FlixBus aposta no Brasil como mercado prioritário — Foto: Divulgação

A Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) iniciou uma onda de fiscalização contra a startup alemã FlixBus, em mais um capítulo de uma disputa de interesses que coloca em lados antagônicos grupos de ônibus tradicionais e startups, que tentam introduzir novos modelos de negócio no setor de viagens interestaduais.

A coluna teve acesso a uma ordem de serviço expedida pela Superintendência de Fiscalização de Serviços de Transporte de Cargas e Passageiros da ANTT, na qual estão descritas as condutas a serem verificadas pelos fiscais e que podem ser passíveis de autuação. A ordem de serviço mira especificamente as nove empresas parceiras da FlixBus.

Alvo também de fiscalizações constantes da ANTT, com apreensões de ônibus, a brasileira Buser já chegou a acionar a Justiça contra o que considera conduta abusiva da agência. Diferentemente da Buser, que opera no modelo de fretamento colaborativo — o app faz a intermediação entre o viajante e a empresa de fretamento turístico — a FlixBus faz parcerias apenas com operadores regulares. A empresa é responsável pela gestão da malha, vendas, marketing e atendimento ao consumidor de linhas específicas desses operadores.

Na ordem de serviço de fiscalização contra os parceiros da FlixBus, a ANTT justifica a operação devido “ao grande número de infrações detectadas na operação de serviços de transportadoras com o uso da plataforma denominada Flixbus e o alto número de reclamações na Ouvidoria da ANTT contra a referida plataforma (serviço não autorizado, atrasos, devolução, revalidação, segurança e bagagem)”.

Pela ordem de serviço, a fiscalização está prevista para durar 30 dias, começando em 23 de abril. No período, os fiscais deverão realizar cerca de 100 ações de fiscalização, conferindo os "momentos de venda, embarque, veículo e desembarque" das parceiras da FlixBus em 29 cidades. Foi incluída também uma décima empresa que não é parceira, mas que vende passagens pela plataforma da FlixBus.

Esta não é a primeira investida da ANTT contra parceiros da FlixBus. Desde o início de abril, de acordo com documentos públicos, a ANTT vem apertando o cerco contra a Catedral (nome fantasia da Kandango Transporte e Turismo). Das 2.173 ações de fiscalização previstas para o mês de abril para todo o sistema de transporte de passageiro interestadual, 236 são destinadas à Catedral. É a empresa alvo do maior volume de fiscalizações, apesar de estar na 12a colocação do setor em número de autorizações, com 85 linhas ativas.

Já a Guanabara, que lidera em autorizações, com 397 linhas ativas, foi alvo de 40 fiscalizações. Recentemente, a empresa foi alvo de denúncias de irregularidades apontadas pela concorrente e parceira da FlixBus, a Catedral, mas ainda não houve a instalação de processo na agência para apurar as denúncias.

Antes, a Catedral tinha sido denunciada pela Guanabara, denúncia que levou a ANTT a suspender toda a operação da empresa na véspera do Natal, sendo que a operação foi liberada por ordem judicial.

A segunda empresa alvo das fiscalizações em abril é a Gontijo, com 207 pontos de fiscalização designados — a empresa, contudo, opera com uma decisão judicial que proíbe a ANTT de multá-la no estado de Minas Gerais, sede da empresa e onde a maior parte da sua operação está concentrada.

Procurada, a ANTT afirmou “não realizar ações específicas direcionadas a determinadas empresas”, e que as fiscalizações “têm como foco a qualidade da prestação do serviço”. 

“No que diz respeito à Flixbus, Buser e outras plataformas similares, é importante esclarecer que essas não são empresas reguladas pela ANTT, pois são consideradas aplicativos que comercializam bilhetes e não empresas de transporte interestadual de passageiros. 

As ações de fiscalização da Agência que envolvem apreensões de veículos associados a esses aplicativos geralmente decorrem do uso de empresas (proprietárias dos ônibus) que não possuem a autorização necessária para a prestação do serviço”, disse a ANTT em nota enviada à coluna.

Muitas dessas fiscalizações com apreensão de ônibus foram alvo de críticas da Buser, que alega que a ANTT ignora decisões judiciais a seu favor. A empresa chegou a entrar na Justiça pedindo a prisão do diretor da agência. O modelo de fretamento colaborativo é amparado por lei em determinados estados e capitais do país. A empresa concentra as operações nesses estados. Em outros, como no Rio, também opera amparada por decisões judiciais.

Além da operar em parceria com operadores regulares, a FlixBus tem pedidos para autorizações de linhas que datam de antes da publicação do novo marco regulatório do setor, do final do ano passado. A ANTT nunca chegou a processar os pedidos. A Flixbus chegou a entrar na Justiça para obrigar a ANTT a processar os pedidos, obteve decisão favorável, mas a decisão não foi cumprida pela agência.

Procurada, a FlixBus afirma que foi informada pelos parceiros de um aumento significativo de fiscalizações, mas que até o momento não teve relato de viagens impedidas de partir por qualquer irregularidade. A empresa diz ainda que só trabalha com parceiros que possuem autorizações para operações regulares.


Fonte: O GLOBO