No desastre da Região Serrana do Rio em 2011, em duas das três cidades mais atingidas houve mudanças nas prefeituras

Com a maior frequência de eventos climáticos extremos, como as enchentes no Rio Grande do Sul, estudos no Brasil e no exterior mostram que eleitores de localidades que passam por desastres ambientais tendem a votar menos nas autoridades que estão no poder no momento da tragédia. Tanto em eleições nacionais quanto internacionais, há exemplos de governantes com dificuldades para se reeleger ou de eleger um sucessor relacionadas à sua conduta na crise. As análises, entretanto, divergem se os eleitores recompensam ou não medidas de prevenção adotadas por políticos.

De acordo com dados do EM-DAT, base de dados mantido pelo Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia de Desastres, desde 2000 o Brasil já passou por 158 desastres naturais, que vão desde enchentes como a do Rio Grande do Sul até epidemias, como as de febre amarela ou dengue. No período catalogado, o evento com mais mortes foram as chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, que deixou mais de 900 vítimas.

Em 2020, pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) avaliaram o impacto desses desastres naturais em eleições locais. O foco do estudo foi o histórico de votos no estado do Rio de Janeiro, que até então concentrava 66% das mortes por desastres hidrológicos — inundações, enchentes e alagamentos — entre 2000 e 2014. O cruzamento dos dados levou à conclusão de que a ocorrência das tragédias climáticas apontava também para uma votação menor para o prefeito que estava no cargo nas cidades atingidas.

As pesquisas sobre o tema concluíram que os desastres naturais estão entre os fatores que foram levados em conta na hora da decisão do voto. As análises partiram de um pressuposto da ciência política: a de que os eleitores votam de forma retrospectiva, isto é, julgando o trabalho feito pelos governantes.

Segundo os resultados obtidos, um episódio de chuva intensa (acima de 100 mm por dia) indica uma redução de 1,8 a 3 pontos percentuais no voto do prefeito que está no cargo. No caso das chuvas da Região Serrana do Rio em 2011, por exemplo, em duas das três cidades mais atingidas, Teresópolis e Petrópolis, houve mudança no grupo político que comandava a prefeitura nas eleições do ano seguinte, em 2012.

— Nós catalogamos dados de chuva, dados do censo sobre a infraestrutura urbana, como acesso a esgoto, vegetação, e com dados eleitorais do TSE de onde ficam as urnas, as seções eleitorais e o número de votos. E com isso foi possível fazer análise do efeito de desastres naturais sobre o voto no prefeito que está tentando sua reeleição. A conclusão é que prefeitos são mais punidos naquelas seções eleitorais afetadas pelas tragédias — afirma André Albuquerque Sant'Anna, economista e professor colaborador da Universidade Federal Fluminense, um dos autores do estudo.

Outros episódios que evidenciaram esse impacto eleitoral ocorreram em São Paulo. Em 2004, um dos principais temas da campanha à reeleição da então prefeita da capital paulista, Marta Suplicy (PT), foram as enchentes na cidade. Em março daquele ano, a aprovação dela caiu de 32% para 22% em três meses, com o percentual de eleitores apontando os alagamentos como o maior problema da cidade indo de 5% para 15%, segundo pesquisa Datafolha realizada à época.

Em 2016, enchentes também atingiram cidades da Região Metropolitana de São Paulo, como Mairiporã, Francisco Morato, Itapevi, Guarulhos e Cajamar, com 30 mortos. Nas cinco cidades houve mudança de governo na eleição.

Nem sempre, contudo, os desastres naturais significam uma derrota eleitoral. Em março de 2020, chuvas deixaram 60 mortos na Baixada Santista, em São Paulo, atingindo principalmente Guarujá, Santos e São Vicente. Apenas na última cidade houve mudança no grupo que comandava a prefeitura.

Especialistas, entretanto, destacam que o resultado eleitoral está sujeito a diversos tipos de pressões e não podem ser atribuídas unicamente a um evento. Em 2016, por exemplo, o PT passava por sua maior crise em razão das investigações da Operação Lava-Jato, o que levou o partido a perder diversas prefeituras. Em 2020, a resposta à pandemia do Coronavírus também afetou as eleições.

Além dos dados sobre as eleições, os pesquisadores identificaram que a punição ao governante depende também da situação de vulnerabilidade prévia do eleitor. Em outras palavras, os dados apontaram que eleitores que já moram em locais com falta de tratamento de esgoto ou coleta de lixo, por exemplo, não apresentaram índices tão altos de punição dos governantes após tragédias. “Onde a vulnerabilidade é maior e a ocorrência de desastres naturais é mais comum, o problema se torna menos relevante do ponto de vista do eleitorado local”, afirmam os pesquisadores.

Outros países

A conclusão é reforçada também por estudos internacionais. Uma pesquisa realizada por dois pesquisadores de Taiwan e dos Estados Unidos detectou o impacto de desastres naturais com base em ocorrências em 156 países entre os anos de 1975 e 2010. A conclusão foi que a ocorrência dos eventos climáticos aumenta a probabilidade de que os governos sejam substituídos. A análise mostrou ainda que quanto mais pessoas são afetadas pela tragédia, seja em número de mortes ou extensão dos danos, maior é a chance de que o político seja punido nas urnas.

Em 2021, por exemplo, o Partido Verde, na Alemanha teve o maior crescimento da sua história exatamente dois meses após enchentes atingirem diversas regiões do país. Na ocasião, 196 pessoas morreram no país. Na eleição daquele ano, os Verdes foram de 67 cadeiras no Parlamento para 118, um aumento sem precedentes para a sigla que disputa eleições desde 1983.

Outro ponto de discussão entre os estudos do tema é sobre como os eleitores recompensam ou não os investimentos em prevenção ou na resposta a desastres naturais. Nessa questão, o estudo brasileiro difere de algumas pesquisas de fora do país. Uma pesquisa francesa realizada na Universidade de Lyon, por exemplo, apontou que gastos na prevenção de desastres naturais no país tiveram uma tendência a ser mal recebida por eleitores e punida nas urnas.

“Não apenas os eleitores não percebem os benefícios de curto e longo prazo das políticas de prevenção nos orçamentos locais, como também punem os tomadores de decisão por implementarem políticas onerosas e por estabelecerem regras e regulamentos de construção que possam diminuir o valor de suas habitações”, afirma a pesquisa.

Por outro lado, no estudo brasileiro a conclusão foi que os investimentos na prevenção de desastres foram, e alguma forma, recompensados nas urnas. Para Sant'Anna, é importante entender resultados diferentes com base nos contextos diferentes que vivem em cada país. Segundo dados do Censo de 2022, por exemplo, 25% da população não tem acesso à coleta de esgoto em suas residências, percentual que em 2000 era de 40%.

— Isso é importante, porque todos os resultados são específicos a um contexto e ao tamanho do desastre. Quando a gente for discutir o que aconteceu no Rio Grande do Sul daqui uns anos, teremos que levar em consideração o tamanho do que foi a tragédia. 

E quando falamos do Brasil, é importante também entender que aqui há regiões com uma carência de infraestrutura urbana muito maior que em países desenvolvidos, por exemplo. Uma obra de coleta de esgoto melhora a saúde das pessoas, melhora o odor daquele lugar, reduz as chances de uma inundação — afirma Sant'Anna.


Fonte: O GLOBO