Episódio foi classificado como 'violação da soberania' por Islamabad; é o terceiro ataque do tipo realizado por Teerã nesta semana

O Paquistão acusou o Irã de bombardear seu território com mísseis, abrindo uma nova crise na região em meio aos conflitos na Faixa de Gaza e no Mar Vermelho. É o terceiro ataque aéreo atribuído a Teerã contra países do Oriente Médio apenas nesta semana — os outros dois contra Iraque e Síria —, mas o primeiro contra um rival que comprovadamente dispõe de um arsenal nuclear. Teerã afirmou que o ataque mirava apenas um grupo terrorista que opera do lado paquistanês da fronteira.

As autoridades paquistanesas não deram detalhes precisos sobre o ataque, mas o classificaram como "ilegal" e uma "violação de soberania". Islamabad também informou que duas crianças morreram e três ficaram feridas pelo bombardeios.

"Esta violação da soberania do Paquistão é totalmente inaceitável e pode ter sérias consequências", advertiu o Ministério das Relações Exteriores do Paquistão, que expulsou o embaixador iraniano em Islamabad e chamou de volta o seu próprio embaixador no Irã. Em um comunicado, o Paquistão disse que “se reserva o direito de responder” e que "a responsabilidade pelas consequências recairão diretamente sobre o Irã".

A agência de notícias iraniana Tasnim noticiou que duas bases pertencentes ao grupo sunita Jaish al-Adl, na província do Baluquistão, foram destruídas na noite de terça-feira. O grupo é considerado terrorista tanto por Teerã quanto pelos seus principais rivais, os Estados Unidos, e já se envolveu em confrontos diretos com forças de segurança iranianas na fronteira porosa entre os dois países. Em um ataque recente, em dezembro do ano passado, os militantes mataram 11 pessoas em um ataque contra uma delegacia.

Os países se acusam mutuamente de fazerem vista grossa para grupos que atuam na região da fronteira, e frequentemente lançam ataques contra o território oposto. No entanto, os dois países mantinham canais de comunicação oficiais em plena atuação até o ataque — Islamabad disse que interromperia os diálogos de alto nível nesta quarta.

Horas antes do ataque, o ministro das Relações Exteriores do Irã, Hossein Amirabdollahian, havia se encontrado com o primeiro-ministro do Paquistão, Anwaar-ul-Haq Kakar, durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, na terça-feira. Amirabdollahian disse a Kakar que os dois países deveriam dar seguimento a acordos anteriores sobre o combate ao terrorismo, disse um comunicado do ministério, sem dar mais detalhes. Os dois países realizaram exercícios navais conjuntos no Golfo Pérsico e no Estreito de Ormuz na quarta-feira, informou a nova agência de notícias Mehr, do Irã.

Reação incerta

Para além dos protestos diplomáticos, não está claro se o Paquistão, que se recupera de crises políticas e econômicas e caminha para realizar eleições parlamentares no próximo mês, está em posição de contra-atacar militarmente ou de entrar em um conflito prolongado com o Irã.

— Se o Paquistão reagir, corre o risco de ser arrastado para os conflitos no Oriente Médio, que evitou até agora — disse Husain Haqqani, antigo embaixador do Paquistão que agora é um estudioso da diplomacia. — Se não retaliar, parecerá fraco mais uma vez, e isso terá consequências para o prestígio das suas forças armadas.

Prédio é danificado após ser atingido por um ataque de mísseis lançado pela Guarda Revolucionária Islâmica do Irã, no Iraque — Foto: Divulgação / AFP

Muhammad Ashfaque Arain, antigo marechal da Força Aérea Paquistanesa, destacou a posição delicada em que o país se encontra neste momento, com um governo provisório no comando até às eleições dificultando a articulação de qualquer resposta.

Arain observou ainda que o Paquistão enfrenta relações problemáticas com três de seus vizinhos. Embora a Índia seja há muito um adversário, os laços com o Afeganistão se deterioraram nos últimos meses, com as autoridades paquistanesas a acusando o Talibã de fornecerem abrigo a grupos militantes que questionam a política de Islamabad. A recente decisão do Paquistão de expulsar estrangeiros indocumentados, na sua maioria afegãos, prejudicou ainda mais as relações.

A China, aliada de Islamabad e Teerã, convocou os dois países a "atuar com moderação, evitar ações que levem a uma escalada de tensões e trabalhar juntos para manter a paz e a estabilidade".

— Temos de procurar o diálogo para eliminar as causas profundas da questão, quer sejam espaços não governados no Irã, que são usados contra o Paquistão, ou espaços não governados no Paquistão, que podem ser usados por terroristas contra o Irã — disse Mushahid Hussain Sayed, presidente da Comissão de Defesa do Senado do Paquistão.

Avanço da atividade militar

O regime de Teerã tem intensificado suas atividades ofensivas e de dissuasão contra grupos inimigos em meio ao turbulento cenário de segurança no Oriente Médio. Na segunda-feira, o país dos aiatolás afirmou ter atingido alvos "terroristas" na Síria, que teriam implicação com o atentado que matou dezenas de pessoas em uma procissão na cidade de Kerman, próximo ao túmulo do general Qassem Soleimani. O Estado Islâmico (EI) assumiu a autoria pelo atentado, na época do at

No mesmo dia, a Guarda Revolucionária do Irã comunicou ter atacado um "centro de espionagem" de Israel com mísseis balísticos, na região autônoma do Curdistão, no Iraque. De acordo com Teerã, a infraestrutura seria utilizada pelo Mossad. Além da suposta base israelense, o ataque também teria tido como alvo grupos anti-iranianos, segundo a mídia estatal. Quatro civis morreram, segundo autoridades locais, e o ataque foi condenado internacionalment

País de maioria xiita e que mantém uma oposição aberta à existência do Estado de Israel e à influencia americana na região, o Irã é um dos principais financiadores de grupos que atualmente contribuem para o aumento de tensões na região. Teerã é considerado o principal fornecedor de armas para grupos como o Hamas, de Gaza, Hezbollah, do Líbano, e para os houthis, no Iêmen. Na quarta-feira, os EUA informaram ter apreendido partes de mísseis e ogivas iranianas em um navio que seguia para um porto iemenita — em um momento em que uma coalizão internacional tenta dissuadir os rebeldes de atacar embarcações no Mar Vermelho. (Com AFP, NYT e Bloomberg)


Fonte: O GLOBO