A decisão foi tomada após reunião do Conselho da Polícia Civil, na qual foi debatida levar ao governo paulista as insatisfações da corporação com a medida

Em meio a uma crise com a Polícia Civil, cujos membros vêm se sentindo desprestigiados pelo governo de São Paulo, o secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, recuou na decisão de permitir aos policiais militares registrarem crimes de menor potencial ofensivo e disse que agora vai "estudar a viabilidade" da ideia.

A iniciativa foi tomada após horas de uma reunião tensa do Conselho da Polícia Civil de São Paulo nesta segunda-feira, na qual foi debatido levar ao governo Tarcísio as insatisfações da corporação com a medida — que, segundo policiais civis, enfraquecem seu trabalho. Após o encontro, que tomou parte da manhã e da tarde, delegados se encontraram com Derrite para transmitir as queixas.

No que foi considerado uma derrota para Derrite, o secretário gravou e distribuiu um vídeo aos membros da Polícia Civil, ao qual O GLOBO teve acesso, para arrefecer os âmigos. Ele diz que acabava de criar uma resolução na SSP para instituir o grupo de trabalho para analisar a viabilidade do termo circunstanciado (TCO) pela Polícia Militar, a que ele chamou de "demanda institucional da PM", e do boletim único, pleito da Civil.

O grupo de trabalho será formado por dois policiais civis, dois policiais militares e dois peritos da Polícia Técnico-científica, e deve durar 45 dias. Ao fim da análise, a SSP deve decidir se implementará as duas propostas.

O termo circunstanciado é o registro destinado a ocorrências de baixa gravidade, como pequenos furtos e posse de drogas para uso pessoal, atribuição por enquanto exclusiva da Polícia Civil. A informação de que a SSP estudava, sem a anuência da corporação civil, dar essa incumbência aos militares caiu como uma bomba nos delegados de São Paulo.

Derrite nega que vá conceder à PM "atribuições de investigação", argumento a que especialistas e policiais civis vêm recorrendo para criticar a medida, e questionou "a quem interessa criar desunião entre as polícias de São Paulo".

— Deixando claro que, aqui em São Paulo, a gente não quer que nenhuma instituição invada a competência legal da outra — declara no vídeo, ao lado do delegado-geral da Polícia Civil, Artur Dian, e do secretário-executivo da SSP, Nico Gonçalves.

Por horas, membros do Conselho da Polícia Civil estiveram reunidos no Palácio da Polícia, no centro da capital, para debater o assunto. Uma ala defendeu "enquadrar" o secretário, enquanto outra optou por uma abordagem mais cautelosa. Havia medo de que, como Derrite fez com a cúpula da PM, os chefes dos departamentos da Civil, que compõem o colegiado, fossem demitidos.

A duração da reunião se deveu a um impasse acerca do tom de uma nota endereçada ao comando da SSP que os membros do conselho elaboravam, de acordo com um dos participantes.

Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, definiu o episódio desta noite como uma "derrota política" de Derrite. "Sem nenhum debate entre as forças policiais, SSP deu carta branca para a PM implementar o TCO em São Paulo. Conselho da Polícia Civil foi pra cima e não aceitou a medida. Agora o secretário grava vídeo recuando. Veio da Polícia Civil a maior derrota política do Derrite. A ver como fica a relação com a PM", escreveu no X (antigo Twitter).

A relação da Polícia Civil com o governo Tarcísio chegou ao seu ponto mais crítico nos últimos dias, a partir de alguns movimentos para fortalecer o trabalho investigativo da Polícia Militar — atribuição que é de agentes civis.

Além de preparar o termo circunstanciado, a PM lançou na semana passada, com a presença de Derrite, uma diretriz de combate ao crime organizado e determina um plano de ações e estratégias para seus agentes. A ideia é que os policiais participem de cursos de combate ao crime organizado, de inteligência financeira e cyber inteligência, temas que ficam a cargo da Polícia Civil.

Neste mês, o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) divulgou uma nota criticando a exclusão da Polícia Civil em operações como a Fim da Linha (deflagrada pelo Ministério Público, mas que teve participação de militares), que mira empresas de ônibus acusadas de lavar dinheiro para o PCC por meio do transporte público na capital paulista. Também causou incômodo a declaração de Derrite segundo o qual a PM vai assumir, com o MP, o protagonismo do combate ao crime organizado.

No ano passado, policiais civis protestaram contra o projeto do governo Tarcísio de dar reajuste salarial maior para militares. Mais adiante, entidades sindicais cobraram a inclusão da Polícia Civil no grupo de trabalho que elaborava o programa de saúde mental "Cuidando de quem protege", que só tinha militares. Além disso, Derrite tem se cercado sobretudo de assessores militares — o que, na visão de agentes civis, enfraquece sua corporação diante da PM.

Até esta segunda-feira, o Sindpesp queria marcar uma reunião diretamente com o governador Tarcísio de Freitas para levar suas queixas, sem o intermédio de Derrite ou de Artur Dian, o diretor-geral.


Fonte: O GLOBO