Presidente da Câmara atribuiu ao ministro, com quem está rompido, informações sobre suposta interferência pela soltura de Brazão, o que nega. Em resposta, responsável pela articulação política divulgou elogios de Lula

Em uma escalada na já tensa relação entre os dois, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chamou o ministro Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo, de “incompetente” e “desafeto pessoal”. 

As declarações ocorreram durante evento no Paraná, após ser perguntado sobre a votação que manteve o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) na prisão. Lira e Padilha estão rompidos desde o fim do ano passado.

De acordo com Lira, informações sobre uma suposta interferência dele junto a deputados a favor da soltura de Brazão partiram de Padilha. Ele negou a articulação e afirmou que os parlamentares tiveram liberdade para votar conforme as suas vontades sobre o destino do suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.

O presidente da Câmara também argumentou que o resultado não representa um enfraquecimento de sua posição dentro da Casa.

— Essa notícia foi vazada do governo e, basicamente, do ministro Padilha, que é um desafeto, além de pessoal, um incompetente. Não existe partidarização. Eu deixei bem claro que ontem a votação foi de cunho individual, cada deputado responsável pelo voto que deu. Não tem nada a ver — disse.

Padilha reage

A reação de Lira, porém, foi recebida pelo Palácio do Planalto justamente como demonstração de insatisfação do deputado com o resultado do plenário. O placar foi apertado, com 277 votos a favor da manutenção da prisão e 129 contra, além de 28 abstenções. Eram necessários 257 votos para que ele continuasse detido.

Após as críticas de Lira virem à tona, Padilha publicou um post no X (antigo Twitter) com um vídeo em que Lula faz uma série de elogios a ele e ao seu desempenho frente à articulação política. O evento em questão aconteceu na última quarta-feira. Lula chegou a dizer que Padilha iria “bater recorde” de tempo à frente do ministério.

“Ter ouvido isso, publicamente, do maior líder político da história do Brasil é sempre uma honra para toda a equipe do Ministério das Relações Institucionais”, escreveu Padilha.

Na quarta, o ministro se manifestou logo cedo pela manutenção da prisão de Brazão. O governo orientou as bancadas a votarem para que o parlamentar continuasse preso. Ao longo do dia, auxiliares do presidente Lula entenderam que Lira não gostou do gesto.

No Paraná, Lira se disse alvo de “notícias plantadas” por membros do governo.

— É lamentável que integrantes do governo interessados na estabilidade da relação harmônica entre os Poderes fiquem plantando essas mentiras, notícias falsas, que incomodam o Parlamento. E, depois, quando o Parlamento reage, acham ruim — completou.

Após ser questionado a respeito das declarações de Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), saiu em defesa do ministro de Lula:

— Nós temos que evitar esses problemas. O Brasil já tem muitos problemas. Ninguém é perfeito, mas ninguém é tão mau assim. Eu me esforço muito para manter uma boa relação com o governo. Considero (Padilha) também competente. Da parte do Senado, vamos buscar ter o melhor relacionamento possível.

No dia da votação, articuladores de Lula afirmavam que o caso não era encarado como “pauta do governo”, embora houvesse a orientação de posicionamento para a base. Antes do resultado do plenário, auxiliares afirmavam que o resultado não representaria “derrota” ou “vitória” do governo e que o tema não era “pauta central” do Planalto.

Após a votação, no entanto, Padilha apareceu em um vídeo ao lado da ministra de Igualdade Racial, Anielle Franco — irmã de Marielle — comemorando o resultado em seu gabinete, no Planalto.

A votação que manteve a prisão do deputado expôs a estratégia dos principais candidatos à presidência da Câmara para se cacifarem à sucessão. Tido como um dos favoritos e próximo de Lira, o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), orientou a sua bancada a votar de forma favorável à soltura do colega.

Parlamentares da oposição argumentaram que a prisão de Brazão desrespeitou a Constituição, já que não teria ocorrido em flagrante, e, desta forma, se opuseram à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.

Cálculo para a sucessão

O posicionamento de Elmar teve dupla interpretação nos bastidores da Câmara. Por um lado, o parlamentar teria se colocado como a imagem e semelhança de Lira, ao se portar como o “presidente do sindicato dos deputados”, por defender as garantias constitucionais dos parlamentares. Por outro lado, Elmar fez um aceno ao bolsonarismo, que pode atuar como fiel da balança na disputa que ocorrerá no ano que vem.

O gesto de Elmar foi elogiado até mesmo por interlocutores do seu principal adversário à presidência da Câmara, o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP). O ex-presidente da Casa Eduardo Cunha disse que Elmar está fortalecido para suceder Lira.

A avaliação de deputados da base, como o próprio líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), no entanto, é que o deputado do União não deveria ter se envolvido tanto no assunto.

Já Marcos Pereira, presidente do Republicanos, viu a sua bancada se dividir após liberar a votação. Pereira não marcou presença na sessão e, assim, agradou “a gregos e troianos” da legenda, sem se comprometer.

Já o líder do PSD, Antônio Brito (BA), pré-candidato favorito dos governistas, se portou de maneira diferente. Na votação, o parlamentar orientou a sua bancada a votar de acordo com os interesses do Planalto.

O partido dele controla três ministérios na Esplanada. O PSD garantiu 35 votos pela manutenção da prisão e apenas dois contrários. A legenda teve três abstenções durante a sessão.

Histórico de rusgas
  • Padilha “centralizador”: Em entrevista ao GLOBO, em abril do ano passado, Lira criticou Padilha ao reclamar da distribuição de emendas aos deputados. O presidente da Câmara o definiu como “centralizador”: “É um sujeito fino e educado, mas que tem tido dificuldades. Não tem se refletido em uma relação de satisfação boa”.
  • Diálogo cortado: Em outubro, Lira decidiu romper com Padilha. O estopim, segundo aliados do deputado, foi a edição de uma portaria do governo que prevê que a liberação de recursos apadrinhados por parlamentares na área da Saúde deve ser aprovada por um colegiado formado por gestores estaduais e municipais do SUS em cada estado.
  • Recado ao Planalto: Em discurso no início do ano legislativo, em fevereiro, diante de uma plateia de parlamentares e ministros, Lira cobrou o cumprimento de acordos firmados, disse que “errará” quem apostar na inércia da Casa por causa das eleições municipais e elevou a tensão na queda de braço pelo controle do Orçamento ao dizer que a peça orçamentária “pertence a todos e não apenas ao Executivo”.
  • Lula em campo: Lula chamou Lira em uma reunião para aparar arestas entre Congresso e Planalto. Segundo aliados de Lira, o deputado disse que o jogo “estava zerado” e que sua interlocução com o governo se daria com ministro da Casa Civil, Rui Costa, e via um canal mais direto com Lula. Padilha minimizou o rompimento entre eles. “O governo nunca rompeu qualquer diálogo e nunca romperá”. Apesar do movimento, Lira e Padilha ainda não se falam.

Fonte: O GLOBO