Presidente viaja para Colômbia, onde se encontrará com Petro; em maio, vai para Chile e provavelmente Bolívia. Eleição na Venezuela e crise entre México e Equador estão na pauta, mas especialistas apontam obstáculos para consenso

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva embarca nesta terça-feira para a Colômbia, quando dará início à primeira etapa de um processo de reaproximação com a esquerda latino-americana. No mês seguinte, Lula viajará para o Chile e possivelmente para a Bolívia. 

Mas, diferentemente do cenário de seus dois primeiros mandatos, hoje o presidente se depara com uma esquerda dividida entre governos progressistas democráticos e regimes autoritários, casos de Venezuela, Cuba e Nicarágua. Enquanto isso, a extrema direita, mais organizada, cresce com força no mundo — cenário que se transformou em um problema central para o Palácio do Planalto.

Com os presidentes da Colômbia e do Chile, respectivamente Gustavo Petro e Gabriel Boric, Lula pretende discutir, no âmbito político, temas como o conturbado processo eleitoral venezuelano, a disputa entre a Venezuela e a Guiana pela região de Essequibo e a atual crise diplomática entre México e Equador — há uma semana, forças policiais equatorianas invadiram a embaixada mexicana em Quito para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas.

Segundo interlocutores do governo brasileiro, além de buscar um alinhamento com os presidentes nessas questões, Lula pretende levar seu projeto de integração sul-americana, formado por eixos de interesse do Brasil com um ou mais países. Também quer reforçar as propostas do Brasil na presidência do G20 e conversar sobre medidas para a mitigação dos efeitos da mudança climática.

Mas os obstáculos já começam a aparecer. Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), explica que hoje há uma divisão clara entre os governos de esquerda na região. Petro e Boric, por exemplo, têm se posicionado de forma contrária a Lula em relação ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o processo eleitoral no país, onde os principais candidatos estão inabilitados.

— Há uma esquerda progressista, jovem, representada pelo presidente do Chile. Porém, também há uma esquerda histórica, sindicalista, que traz uma percepção do mundo dos anos 1980, com dificuldades para se aproximar dos progressistas — diz a acadêmica.

Além das várias nuances da esquerda da América Latina, muitos desses líderes hoje estão mais preocupados com sua situação interna. Um cenário muito distinto da chamada “onda rosa”, expressão cunhada no começo dos anos 2000, quando havia o predomínio de líderes progressistas na América do Sul, como Lula, Hugo Chávez (Venezuela), Pepe Mujica (Uruguai), Evo Morales (Bolívia) e Néstor Kirchner (Argentina). Temas como a fome e a desigualdade eram pautas comuns.

— É um desafio para Lula, que tinha se colocado como um líder para consolidar e unir [a região] e não está conseguindo. E ele próprio mostra contradição: ao mesmo tempo em que tem um discurso em defesa da democracia, traz posições ambíguas e enfrenta dificuldades para exercer uma liderança regional — afirma Holzhacker.

Mestre em Relações Internacionais pela London School of Economics, Nelson Franco Jobim avalia que os regimes autoritários de esquerda são um grande problema. Além de ameaçar a soberania da Guiana na disputa por Essequibo, Maduro internamente persegue críticos e opositores. A Nicarágua vive tempos sombrios como não se via desde a ditadura dos Somoza — família que governou o país até 1979, e foi derrotada pela Revolução Sandinista, que tinha, entre seus líderes, o atual presidente do país, Daniel Ortega. Em Cuba, a falta de itens como alimentos e remédios, e o aumento de 500% do preço da gasolina, também colocam em xeque o regime socialista.

— Vai haver alguma articulação da esquerda democrática para ajudar o regime cubano? E a eleição na Venezuela? É evidente que não serão livres nem limpas. Eles vão adotar uma posição comum? — questiona Jobim, referindo-se aos encontros de Lula com Petro e Boric.

Outras prioridades

As eleições na Venezuela, previstas para 28 de julho, são a maior pedra no sapato do governo brasileiro, que colaborou ativamente nas negociações para o Acordo de Barbados, firmado no fim do ano passado por representantes do governo Maduro e da oposição. Apesar das promessas de um pleito justo, Maduro, que tem forte influência sobre instituições como o Judiciário e Conselho Nacional Eleitoral, se beneficia com a inabilitação de candidatos opositores, entre outras medidas que vêm sendo alvo de críticas de grande parte dos países da região.

Bruno Nespoli, líder da Comissão Técnica de Tesouraria e Riscos do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef) de São Paulo, pontua ainda que o Brasil precisa lidar com seus próprios problemas internos, além de não ter capacidade financeira para competir com a China — que ajuda países da região — e assim retomar sua liderança.

— A China, que está do outro lado do mundo, exerce uma liderança na região justamente pelo capital financeiro.

Pesquisador em Harvard e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Hussein Kalout diz que a aproximação acontece com atraso.

— Demorou quase um ano e meio para que os olhares da política externa se voltassem para a América do Sul de forma mais objetiva.

Para ele, o governo preferiu priorizar temas como as guerras na Ucrânia e em Gaza e a reforma da ONU. A eleição de Javier Milei na Argentina, por sua vez, foi mais um revés.

— O país não consegue imprimir ritmo para se estabelecer no tabuleiro internacional.


Fonte: O GLOBO