melhor. Não vou abrir mão de uma ideia para ganhar um voto, estaria enganando o eleitor.

Pretende usar o caso Marielle na campanha?

É claro. É preciso derrotar o modo miliciano de governar, que faz parte desse marco de poder. Não dá mais para conviver com prefeitos que botam milicianos no secretariado ou políticos que homenageiam milicianos.

O senhor se refere a Chiquinho Brazão, acusado de ser mandante do homicídio, ter sido secretário de Paes. A partir do momento que a ministra Anielle Franco, irmã de Marielle, se filia ao PT e deve apoiar o prefeito, esse fator não acaba sendo neutralizado?

Nós sabemos que o compromisso da Anielle com a memória da irmã segue muito firme e importante. Nós, com todo o respeito, discordamos do apoio ao Paes. Nós, do PSOL, não vamos subir no mesmo palanque daqueles que estiveram próximos de quem mandou matar a Marielle. Essa é uma questão central.

Suas críticas estão bastante concentradas no Paes. É ele o principal adversário a ser combatido ou Alexandre Ramagem do PL?

Nosso principal inimigo é o ódio e a mentira, a desinformação, a falta de ética, algo muito presente na extrema direita. Mas, no Rio, existem vasos comunicantes entre esses grupos políticos. As milícias, por exemplo, sempre tiveram ligações com a extrema direita e, ao mesmo tempo, presença no secretariado do Eduardo Paes.

Isso significa que precisamos apostar na mudança. A extrema direita tenta se apresentar como antissistema, mas não é a solução. Além disso, o espião ilegal Ramagem monitorou ilegalmente adversários políticos. Vamos contar isso para as pessoas. Alguém que usou a máquina pública para espionagem não merece ser prefeito do Rio de Janeiro.

Com falas tão fortes contra os dois, caso não esteja em um segundo turno, vai conseguir apoiar alguém?

Essa pergunta tem que ser feita para o Ramagem que vai estar fora do segundo turno e, aí sim, poderemos fazer um excelente debate. Isso quer dizer que eu considere Paes igual a Bolsonaro? Não, não acho. Paes na verdade é Michel Temer, o golpismo que dá origem a Bolsonaro.

Não teme que sua candidatura desidrate por causa de um “voto útil” nele já no primeiro turno?

Essa eleição será de dois turnos. É o que demonstra o cenário com diversas candidaturas colocadas. Com exceção de 2012, quando o número de candidaturas era bem menor, o Rio leva eleições para o segundo turno, inclusive com o Paes em 2020. O primeiro turno é aquele voto de confiança, no programa. No segundo, sim, vota-se no “menos pior”. Por que antecipar isso?

Do ponto de vista de cidade, quais serão suas principais bandeiras na campanha?

Quero apresentar uma tripla revolução. A primeira é a urbana, que significa olhar de forma completamente diferente para o território da cidade: trabalho, emprego e renda. Tem também a revolução educacional. 

Sou professor e sei do potencial transformador da educação. Ao mesmo tempo, precisa-se de uma revolução ecológica. O colapso climático global não é algo do futuro, é do presente. O licenciamento ambiental não pode continuar subordinado à lógica do mercado, de um suposto desenvolvimento econômico.

A segurança, apesar das polícias serem estaduais, é uma preocupação enorme do carioca. Não entra nesses seus três pilares?

A segurança está dentro da revolução urbana. Pensar numa cidade onde se circule com mais liberdade, onde se tenha mais emprego, renda e moradia, é uma cidade mais segura. O município não pode abrir mão do debate da segurança pública, que não é só polícia, é garantia de direitos.

Muito se fala sobre o papel da guarda municipal nas campanhas de todo o país. Como será a sua?

Com certeza não será armada. Fazer isso é deixar a população mais sujeita a tiroteios, balas perdidas, isso não resolve o problema. Ela não pode ser reduzida a bater em camelô, artista de rua e entregador. Nem os guardas querem isso. Eles querem condições de trabalhar, plano de carreira e nos ajudar a organizar a cidade sem essa lógica de violência.

De que maneira evitar que enchentes, como as que atingem o Rio Grande do Sul, se repitam no Rio?

Não dá para a cidade continuar subordinada ao licenciamento ambiental, à lógica do mercado de um suposto desenvolvimento econômico que continua a nos deixar vulneráveis diante dos eventos climáticos extremos. 

Quando presidi a CPI das Enchentes, fizemos um relatório de mais de 500 páginas com 105 recomendações e grande parte sequer foi olhada pela prefeitura. Temos uma Defesa Civil sucateada. Em 2013, o investimento era de R$ 19 milhões e hoje, dez anos depois, de R$ 15 milhões. Não tem concurso público, os técnicos que lá estão vão se aposentar e a cidade vai perder a memória.

Se eleito, como será a relação com o governador Cláudio Castro, hoje aliado do bolsonarismo?

A relação de um prefeito da maior cidade da região metropolitana tem que ser institucional e republicana. Quando fomos colegas na Câmara, sempre nos respeitamos. Sei que só resolveremos o problema da saúde pública no Rio com integração. 

Agora, vamos cobrar. Queremos, por exemplo, revisar os contratos de concessão da Cedae na cidade. O saneamento é responsabilidade do município. Mas que fique claro: não entrarei numa prefeitura para ficar brigando com o governador. Até porque o governo Castro é desastroso e está até ameaçado de ser cassado.

Série de entrevistas

O GLOBO inicia nesta terça-feira série de entrevistas com pré-candidatos à prefeitura do Rio. Foram convidados, além do prefeito Eduardo Paes, os que tiveram seu nome lançado em evento partidário e cujas siglas têm as maiores bancadas na Câmara Municipal.


Fonte: O GLOBO