Nova versão do programa de financiamento pode ter foco das vagas para camadas de renda mais baixa

Programa que perdeu atratividade à medida em que crescia a inadimplência, o Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) deve ganhar uma nova versão com menos vagas e um limite para as parcelas de pagamento da dívida de seus beneficiados. Mas a estratégia do Ministério da Educação para relançá-lo este ano, como pretende o ministro Camilo Santana, ainda depende de análises do orçamento.

O MEC diz que o novo Fies será detalhado em breve. O desenho do fundo, feito por um grupo de trabalho da pasta, atualmente aguarda deliberação do Comitê Gestor do Fies, do qual diversos órgãos fazem parte, mas com predomínio da área econômica do governo.

Em agosto, o coordenador-geral de Concessão e Controle do Financiamento Estudantil, Rafael Tavares, afirmou em audiência pública no Congresso que o MEC busca implementar um modelo de pagamento que fixa a cobrança entre 8% e 13% da renda desses ex-alunos após a formatura. Esse mecanismo, previsto numa lei de 2017 que estabeleceu novas regras para o programa, nunca foi regulamentado.

É uma operação que envolve diversas áreas da administração pública. É preciso aferir a renda do ex-aluno para calcular quanto ele deve pagar por mês.

Tavares também contou na audiência que estão em avaliação a redução ou o fim da coparticipação dos estudantes e o foco das vagas para camadas de renda mais baixa. Atualmente, o aluno do Fies financia uma parte do curso com o programa, mas paga o restante como mensalidades enquanto estuda.

De acordo com o coordenador, o MEC estuda até voltar com o financiamento de 100% dos custos, extinto com a lei de 2017, o que é um dos maiores pedidos de estudantes e de universidades.

— Principalmente em cursos na área da saúde, mesmo 10% não financiados custam um valor que muitos não podem pagar — afirma Celso Niskier, presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).

Desde 2017, quando a nova lei endureceu os critérios de acesso, o programa vem tendo menos beneficiados. Em 2016, houve 203 mil novos contratos, número maior do que o do período entre 2020 e 2023. Em 2019, antes de qualquer impacto da pandemia, houve uma queda brusca, para 85 mil alunos financiados.

— O Fies foi deixado de lado e tem minguado nos últimos anos. O país não pode ficar sem uma política de crédito estudantil, tanto pelo perfil de renda dos brasileiros quanto pela rede, massivamente privada. Não se pode demonizar o crédito estudantil porque o Fies teve problemas — defende Bruna Cataldo, economista da UFF associada ao Centro de Estudos sobre Desigualdade e Desenvolvimento.

A conta dos estudos — Foto: Editoria Arte

Em novembro, Camilo Santana afirmou ao GLOBO que quer determinar condições especiais para as licenciaturas e diminuir o número de vagas para cem mil por ano. O anúncio surpreendeu o setor educacional, que esperava 300 mil vagas por ano no governo Lula.

Impasse nos EUA

O impasse em relação ao pagamento de dívidas por empréstimos estudantis não é uma questão exclusiva do Brasil. O problema é antigo e tema de campanha presidencial nos Estados Unidos, onde as principais universidades são particulares e, por isso, as anuidades estão entre as mais caras do mundo. Mas mesmo as universidades públicas cobram pelos cursos.

O volume da dívida no país aumentou vertiginosamente nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que o custo educacional cresceu muito acima de outros gastos domésticos. Atualmente, 45 milhões de pessoas nos EUA têm uma dívida coletiva de US$ 1,6 trilhão.

O governo Joe Biden enfrenta obstáculos legais para mudar esse cenário. Em junho do ano passado, a Suprema Corte dos EUA derrubou um plano do presidente de cancelar US$ 430 bilhões (R$ 2 trilhões) em dívidas de empréstimos estudantis. A medida, que beneficiaria 43 milhões de pessoas, foi criticada pelos republicanos sob a alegação de que o benefício impactaria só uma parcela dos estudantes.

O projeto anunciado por Biden em agosto de 2022 visava a cumprir uma promessa da campanha presidencial de 2020. O democrata disse que iria perdoar US$ 10 mil em débitos para quem ganhasse menos de US$ 125 mil por ano ou US$ 250 mil por domicílio, além de perdoar US$ 20 mil de quem recebeu ajuda federal destinada a famílias de baixa renda.

Dívidas impagáveis

O Fies nasceu em 1999 e atingiu cem mil vagas seis anos depois. Em 2010, o governo flexibilizou as regras do programa, reduzindo a taxa de juros. Isso gerou um boom de matrículas, atingindo um pico de 732 mil novos contratos em 2014.

Em 2015, algumas condições começaram mudar, com o aumento de 3,4% para 6,5% dos juros ao ano e a definição de uma nota mínima no Enem, de 450 pontos nas provas objetivas e nota diferente de zero na redação.

— Muitas pessoas pegaram empréstimos que não poderiam pagar. As instituições eram as que menos tinham responsabilidade — lembra Cataldo.

Em 2022, o então presidente Jair Bolsonaro sancionou uma lei autorizando o abatimento de até 99% das dívidas para créditos contraídos até 2017. A lei valia para débitos vencidos há mais de 360 dias, em 30 de setembro de 2021, de quem estivesse no CadÚnico ou fosse beneficiário do auxílio emergencial naquele ano. Em novembro passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei permitindo a renegociação para inadimplentes até junho de 2023.


Fonte: O GLOBO