Cinco gestores municipais descrevem as dificuldades enfrentadas durante a catástrofe climática que assola o Rio Grande do Sul

Prefeitos do Rio Grande do Sul que lidam há dias com as enchentes relatam ao GLOBO diferentes tipos de drama. A catástrofe climática que deixou 107 mortos até ontem registra histórias como a do chefe do Executivo municipal de São Leopoldo, que perdeu a casa — e precisou, durante a gestão da crise como gestor público, lidar com a dor de ver o próprio lar debaixo d’água.

Cidades inteiras, caso de Eldorado do Sul e Gramado, passaram por ordens de evacuação. Em outras, como Lajeado e Novo Hamburgo, regiões críticas tiveram casas devastadas e vão precisar de quantias superlativas de dinheiro para se reerguerem.

A demanda por investimentos federais e estaduais nos municípios, inclusive, perpassa o relato de todos os prefeitos. Cobra-se maior celeridade na liberação de recursos e no anúncio de medidas para enfrentar a tragédia — seja para ações emergenciais ou planos de reconstrução das cidades no futuro próximo.

O balanço da Defesa Civil gaúcha traz outros números impactantes, além dos mortos pela tragédia. São 327 mil desalojados, 68,5 mil pessoas em abrigos e 134 desaparecidos.

No total, 1,7 milhão de moradores foram afetados em 431 municípios — o estado tem 497, e a proporção de atingidos ajuda a ilustrar a dimensão do problema, considerado o maior da história gaúcha.

Em algumas das ligações para colher os depoimentos dos prefeitos, a internet caía e a ligação travava, também fruto dos impactos das enchentes para a infraestrutura das cidades.

São Leopoldo

Prefeito de São Leopoldo publicou foto da própria casa debaixo d'água — Foto: Reprodução

A dor de ver a perda alheia já era grande, mas o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi (PT), vive algo maior durante as enchentes no Rio Grande do Sul. Viu a própria casa ficar apenas com o telhado para fora d’água.

— Hoje, quando falo disso, não falo como alguém que viu, e sim como alguém que está sentindo na pele a dor — diz. — O reflexo disso tudo, além de social, tem um peso muito poderoso no emocional. Uma tragédia como essa é difícil de recuperar. Estamos com psicólogos para conversar com as pessoas, tentando reanimá-las para que haja uma situação melhor. As pessoas ficam doentes. Eu estou nessa mesma situação.

Além das casas, a infraestrutura municipal teve perdas que vão demandar uma ampla reconstrução.

— Perdi 18 escolas, tudo debaixo d'água, 16 postos de saúde também. As ruas da cidade vão sair dessa enchente deficitárias e com muitos problemas de mobilidade urbana — aponta Vanazzi. — Temos dois diques que foram destruídos. Só para a recuperação deles e das bombas de água vou precisar de R$ 30, 40 milhões para fazer voltar a ter uma certa funcionalidade.

O prefeito ainda não consegue dimensionar o total de dinheiro necessário para a cidade. Correligionário do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele defende que o governo priorize agora a ajuda emergencial e, depois de um plano de trabalho mais detalhado, ajude a financiar a reconstrução dos municípios.

— Estamos numa situação muito difícil. Essa tragédia a que foi submetido o estado e nossa cidade é a maior de toda a nossa história. São cerca de 180 mil desabrigados e mais de 13 mil em albergues, praticamente dois terços da população do município — diz.

Lajeado

Apenas a Estátua da Liberdade da loja da Havan ficou sobre a água em Lajeado, no Rio Grande do Sul — Foto: Reprodução Redes Sociais / Havan

Quando a reconstrução das perdas de setembro do ano passado não havia sequer começado, veio a água e destruiu mais ainda a cidade de Lajeado. O prefeito Marcelo Caumo (PP), que estava de férias no momento em que as notícias sobre a possibilidade de uma nova tragédia começaram a pulular, conta que o estrago de 2023 fez com que 300 casas fossem prometidas ao município via Minha Casa Minha Vida. Agora, estima precisar de 500 no total.

— Passados oito meses, não tem um tijolo ainda daquelas 300 casas. O sistema é muito burocrático. Vai precisar mudar o regramento, senão no momento em que as pessoas mais precisam não vamos conseguir as respostas. A Caixa precisa tirar as amarras neste momento de calamidade — afirma.

A cota de inundação do rio Taquari, que normalmente tem entre cinco e seis metros de profundidade, é de 13 metros. Nos últimos dias, chegou a 33 — portanto, mais que o dobro do aceitável. Há 1300 desabrigados.

