Leonardo Romanelli avalia que restrição no benefício de presos pode ter impacto no sistema carcerário e destaca necessidade de preparo contra possíveis rebeliões

Desde fevereiro à frente do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, Leonardo Romanelli comandou duas das principais operações da história contra o Primeiro Comando da Capital (PCC). 

Em uma semana, deflagrou a Fim da Linha e a Mundita, que revelaram os negócios da facção com o poder público de mais de uma dezena de municípios. Na primeira entrevista desde que assumiu o cargo, Romanelli afirmou que a restrição às “saidinhas” de presos aprovada pelo Congresso Nacional preocupa mais o Ministério Público do que a briga entre as lideranças do PCC. 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou neste mês a Lei das Saidinhas com um veto ao trecho que impedia o preso do regime semiaberto de visitar a família, mas o Congresso pode derrubá-lo.

Há um racha na cúpula do PCC?

É um movimento que já teve o seu auge. A maré já está baixando. Houve um movimento de parte das lideranças de fazer uma exclusão da liderança mais antiga.

Por que não se concretizou?

A base (da facção) está muito pouco tendente a adotar uma ou outra linha.

Existe um temor de que a lei das saidinhas afete o sistema prisional ou as ruas?

Se você perguntar qual das duas situações nos preocupa mais — racha na cúpula do PCC ou fim da saidinha — eu diria que é o impacto que o fim das saídas temporárias pode ter no curto prazo. A cúpula da Secretaria de Administração Penitenciária, polícias Civil e Militar, todos estamos extremamente atentos a isso.

Qual seria a consequência do fim das saidinhas? Uma megarrebelião, no moldes do que houve em 2001?

É muito pouco provável que eles tenham hoje o mesmo poder. As forças de segurança também se prepararam. Mas obviamente eles poderiam fazer algo similar. A gente tem de estar preparado, seja para uma tentativa de virar presídios (fomentar rebeliões) em massa, que acho pouco provável, seja para outras ações pontuais.

O Senado aprovou a PEC para incluir na Constituição o crime de porte de drogas, independentemente da quantidade. O STF tende a um movimento contrário. A descriminalização teria impacto no combate ao crime organizado?

Não deve ter nenhum impacto. A principal fonte de renda do PCC, antes da cocaína, hoje prevalente, era o cigarro clandestino do Paraguai. O lucro é gigantesco porque tem uma taxação muito grande. Eles ainda vendem os cigarros paraguaios a um preço baixíssimo nas periferias. 

Com a droga, aconteceria o mesmo. Algumas outras drogas não seriam legalizadas, como o caso da K2, a maconha sintética. Sempre vai ter espaço para o mercado ilícito. Além disso, o grande lucro deles não é aqui. É traficar para a Europa.

O senhor consegue estimar a extensão da infiltração do PCC no poder público?

Não. O primeiro grande caso concreto foi em Embu das Artes, onde o prefeito foi denunciado como integrante da facção criminosa. Antes disso, havia notícias do envolvimento com o transporte urbano clandestino na Zona Leste de São Paulo, no começo dos anos 2000, na mesma época em que o PCC saía do sistema penitenciário. Em 2020, identificamos o financiamento de uma candidatura de vereador em Ribeirão Preto pela facção.

O PCC começou a entrar no setor de transporte nos anos 2000. Por que demorou para uma operação combater esse esquema?

Aquilo começou de maneira incipiente e clandestina. Na época, nossas investigações estavam preocupadas com o tráfico. Não havia equipe especializada em PCC. O Gaeco começou com roubo de carga e outras demandas em meados dos anos 1990. Hoje, felizmente, temos múltiplos atores trabalhando contra o PCC, como Coaf, receitas estaduais e federais, Tribunal de Contas, Cade.

Há uma preocupação com a próxima eleição?

O Ministério Público tem feito um monitoramento para que a gente possa antecipar essas candidaturas (ligadas ao PCC), e consigamos de alguma maneira impedi-las.

O PCC também tem tentáculos no Judiciário?

Em algumas operações houve a corrupção de servidores públicos, mas nem era específico ou apenas para o PCC. Servidores eram corrompidos por outros grupos para forjar certidões e obter dados sigilosos dos autos. E isso era usado para habeas corpus, achaques, pressionar pessoas que estavam ligadas a pessoas presas, e um servidor foi expulso do Judiciário por isso. Não era apenas com o PCC.


Fonte: O GLOBO