Anulação do processo é capítulo mais recente de caso ocorrido nos anos 1980 e que ganhou nova força nesta década

A anulação do processo que condenou o técnico Cuca por sexo com uma jovem de 13 anos, em 1987, na Suíça, representou o capítulo mais recente de um caso que movimentou o futebol brasileiro em 2023. E também trouxe uma série de dúvidas. Isso significa que ele foi inocentado? Vai voltar a trabalhar como treinador? E em relação aos outros ex-atletas envolvidos, o que acontece?

O GLOBO preparou uma lista de perguntas e respostas sobre o caso. Confira abaixo:

Cuca foi inocentado pela Justiça da Suíça?

As novas decisões da Justiça da Suíça não são uma revisão de inocência ou culpabilidade de Cuca do julgamento inicial, e sim da anulação dele. O que resulta no fato de que, para todos os efeitos, Cuca é inocente de qualquer acusação. Contudo, não é correto dizer que ele foi inocentado do processo, já que o mesmo foi anulado.

Por que o processo de Cuca foi anulado?

Cuca foi julgado sem representação legal, já que seu advogado na época (Peter Stauffer, contratado pelo Grêmio) deixara o caso um ano antes da audiência principal. Além disso, não havia o registro de um domicílio legal do brasileiro. Ou seja: ele não pôde ser comunicado oficialmente nem do julgamento e nem da decisão. 

Diante disso, a juíza Bettina Bochsler, do Tribunal Regional de Berna-Mittlelland, o mesmo onde o técnico fora condenado, em 1989, entendeu que houve falha na forma como o caso foi conduzido. Em que pese o negligenciamento do caso por ele e pelos demais acusados na época.

Cuca pode voltar a assumir um time?

O treinador nunca foi proibido de exercer sua profissão. Mas, como passou a haver forte reação negativa de parte da sociedade a cada clube que o contratava, o treinador decidiu dar uma pausa na carreira. Deixou o Corinthians, em abril de 2023, depois de apenas dois jogos no comando, e anunciou a contratação de advogados para revisitar o caso e provar sua inocência (o que tecnicamente não ocorreu com a decisão publicada esta semana).

A anulação do processo de Cuca também se estende aos outros condenados?

Não. O tribunal entende que cada condenação é um processo isolado. Todos eles precisariam fazer o mesmo que Cuca e buscar reabrir seus casos. De toda forma, um precedente foi aberto, já que Peter Stauffer também representou Henrique Etges e Eduardo Hamester. Os dois e Cuca foram condenados na época a 15 meses de prisão e pagamento de multa por praticarem sexo com uma garota de 13 anos e coerção. Apenas Fernando Castoldi contou com um defensor diferente. Ele foi considerado cúmplice e recebeu punição mais branda: três meses de detenção e multa.

O que aconteceu com a garota abusada por Cuca e os outros jogadores?

O Tribunal Regional de Berna-Mittlelland tentou localizar Sandra Pfäiffli após a reabertura do caso e descobriu que ela não está mais viva. Encontrou um herdeiro, Sven Sghluep, que optou por não entrar no processo. Fosse viva, a vítima teria hoje 49 anos.

O que foi o Escândalo de Berna?

O caso ocorreu em 1987, durante excursão do Grêmio pela Europa. Ao saberem que o time brasileiro estava hospedado na cidade suíça, Pfäffli e mais dois amigos bateram na porta do quarto do hotel em que estavam os quatro jogadores e pediram por camisas. Em depoimentos na época, os dois garotos alegaram que os gremistas seguraram a jovem no local. Cerca de 30 minutos depois, ela apareceu na recepção alegando ter sido estuprada.

Cuca, Henrique Etges e Eduardo Hamester e Fernando Castoldi foram detidos e passaram cerca de um mês na prisão. Saíram mediante pagamento de fiança e retornaram ao Brasil, onde foram recebidos pela torcida e até parte da imprensa como vítimas. O julgamento e condenação só ocorreriam cerca de dois anos depois.

Por que o caso só voltou a repercutir mais de 30 anos depois?

Com o tempo, este episódio ficou adormecido no debate público e todos os condenados seguiram suas vidas. Cuca, inclusive, virou referência entre os treinadores brasileiros. Mas o fortalecimento das pautas identitárias nos últimos anos mudou a forma como a sociedade brasileira encara temas como a violência contra as mulheres. Até que o caso Robinho, condenado por estupro na Itália, fez o escândalo de Berna voltar a ser lembrado. Principalmente a partir de 2020, quando o Santos tentou contratar o agora ex-atacante e precisou voltar atrás diante da indignação dos torcedores.

Os debates surgidos em relação a Robinho fizeram parte dos brasileiros refletirem sobre outros casos. E não demorou para que questionassem como Cuca, com uma condenação por estupro nas costas, havia deixado de ser cobrado por isso. Desde então, todo clube que contratava o treinador era criticado. Mas nada se comparou a reação dos corintianos, em abril do ano passado. Tão forte que levou o próprio técnico a pedir demissão depois de apenas duas partidas.

O que Cuca dizia sobre as acusações?

O treinador sempre alegou inocência. Em entrevista em 2021, negou ter abusado sexualmente da jovem. Não negou a presença da jovem no quarto, mas disse ter uma lembrança muita vaga do que aconteceu. Só que, no retorno ao Brasil, ainda em 1987, havia dito que ficou na porta do quarto e achou que a jovem tinha mais de 18 anos.

Havia provas contra Cuca?

Sim. Em entrevista ao site Uol no ano passado, o advogado Willi Egloff, que representava a jovem abusada na ocasião, afirmou que ela reconhecera Cuca como um dos estupradores e que exame realizado pelo Instituto de Medicina Legal da Universidade de Berna detectara sêmen do então jogador no corpo da garota. Depois, a própria Justiça suíça confirmou esta informação à TV Globo.


Fonte: O GLOBO