— Estamos numa nova etapa agora. As pessoas de Lajeado foram salvas e estão abrigadas em abrigos públicos ou casas de parentes. O desafio agora é de reconstrução — diz.

Gramado

Destruição por conta das chuvas em Gramado (RS) — Foto: Divulgação

Localizada na Serra Gaúcha, Gramado tem dois desafios depois das enchentes que fizeram a população precisar deixar as casas e causaram sete mortes. O primeiro, claro, é reconstruir as áreas que passaram por deslizamentos e deixaram moradores desabrigados. Mas há também a necessidade de retomar o turismo, principal motor econômico do município.

— Nossa dificuldade como perfeito é muito grande, ainda mais sendo uma cidade que tem o Brasil inteiro de olho, que tem o turismo como principal atividade — afirma o prefeito Nestor Tissot (PP). — Nossa área central, onde acontece o turismo, não sofreu problema nenhum. Está bonita, florida. Mas cancelamos eventos, e vamos ver adiante como resolvemos.

O dinheiro necessário para retomar as perdas de infraestrutura é cerca de R$ 40 milhões, avalia a prefeitura.

— O impacto é bastante grande. Neste mês de maio vamos sofrer muito, algo muito parecido com a pandemia no aspecto econômico. Estamos voltando para o mesmo período, mas por outro problema.

Na pandemia, diz o prefeito, ao menos a dor era compartilhada com o mundo inteiro. Agora, apesar da solidariedade do restante do país, o “Rio Grande do Sul agoniza sozinho”.

Novo Hamburgo

Novo Hamburgo debaixo d'água após as chuvas — Foto: Divulgação

A prefeita de Novo Hamburgo, Fátima Daudt (MDB), é formada em arquitetura e urbanismo e, na especialização em planejamento urbano, decidiu estudar os impactos das crises climáticas para as cidades. Hoje, sente na pele a urgência do que estudou. O município viu o Rio dos Sinos transbordar a ponto de deixar todo o bairro de Santo Afonso debaixo d’água.

— Meus técnicos me falaram da possibilidade de transbordo do rio para cima do dique, que impacta 19 mil pessoas. A possibilidade era gigante, e logo depois iniciamos operação para evacuar todo o bairro Santo Afonso. Evacuamos um total de 12 mil pessoas na manhã de sexta-feira (3), e logo depois iniciou o transbordo — conta. — Hoje estamos com toda aquela região totalmente inundada, só aparecem os altos das casas. Lógico que ficaram algumas pessoas, porque o dique existe desde a década de 1970 e alguns não acreditavam que transbordaria. Precisamos resgatá-las com barcos e bombeiros depois.

A permanência da água em níveis altos dificulta a análise dos estragos. A prefeitura ainda não sabe, por exemplo, o quanto da rede de saneamento foi destruída. Hoje, cerca de 6,6 mil pessoas estão nos abrigos da cidade.

Fátima Daudt alega que obras de drenagem feitas nos últimos anos ajudaram Novo Hamburgo a reduzir os impactos da tragédia. E clama por um futuro próximo em que as cidades, mas também a União, levem a sério os projetos de mitigação dos impactos climáticos.

Precisa ter um olhar dos governos municipais para as medidas de adaptação nas cidades, para que se tornem mais resilientes. Mas precisamos de um comando federal também; que o governo federal puxe esse assunto não apenas quando há um evento climático severo. Precisa haver política pública efetiva.

Eldorado do Sul

A cidade de Eldorado do Sul (RS) — Foto: Nelson ALMEIDA / AFP/ 09-05-2024

Todo o município de Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, está tomado pela água. Na terça-feira, veio a ordem: os 42 mil moradores precisariam deixar a cidade.

Não há água, tampouco energia elétrica. Por outro lado, os saques começaram a ser frequentes.

A retirada das pessoas se dá de diferentes formas: helicópteros, ônibus e caminhões — “do jeito que dá”, como classificou o prefeito Ernani de Freitas (PDT) ao portal “UOL”.

Elas são levadas a abrigos em Guaíba, Mariana Pimentel, Sertão Santana, Barra do Ribeiro, Porto Alegre e Gravataí.

— O objetivo é levar todo mundo para onde tem segurança e sem largar ninguém – diz o prefeito.

A previsão não é nada otimista: a cidade deve permanecer alagada por mais dez dias.

— Muitas estão sendo abrigadas nessas regiões e elas estão recebendo suporte. Há notícias de pessoas, inclusive, que querem voltar para Eldorado do Sul, mas a condição é muito grave. Está totalmente alagada — afirmou a tenente Sabrina Ribas, da Defesa Civil do estado, também ao portal.


Fonte: O GLOBO