A partir de caso no Rio, ministros fixaram tese de repercussão geral que permite compensação por mortes ou ferimentos até em ações de segurança em que não é possível determinar a origem do disparo

O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu na quarta-feira que os governos devem ser responsabilizados na área cível, o que permite o pagamento de indenizações, quando há mortos e feridos por balas perdidas em operações de agentes de segurança pública. A responsabilização não ocorrerá somente se a União, o estado ou o município provarem que não houve participação direta de policiais. Os ministros também definiram que o fato de uma perícia não ter conseguido identificar a origem do disparo não é suficiente para retirar a responsabilidade estatal.

O entendimento foi estabelecido a partir do caso de um homem morto por uma bala perdida em casa em um tiroteio envolvendo o Exército no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, em abril de 2015. No mês passado, os ministros já haviam decidido que a família da vítima deveria receber indenização. No julgamento de quinta-feira, foi definida a tese de repercussão geral, que deverá ser utilizada em todos os casos semelhantes, a partir da primeira decisão.

— Às vezes você não é capaz de determinar de onde veio o tiro. Mas se estiver uma operação policial no local, há responsabilidade. Mas frequentemente a perícia é capaz de determinar. Dentre outras coisas, e por uma razão muito triste, porque com muita frequência, o armamento do crime é mais poderoso do que o da polícia — afirmou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, durante a análise.

O relator do caso, Edson Fachin, afirmou que os governos estaduais precisam ter um setor técnico qualificado para realizar as perícias, que serão fundamentais para esclarecer os casos e determinar as responsabilidades.

— A atividade da perícia aqui é fundamental, relevante imensamente para que se possa apurar a realidade dos fatos e para aportar elementos suficientemente probatórios — defendeu Fachin. — Isso significa que especialmente os estados devem ter um aparato técnico e de recursos humanos, com autonomia administrativa e financeira, para realizar essas perícias.

No conflito que levou a questão ao Supremo, a perícia não concluiu a origem do disparo que matou Vanderlei Conceição de Albuquerque, de 34 anos, que estava em sua residência, na Vila dos Pinheiros. A família apresentou um pedido de responsabilização, mas ele foi negado na primeira e na segunda instância.

Vanderlei foi atingido durante um tiroteio entre traficantes e integrantes da Força de Pacificação do Exército, que ocuparam a Maré, em que três soldados foram atingidos. Ele chegou a ser levado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da comunidade, mas não resistiu.

Teses divergentes

O julgamento havia começado no plenário virtual, mas depois foi transferido ao plenário físico para os ministros chegarem a um consenso. Antes disso, quatro propostas para tese de repercussão geral foram apresentadas.

Fachin havia sugerido que “sem perícia conclusiva que afaste o nexo, há responsabilidade do Estado pelas causalidades em operações de segurança pública”. Desta forma, haveria responsabilidade em todas as mortes por bala perdida durante operações policiais.

Alexandre de Moraes tinha defendido que a indenização deveria ser paga somente com “comprovação de que o projétil partiu dos agentes do Estado”. Na proposta de André Mendonça, a responsabilização só poderia ocorrer quando, além da perícia for inconclusiva, for “plausível o alvejamento por agente de segurança pública”.

A quarta tese, sugerida por Cristiano Zanin, era de que uma perícia inconclusiva não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado. Além disso, o Poder Público teria que demonstrar um “excludente de responsabilidade”.


Fonte: O GLOBO