Atual proprietário de um dos imóveis mais suntuosos do Morumbi, em SP, tenta levantar condomínio de casas de luxo no local, depois de iniciativa frustrada de abrir uma escola

Famoso pela mansão icônica em São Paulo que se tornou alvo de controvérsia, Edemar Cid Ferreira também era dono um acervo milionário de arte. O banqueiro ganhou fama nacional no início dos anos 2000. Em 2005, o Banco Santos, do qual era controlador, teve a falência decretada, e a coleção de arte passou a integrar a massa falida. Cid Ferreira morreu do coração, em casa, aos 80 anos.

As obras ficavam na mansão que pertenceu a Cid Ferreira. O acervo incluía relíquias como as telas "Hannibal", de Jean-Michel Basquiat, e "Menina no sofá", de Djanira. Havia também objetos de mobília assinados por alguns dos principais profissionais do país, como a cadeia RIO, de Oscar Niemeyer.

No silêncio de uma das áreas mais nobres do Morumbi, ficou esquecida a luxuosa mansão que pertenceu a Edemar Cid Ferreira. Não só perdeu o glamour do passado como parece assombrada. A pintura desgastada e o mato que pende da sacada contrastam com a fachada suntuosa, desenhada com muitas curvas por Ruy Ohtake e cujo preço já foi estimado em R$ 78 milhões.

É uma verdadeira ode ao concreto paulistano que atiça a curiosidade de quem passa por ali e não tem ideia da fervura que o endereço guarda. Após a falência do banco, o comprador que arrematou a propriedade, em 2020, num leilão por quase R$ 28 milhões — um terço do que foi a avaliação mais alta — queria fazer dali uma escola de alto padrão, que foi rechaçada pela vizinhança, e teve que ajustar os planos.

O empresário Janguiê Diniz pensou, então, em erguer um condomínio horizontal de luxo, o que revelou após polêmicas sobre o futuro que incluiria até a demolição da construção. Porém, negou que a tenha negociado com uma construtora. Por meio de nota para tentar desfazer os malfalados sobre suas pretensões, ele disse que nem vendeu o imóvel, nem tampouco o está demolindo.

Mas um outro empecilho surgiu no caminho — literalmente. A propriedade tem uma “minifloresta”, segundo a prefeitura, o que exige o cumprimento de regras específicas de manejo para uma eventual demolição.

Olhando de fora, um funcionário da prefeitura que trabalhava no asfalto, em junho do ano passado, resumiu o que os moradores da capital sabem sobre a construção:

— Está abandonada.

Passado de fartura

Mas não é bem assim. Os muros altos e os portões fechados guardam um passado de fartura e preservam as imagens da rotina de limpeza e manutenção da relíquia urbana. Muito do que havia lá dentro foi leiloado, como um acervo com obras e mobiliário de artistas e arquitetos como Victor Brecheret, Antonio Poteiro e Niemeyer. Entre outras coisas, o dossiê de um dos leilões citava até duas esculturas maias de pedra vulcânica da América Central Pré-Colombiana. Era preciso, afinal, fazer dinheiro para cobrir o rombo do banco de R$ 3,4 bilhões que deixou prejuízos aos clientes.

A resistência da vizinhança à transformação do local, por receio do fluxo de pessoas e do barulho de veículos, tem sido um grande obstáculo às propostas até então feitas. Procurada pela GLOBO em reportagem de junho passado, a associação de moradores não quis se pronunciar.

Gerador para uma cidade

Pelos relatos que se ouvia de quem entra e sai da propriedade de cinco andares, sabia-se que os 12 mil metros quadrados abrigam duas piscinas onduladas, muitos banheiros em mármore (seriam mais de 30), um pé-direito de quase nove metros, heliponto, duas bibliotecas e uma adega para cinco mil garrafas. Outro detalhe curioso é dispor de um gerador de energia tão potente que poderia iluminar uma cidade de 20 mil habitantes.

De todo o gigantesco patrimônio de Cid Ferreira, o que ficou no centro do imbróglio foi justamente o que não teve valor de mercado para ser passado nos cobres: as 200 árvores do terreno. O desenho paisagístico é de Burle Marx.

Diniz revelou ainda, através do mesmo comunicado, que contratou um escritório de arquitetura para “estudar, nos termos da legislação vigente, a viabilidade da instalação de um condomínio horizontal de casas de alto padrão”, pois o local se deteriora há 15 anos.

A Secretaria municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) de São Paulo indeferiu um pedido de intervenção no terreno por estar num “bairro-jardim”, qualificado como patrimônio ambiental por decreto. Já Diniz conclui dizendo que, após os estudos e a aprovação do município, “será dada ciência ao bairro e à sociedade” sobre o imóvel.


Fonte: O GLOBO