Supremo formou maioria nesta sexta-feira com voto de Barroso para alterar entendimento de 2018, mas julgamento foi interrompido

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou ontem maioria para ampliar o foro privilegiado de autoridades nos casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, mesmo após a saída da função. O placar de seis votos foi atingido com o voto do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso. O julgamento, porém, foi suspenso após novo pedido de vista, desta vez do ministro André Mendonça. Ainda assim, os magistrados podem seguir votando até o dia 19 deste mês, data marcada para a análise do plenário virtual terminar.

Barroso concordou com o argumento do relator, ministro Gilmar Mendes, de que o envio do caso a outra instância quando o mandato se encerra causa prejuízos. O ministro havia pedido vista do caso, que foi retomado agora.

“Esse ‘sobe-e-desce’ processual produzia evidente prejuízo para o encerramento das investigações, afetando a eficácia e a credibilidade do sistema penal. Alimentava, ademais, a tentação permanente de manipulação da jurisdição pelos réus”, afirmou o presidente do STF em seu voto.

Além de Gilmar, também já haviam votado pela manutenção do foro após a saída do cargo, em sessão virtual encerrada em 8 de abril, os ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Flávio Dino.

O presidente do STF destacou que a decisão de manter o foro não altera a proposta feita por ele e aprovada pela Corte em 2018. Na ocasião, o Supremo restringiu o foro apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.

Foro privilegiado — Foto: Editoria de Arte

“Nesse ponto, considerando as finalidades constitucionais da prerrogativa de foro e a necessidade de solucionar o problema das oscilações de competência, que continuar produzindo os efeitos indesejados de morosidade e disfuncionalidade do sistema de Justiça criminal, entendo adequado definir a estabilização do foro por prerrogativa de função, mesmo após a cessação das funções”, afirmou Barroso no voto.

Decano da Corte, Gilmar Mendes defendeu manter no Supremo processos de autoridades com foro por prerrogativa de função mesmo após o fim de seus mandatos. De acordo com seu voto, os casos só seriam analisados em instâncias inferiores quando o crime for praticado antes de assumir o cargo público ou aqueles que não têm qualquer relação com o exercício.

“A saída do cargo somente afasta o foro privativo em casos de crimes praticados antes da investidura no cargo ou, ainda, dos que não possuam relação com o seu exercício”, disse Gilmar Mendes em seu voto.

Processos de Bolsonaro

O entendimento apresentado por Gilmar poderia ser aplicado, por exemplo, em processos como os que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro, que teve pedidos de investigação relacionados à sua atuação no cargo remetidos à Justiça Federal na primeira instância após o fim do mandato. O mesmo já havia ocorrido com seu antecessor no Planalto, Michel Temer, que passou a ser alvo de investigação na primeira instância após deixar a Presidência da República.

Para o ministro Cristiano Zanin, que tornou seu voto público, a competência do julgamento é fixada quando o crime é cometido, mesmo que a pessoa já não esteja mais no cargo no momento da análise do caso. Em seu voto, o ministro ainda pontuou que manter o julgamento na mesma instância gera estabilidade ao processo e “previne manipulações e manobras” que podem ocorrer pela própria autoridade, como, por exemplo, uma renúncia ao mandato. Neste caso, a “manobra” citada por Zanin seria a mudança do magistrado que irá analisar o caso. Por isso, avalia que uma “regra objetiva” pode ajudar a evitar nulidades.

Em um dos casos concretos discutidos pela Corte, os ministros avaliam se cabe ao tribunal a análise de um inquérito que investiga a ex-senadora Rose de Freitas (MDB-ES) por atos cometidos durante seu mandato ou se o processo deve ser remetido à primeira instância por ela não ter sido reeleita.

No outro caso, os ministros discutem um habeas corpus apresentado pelo senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), que pede para levar ao Supremo uma ação penal que responde na Justiça Federal por um suposto esquema de rachadinha em seu gabinete quando era deputado federal. A defesa do parlamentar argumenta que não há razão de o processo ser analisado na primeira instância, uma vez que desde 2007 ele exerce cargos com foro privilegiado.

O entendimento atual do Supremo, definido há seis anos, restringe o foro somente a autoridades, como deputados e senadores, que tenham cometido crimes durante o mandato e relacionados ao exercício do cargo. Antes, qualquer inquérito ou ação penal, mesmo anteriores ao mandato, eram transferidas para o tribunal.

Com o novo entendimento do STF, a mesma regra deverá ser seguida nas ações de autoridades com foro no Superior Tribunal de Justiça (STJ), como governadores, e nos tribunais de segunda instância, caso de deputados estaduais.

PEC na Câmara

A retomada da discussão do foro privilegiado ocorreu no momento em que o Supremo é alvo de questionamentos por avocar casos como o dos réus pelos atos golpistas de 8 de janeiro do ano passado. A Corte tem levado a julgamento ações de pessoas sem mandato acusadas de tentativa de golpe porque a investigação envolve também parlamentares, esses, sim, com prerrogativa de foro.

A ampliação do alcance do foro privilegiado pelo STF tem sido criticada por parlamentares de oposição, que defendem a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para limitar a prerrogativa apenas ao presidente da República, ao vice-presidente e aos chefes de Câmara, Senado e da própria Corte. A PEC já foi aprovada no Senado em 2017 e por uma comissão especial da Câmara no ano seguinte. Desde então, porém, não avançou mais.

O deputado Sanderson (PL-RS), que pediu em fevereiro a inclusão da PEC na pauta da Câmara, afirmou recentemente que o STF “age na contramão das tendências sociais e internacionais”. Segundo o texto, “55 mil autoridades têm direito ao foro, e portanto, só podem ser julgadas pelas instâncias superiores da Justiça.”


Fonte: O GLOBO